Da formação ao alto rendimento: os talentos (masculinos) que ficaram pelo caminho
Esta é a segunda parte de duas onde focamos os maiores talentos da natação portuguesa nos escalões de formação. A primeira parte pode ser lida aqui.
Apesar de já termos referido no artigo anterior o método utilizado para análise dos dados que iremos tratar em seguida, convém sempre referir de novo:
Top-100 português
- Inventariámos os 100 melhores nadadores portugueses em cada categoria competitiva com base na pontuação FINA e na melhor prova em piscina longa de cada nadador. Posteriormente fomos ver quantos deles surgiam também no top-100 absoluto.
- Apenas consideramos os nadadores que já são seniores, ou seja, o top-100 de cada categoria apenas contempla os nadadoras nascidos antes de 1999 (inclusive), para que a comparação com o top-100 absoluto seja justa.
- A partir da comparação estabelecida, chegamos à percentagem de nadadores que atingiram o patamar absoluto.
- A análise está condicionada aos dados constantes no SwimRankings.
Passemos então aos resultados das observações:
Top Infantil-B
Na primeira categoria competitiva, apenas 11% dos melhores 100 nadadores conseguem chegar ao nível absoluto, um rácio mais baixo do que no sector feminino (17%).
Clique aqui para aceder ao top-100 infantil-B masculino.
No que respeita aos 10 melhores infantis B, o ranking está assim ordenado:
Convém recordar que os registos no SwimRankings são limitados e os mais antigos desta categoria dizem respeito a nadadores nascidos em 1990. Caso contrário poderiam estar aqui nadadores que desde cedo deram nas vistas, como Pedro Diogo Oliveira, Diogo Carvalho ou Fábio Parrilha da Silva.
Ainda assim, dificilmente alguém tiraria o primeiro lugar do top a Pedro Fontoura Oliveira. O nadador d’Os Belenenses foi o maior fenómeno da natação portuguesa nos escalões de formação (provavelmente) de sempre. Só nas categorias de infantis (G4 e G3 e os que subsistiram – todos – foram convertidos em Infantil-B e Infantil-A) estabeleceu um total de 44 recordes nacionais!
Aquele que lhe dá a liderança do top infantil-B ainda é o que vigora, até porque o nadador (Tomás Oliveira) que mais se aproximou de Pedro é o segundo melhor infantil-B, considerando todos os infantis-B em todas as provas, e mesmo assim fez um tempo 14 segundos pior do que o do nadador d’Os Belenenses aos 1500 metros livres.
Se do lado feminino três nadadoras do top-10 infantil-B vieram a tornar-se recordistas nacionais absolutas, do lado masculino nenhum dos nadadores do top-10 chegou a esse patamar, o que é sintomático dos diferentes estádios maturacionais experimentados por raparigas e rapazes.
Top Infantil-A
Em relação ao top-100 infantil-A o rácio de nadadores que conseguiu chegar ao top-100 absoluto mais que duplica em relação ao rácio nos infantis-B e é de 23%, ainda assim continua abaixo da percentagem de sucesso do sector feminino (27%).
O top-10 desta categoria é o seguinte:
No primeiro lugar nada de novo, com Pedro F. Oliveira a liderar também este top e também com um tempo nos 1500 metros livres que lhe dá uma liderança de mais de 20 pontos.
No que diz respeito ao resto do top, destaque para dois nadadores que são hoje nadadores de selecção nacional. Gabriel Lopes e João Vital são desde cedo nadadores de grande nível. Também o luso-britânico Nathan Theodoris representou a selecção nacional absoluta em grandes competições internacionais, nomeadamente nos Europeus de Piscina Curta de 2015, em Netanya, Israel.
Em relação ao top infantil-B, para além de Pedro F. Oliveira, só há mais dois repetentes: Tomás Oliveira e Alexandre Ribas.
Top Juvenil-B
Subindo um patamar, na primeira categoria de juvenis, a percentagem de nadadores que conseguiram chegar ao nível absoluto é de 31%. Foram menos 11 nadadores desta categoria do que no sector feminino a entrarem no top-100 absoluto.
O top-100 juvenil-B masculino pode ser consultado aqui.
Os 10 primeiros desta categoria são os seguintes:
De um fundista para outro, na categoria juvenil-B a liderança do top é para Rui Filipe Costa. Se em infantis o destaque foi Pedro Oliveira, em juvenis foi Rui Costa, um nadador que quebrou várias barreiras enquanto competiu neste escalão. Em juvenil-B é o único acima dos 700 pontos FINA e em juvenil-A foi o primeiro a baixar dos 4 minutos aos 400 livres (em piscina curta) e dos 16 minutos aos 1500 metros livres (em piscina longa).
A competição mais importante onde esteve o nadador do Vitória de Guimarães foi nos mundiais de juniores de Monterrey (onde também esteve Pedro F. Oliveira), no ano de 2008. Continua (continuou sempre) a competir mas sem o impacto que teve em juvenil e ainda em júnior.
Em relação aos nadadores que foram bem sucedidos ao nível absoluto, para além dos já citados João Vital e Nathan Theodoris, também está presente Jorge Maia, o recordista nacional absoluto dos 400 metros livres e que esteve presente nos mundiais de piscina curta de 2008, em Manchester.
Referência ainda para o número 10 do top – Pedro Gaspar -, um talento que se perdeu na natação mas que se ganhou no triatlo!
Top Juvenil-A
No top-100 juvenil-A a percentagem de nadadores que chega ao patamar absoluto é pouco mais elevada que na categoria anterior. Está fixada em 36%, muito abaixo dos 52% do sector feminino.
O top-100 masculino juvenil-A pode ser consultado aqui.
