Da formação ao alto rendimento: os talentos (femininos) que ficaram pelo caminho
O Fair Play coleccionou vários registos da base de dados SwimRankings a fim de traçar o perfil dos nadadores de topo da natação portuguesa desde os escalões de formação até ao alto rendimento. O objectivo é concluir se os maiores talentos em idades precoces estão a ser aproveitados ou se, pelo contrário, há uma elevada taxa de abandono e estagnação na natação portuguesa.
Para chegar a tais conclusões explicamos o método:
Top-100 português
- Inventariámos as 100 melhores nadadoras portuguesas em cada categoria competitiva com base na pontuação FINA e na melhor prova em piscina longa de cada nadadora. Posteriormente fomos ver quantas delas surgiam também no top-100 absoluto.
- Apenas consideramos as nadadoras que já são seniores, ou seja, o top-100 de cada categoria apenas contempla as nadadoras nascidas antes de 2000 (inclusive), para que a comparação com o top-100 absoluto seja justa.
- A partir da comparação estabelecida, chegamos à percentagem de nadadoras que atingiram o patamar absoluto.
- A análise está condicionada aos dados constantes no SwimRankings.
Exposto o método, passemos a analisar os dados.
Top Infantil-B
Com base no top-100 infantil-B concluímos que 17% das nadadores conseguiram atingir o nível absoluto. Ou seja, 17 nadadoras que constam do top-100 infantil-B também constam do top-100 absoluto.
Para consultar a tabela completa do top-100 feminino Infantil-B clique aqui.
Não analisaremos exaustivamente o top-100, mas em todas as categorias analisaremos o top-10 avaliando o percurso que as 10 melhores nadadoras fizeram na natação.
O top-10 infantil-B é o seguinte:
Antes de nos debruçarmos sobre a análise do top-10 infantil-B feminino, é importante reforçar que os dados estão condicionados aos registos do SwimRankings. No caso da categoria infantil-B não há dados de nadadoras nascidas antes de 1991, o que não acontece noutras categorias. Outra nota que importa destacar é que a tabela de pontuação FINA é actualizada todos os anos e tem por base o diferencial para o recorde do mundo da prova em questão, o que faz com que as tabelas apresentadas sejam dinâmicas. Ou seja, o registo X na prova A pode este ano ser mais bem pontuado que o registo Y na prova B, mas se o recorde do mundo da prova A evoluir e o da prova B estagnar, no próximo ano o registo Y já pode ser mais bem pontuado que o registo X.
Feito o prólogo, olhemos agora para o top-10 infantil-B feminino, um top liderado por Filipa Ruivo, um dos maiores talentos que a natação portuguesa descobriu na última década. Uma nadadora que bateu 17 recordes nacionais na sua carreira, mas 15 deles no escalão de infantis. A nadadora do Desportivo Náutico da Marinha Grande, que terminou a carreiro no Bairro dos Anjos fez a sua última competição na época 2014/2015, no seu primeiro ano de sénior e, apesar de constar do top-100 absoluto, não confirmou todo o potencial que se lhe atribuía. No entanto, representou Portugal várias vezes, com destaque para a presença no Europeu de Juniores em 2012, onde obteve um 12º lugar nos 1500 metros livres.
Da tabela destaca-se a presença de Raquel Pereira (#8), uma nadadora que é agora sénior de primeiro ano e já garantiu presença nos Europeus de Absolutos de Glasgow deste ano.
Também Cátia Martinheira, Inês Fernandes e Giovanna Vargas são nadadoras que se mantiveram, ou mantém, no topo também a nível absoluto.
Top Infantil-A
Em relação às infantis A, concluímos que 27% das melhores nadadoras femininas da categoria conseguem atingir o nível absoluto.
Para consultar o top-100 infantil-A feminino, clique aqui.
Este é o top-10 da categoria:
Segunda no top infantil-B, primeira no top infantil-A, Inês Fernandes foi de facto uma nadadora fora de série no escalão de infantis. No conjunto das categorias A e B, a nadadora do Sporting bateu 22 recordes nacionais do total de 55 que conta ao longo da sua carreira e ficará para sempre identificada como a primeira nadadora infantil a nadar 100 livres abaixo do minuto. Os 59.73 com que lidera o top já foram uma melhoria aos 59.92, o tempo que a fez ultrapassar essa barreira pela primeira vez.
