NBA no Médio Oriente
Foi em 1984, curiosamente o ano em que Winston Smith se confrontava com o regime autoritário do Big Brother (não confundir com o reality show) na mais célebre obra de George Orwell, que a NBA iniciou a sua primeira expedição ao Médio Oriente numa série de 4 jogos em Israel. Praticamente 40 anos depois, já em 2022, a liga norte-americana optou por exportar o seu produto para a península arábica, tendo durante a última semana ocorrido a 2ª edição dos Abu Dhabi Games entre Dallas Mavericks e Minnesota Timberwolves.
Sem surpresas, e dado o relacionamento diplomático entre Estados Unidos (da América) e Emirados (Árabes) Unidos, também a NBA deu o salto para o Golfo Pérsico, aproveitando assim a maré de outras organizações influentes do mundo do desporto: a F1, em 2023, inicia a sua temporada no Bahrain, passando por Jeddah (Arábia Saudita), Lusail (Qatar) e terminando-a no circuito de Abu Dhabi; o último mundial de futebol masculino (FIFA) foi o primeiro a disputar-se em terras muçulmanas; e, ainda no que à bola no pé concerne, as exorbitantes transferências sauditas que permitiram ingressar no campeonato nacional jogadores como Cristiano Ronaldo, Karim Benzema ou Sadio Mané. Posto isto, a NBA não foi pioneira na alimentação do sportswashing, uma estratégia recorrentemente empregue pelos países da península arábica.
O anúncio da contratação do ex-Porto Otávio exemplifica na perfeição a mensagem que a Arábia Saudita quer passar ao resto do mundo com o investimento desportivo, num vídeo em que futuros estudiosos facilmente apelidarão de propaganda.
Mas não sendo a NBA futebol, nem a Arábia Saudita os Emirados Árabes Unidos – ainda que partilhem regimes não-democráticos, na base da exploração laboral e no desrespeito dos direitos humanos -, as situações não são assim tão distintas. Entre os vários intervenientes – adeptos, equipas, organização e anfitrião ,- a escala de benefício parece-me autoevidente.
Aos adeptos dos principais mercados à escala global (Estados Unidos, Europa, Ásia) e que acompanham as partidas regularmente via transmissão ou app, pouco terá interessado que o jogo se tivesse realizado em Abu Dhabi, a não ser para quem teve de se questionar moralmente se acompanharia (ou não) as duas partidas. O que, desde já, para quem só está interessado em ver basquetebol, é um bocado inconveniente, Adam Silver. Depois, nas equipas que, acreditando que, excluindo os donos e outros interessados financeiramente, também era escassa a vontade de viajar 24 mil quilómetros pelo globo para realizar um par de partidas num fuso horário 540 minutos à frente, quando os seus pavilhões estão a uma distância de 2 horas de avião. Uma preparação para a nova temporada, no mínimo, um pouco inconveniente.
Sobram, então, os beneficiários: a NBA monetariamente seja no imediato, seja em investimentos futuros (olá parceria Washington-Qatar) e os EAU (tentar não confundir com EUA) que para além de continuarem a apostar no turismo – aliás, para além de turistas, sheiks e empresários, poucos lugares terão sido ocupados no pavilhão nas duas partidas -, vão reciclando uma imagem de um país de fortuna e prosperidade, capaz de receber dentro das suas fronteiras os maiores espetáculos.
Ganha o negócio, a diplomacia, a imagem, em prol de ética e direitos. Mas acima de tudo, perdem os oprimidos que perante um regime autoritário (que por si só, é infortúnio suficiente), têm ainda de lidar com a invasão mediática de fartas organizações que entre o bem e o mal, escolhem o que encher mais o bolso.