Os 10 primeiros desta categoria são os seguintes:
Definitivamente a geração de nadadores nascidos no início dos anos 90 veio evoluir bastante as provas de fundo. Só não fez evoluir o recorde nacional absoluto de Fernando Costa que resistiu a todos eles.
Na liderança da tabela, mais uma marca feita aos 1500 metros livres, neste caso de Gustavo Santa, o nadador do Litoral Alentejano que migrou para o Sporting e mais tarde emigrou para os Estados Unidos. Gustavo participou nos Jogos Olímpicos da Juventude de Singapura em 2010 e foi no escalão de juniores que teve a fase mais pujante da sua carreira, mas depois de juvenil foi reduzindo as distâncias de sua especialidade. Como se verá na tabela seguinte, Gustavo volta a aparecer no top-10 mas com uma marca feita nos 400 metros livres.
No top-10 desta categoria já surgem vários nomes que chegaram ao hall of fame da natação portuguesa como os duas vezes olímpicos Pedro D. Oliveira e Tiago Venâncio.
Top Júnior
É no escalão de juniores que o rácio de nadadores que chegam ao nível absoluto “dispara”. 68% dos nadadores que se destacam no escalão de juniores conseguem destacar-se a nível absoluto. Ainda assim continua abaixo dos 75% que as nadadoras juniores atingem.
O top-100 júnior masculino está disponível aqui.
Quanto os 10 melhores juniores, o ranking é o seguinte:
A marca que valeu a Tiago Venâncio o recorde europeu de juniores dos 100 metros livres dá-lhe também a liderança do top nacional de juniores, um top onde marcam presença muitos nadadores que também foram top a nível sénior, tais como José Couto e Fernando Costa e outros que são top na actualidade como Guilherme Pina, João Vital e Gabriel Lopes.
De notar que em nenhum top-10 dos apresentados estiveram Alexis Santos e Diogo Carvalho que são os nadadores portugueses com maior sucesso internacional, a seguir a Alexandre Yokochi, o que mostra que estes dois nadadores tiveram (e têm) uma carreira sempre em ascenção.
Outra ausência notada em todos os top-10 é a de Miguel Nascimento, mas essa justifica-se com o facto do nadador, hoje no Benfica, enquanto nadador de formação tinha particular vocação para provas rápidas, onde os nadadores mais novos têm maior dificuldade em fazer uma boa pontuação.
Entre o top-5 apenas há um nadador que não chegou à selecção nacional absoluta, que é André Silva, um talento enorme da técnica de bruços mas que abandonou a modalidade demasiado cedo.
Conclusão
Apenas falta partilhar a tabela do top-100 absoluto que serviu de referencial comparativo a todas as tabelas anteriores, esta bastante transfigurada e com a liderança dos nadadores que assinalamos a falta nas tabelas anteriores. Pedro D. Oliveira lidera com os 884 pontos correspondentes aos 1:56.17 dos 200 metros mariposa, Alexis Santos e Diogo Carvalho completam o pódio, no 4º lugar surge Carlos Almeida e no 5º Miguel Nascimento.
Em suma, o rácio de nadadores que se destacam nas diversas categorias e se acabam por destacar a nível absoluto é o seguinte:
Estes dados também foram recolhidos na maior potência mundial da natação – EUA – obtendo-se estes valores:
Os parâmetros utilizados são diferentes, o que torna a comparação muito subjectiva. Em primeiro lugar, o sistema americano contempla grupos de idade e não escalões. Depois, o grupo de referência para a comparação é o grupo de idade 17-18 anos e em terceiro lugar, não são contempladas as melhores marcas de sempre. Ou seja, o que o estudo da USA Swimming apura é quantos dos 100 melhores nadadores com 10 e menos anos constam da tabela dos 100 melhores nadadores quando esses mesmos nadadores atingem os 17-18 anos de idade, e depois repetem-no para várias épocas desportivas.
No que diz respeito às conclusões deste artigo, não são diferentes das que estabelecemos na versão feminina do mesmo. Há que assinalar o facto de em todos os escalões haver menos homens a chegar ao nível absoluto do que as mulheres. Este dado pode ter várias leituras (e até podem estar todas certas):
- Há mais talentos masculinos que ficam pelo caminho;
- A maturação masculina é mais heterogénea do que a maturação feminina;
- Há mais nadadores de topo em idade de sénior do que nadadoras, o que dificulta o acesso ao top-100 absoluto. A tabela absoluta masculina fecha com 739 pontos e a tabela absoluta feminina fecha com 696 pontos.
De facto, apesar da natação feminina dar sinais de estar mais equilibrada com a natação masculina (no nível absoluto, uma vez que nos escalões de formação já era equilibrada ou até de nível superior, já que já tivemos 3 campeãs europeias de juniores e nenhum campeão), historicamente a natação masculina portuguesa tem tido protagonistas com carreiras mais longas e resultados de maior relevância internacional.
Mas como vimos, houve muitos talentos que poderiam ter sido melhor potenciados. Uma multiplicidade de factores concorrem para isso e cada caso é um caso não havendo uma fórmula que possa ser aplicada de igual forma a todos os nadadores. O que pode haver, sim, é o acompanhamento próximo, a correcta monitorização da carreira, a fixação de objectivos realistas e o estímulo para a manutenção da prática da natação.
Porque uma coisa é certa: dificilmente a natação não evolui com carreiras que terminam aos 18 anos.
One comment
Graziela
Setembro 9, 2020 at 4:02 pm
Sensacional esse artigo! Estou estudando a formação de jovens atletas e a perspectiva dos treinadores em relação ao seu papel na trajetória esportiva dos nadadores do escalão infantil, e como minimizar o abandono do esporte antes de completar a carreira como atleta.