Irlanda vs All Blacks: o triunfo da experiência sobre a esperança
O jogo dos quartos-de-final entre Irlanda e Nova Zelândia estava rodeado de grande expectativa: o actual nº 1 Mundial e a eterna melhor equipa de sempre em qualquer competição em que entrem, ao All Blacks.
A selecção orientada por Andy Farrell apresentava um currículo impressionante desde Fevereiro: vencera por duas vezes a Escócia, por duas vezes a Inglaterra, tendo ainda derrotado Gales, França e a África do Sul: o momento estava com eles!
Por seu turno a Nova Zelândia apesar de em aqui e ali se vislumbrar aquela máquina bem oleada, não tinha conseguido mostrar plenamente o seu poderio e dominância habituais.
O jogo, realizado no Stade de France em Saint-Denis, e arbitrado por Wayne Barnes, começou com o habitual Haka, desta feita a ser abafado pelos cânticos Irlandeses, enquanto que a equipa capitaneada por Sexton exibia a figura de um “8”, em tributo ao jogador e treinador Anthony Foley, falecido num hotel em Paris no ano de 2016.
O lado Irlandês esteve um desastre em termos de alinhamentos, fazendo chorar por Joe Schmidt, que do lado de lá da barricada, conseguiu incutir aspectos táticos nos All-Blacks que se revelaram decisivos na vitória final por 24-28. O treinador que elevou a fasquia de qualidade da selecção Irlandesa entre 2013 e 2019 foi determinante para que a Irlanda perdesse após 17 test-matches a ganhar, uma daquelas ironias do destino, difícil de aceitar, principalmente para Sexton, que aos 38 anos, tinha a derradeira fé de ir mais além vestido de Verde e Branco.
Os All Blacks conseguiram gerir magistralmente o breackdown, não deixando os Irlandeses explorarem os rucks com a velocidade com que normalmente o fazem e conseguindo alguns turnovers importantes e não deixando que a equipa abrisse pelos três-quartos ponta; houve assertividade no jogo pelo ar e o mérito de terem percebido que só com pontapés para trás da defesa Irlandesa, iriam granjear pontos e nesse aspecto Mo’Unga esteve inexcedível, podendo ter sido um POTM com facilidade em detrimento de Ardie Savea, que independentemente disso mereceu o título.
Apesar dos dois amarelos a Aaron Smith e Codie Taylor, a Irlanda não conseguiu capitalizar muito por conta de uma assertividade defensiva e coesão da equipa admoestada. Sam Cane, Shannon Frizell e Ardie Savea estiveram intratáveis, com Sam Cane a impôr umas robustas 22 placagens e 2 turnovers; Jordie e Beauden estiveram ao seu melhor nível.
Do outro lado, Bundee Aki (com 7 defesas batidos) e Jamison Gibson-Park foram o mais eficazes possível (cada um marcando um ensaio); James Lowe fez alguma disrupção considerável (81m e 2 offloads) mas a terceira linha toda esteve um milímetro abaixo do normal e Johnny Sexton a acusar a ansiedade do momento e a falhar pontapés, foram o suficiente para pender a balança para o outro lado.
Relembre-se que é a oitava vez que a Irlanda cai nos quartos-de-final e a frustração na cara de Sexton por esta oportunidade única perdida, estava bem patente no seu rosto no final do jogo e nas suas palavras.
Aquele registo final com 37 fases de jogo, deve no entanto, ser mostrado aos jovens jogadores como um exemplo de perseverança e paciência atacante assim como de coesão e eficiência defensivas; a selecção do Trevo perdeu mas apesar de estarem à espera de mais e se calhar, até de o merecerem, não devem baixar as cabeças pois foi uma batalha digna e um jogo dos mais entusiasmantes e melhor jogados numa fase final de uma Mundial, que ficará concerteza para sempre nos anais da história.
Este jogo foi talvez o epíteto máximo de qualidade neste Mundial, que nos trouxe algumas novidades e aspectos a ter em consideração: Portugal a mostrar os dentes como nunca antes o conseguira fazer; aliás, as equipas de Tier 2 a mostrarem claramente que querem mais, num apelo mais suave como as exibições de Portugal ou numa versão mais aguerrida como a do seleccionador Chileno Pablo Lemoine; as fases estáticas do jogo estão mais descuradas pelas equipas, inexplicavelmente; os mauls dinâmicos já são minimamente bem defendidos; há muitos mais ensaios de primeira fase; as equipas do Hemisfério Sul não estão tão mal como se fazia crer (excepcionando a Austrália); velhas táticas e velhas maneiras cínicas de jogar ainda dão resultado, senão veja-se a Inglaterra.
Depois de um Mundial Feminino de excelência e depois deste Mundial Masculino super competitivo, talvez seja altura da World Rugby parar e actualizar um pouco as dinâmicas estabelecidas no que concerne a televisionamento de jogos e em termos de número de jogos por ano entre Tier 1 e demais Tiers. Um bom exemplo: o novo formato WXV lançado este ano, que consiste numa competição anual no rugby feminino de XV, com três Tiers a competirem entre si em três grupos, de seis equipas cada. Pesquisem e descubram!