Mesmo agora, só há mais uma nadadora que baixou do minuto aos 100 livres em infantil, que é Carolina Fernandes, que o fez há menos de 15 dias.
Inês é hoje uma das melhores nadadoras nacionais e uma das poucas com recordes nacionais em todas as categorias, inclusive recordes absolutos. Contudo, a nível absoluto nunca esteve em nenhuma grande competição – considerando Europeus de Piscina Longa ou Curta, Mundiais de Piscina Longa ou Curta e Jogos Olímpicos. A maior competição onde participou foram os Mundiais de Juniores em 2013, no Dubai. No entanto a sportinguista continua no activo e a melhorar os seus recordes pessoais, por isso, aos 20 anos, ainda vai bem a tempo de chegar a uma grande competição absoluta.
No top-10 infantil-A e para além de Inês Fernandes, também Cátia Martinheira, Isabel Abreu, Mariana Guerra e Filipa Ruivo reptem a presença em relação ao top infantil-B.
Mas no top infantil-B o destaque vai para as presenças da mundialista Diana Durães e da olímpica Ana Rodrigues, duas nadadoras que atingiram o topo absoluto na natação feminina portuguesa e que continuam a competir e a evoluir.
Destaque ainda para a presença de três nadadoras com melhores tempos nos 400 estilos, uma prova nada fácil de obter uma boa pontuação, as talentosas Susana Miguel, Diana Rocha e Diana Durães. Infelizmente Susana e Diana Rocha estagnaram no escalão de juniores.
Top Juvenil-B
No que diz respeito às nadadoras juvenis-B, 42% das melhores nadadoras desta categoria chegam ao patamar absoluto. Para saber quem são as 100 melhores nadadoras juvenis B nascidas depois de 2000 clique aqui.
Este é o top-10 feminino juvenil-B:
A geração feminina de 1997 foi das mais talentosas que já passou pelas piscinas portuguesas. Terceira categoria apresentada e terceira liderança para uma nadadora nascida em 1997, no caso Joana Silva, uma costista de enorme qualidade que terminou a sua carreira cedo de mais.
Joana também esteve presente nos mundiais de juniores do Dubai em 2013, mas a época seguinte, a sua segunda época de juniores, foi a última da sua carreira. Enquanto nadou travou intensas disputas com Inês Fernandes nas provas de costas. A tabela espelha bem a competitividade reinante nesta categoria e nesta prova, no ano em que ambas foram juvenis-B.
Das restantes oito nadadoras, é nesta categoria que aparece Diana Gomes a destacar-se. Aqui continua a ser a 5ª melhor juvenil-B de sempre, apesar do ser a nadadora do top-10 que foi juvenil-B há mais tempo. Voltam a surgir Ana Rodrigues e Raquel Pereira, num top bem recheado de brucistas (juntando ainda Paula Oliveira).
Destaque ainda para a presença de duas especialistas de média e longa distância de livres, Ana Cláudia Santos e Maria Cabral. Ana Cláudia foi um verdadeiro fenómeno que surgiu nas categorias de formação a bater recordes nacionais de Alexandra Silva que tinham mais de 20 anos e de Ana Alegria que já contavam mais de uma dezena de anos. Maria Cabral é uma nadadora que hoje ainda cumpre o seu primeiro ano de sénior e não tem conseguido ser tão dominante como foi em juvenil. Ainda está bem a tempo de vir a ser.
Top Juvenil-A
No que diz respeito às nadadoras juvenis A, mais de metade conseguiu ser uma nadadora de destaque no patamar absoluto. Mais concretamente 52%. Apesar de ser um bom rácio, há o reverso da medalha que é importante referir. É que muitas nadadoras já entram no top-100 absoluto com as suas marcas de juvenil-A, daí que a percentagem seja relativamente elevada.
De facto, um dos problemas da natação feminina é a “massa crítica” no escalão de seniores. Temos tido cronicamente poucas nadadoras seniores, um paradigma que parece estar a mudar quando olhamos para a nossa selecção nacional absoluta e vemos nadadoras com mais de 20 anos, coisa que era rara de ver há alguns anos.
Para conferir o top-100 juvenil-A clique aqui.
Eis o top-10:
Mais uma vez Inês Fernandes encontra-se na liderança do top, desta vez repartindo-a com Ana Rodrigues, uma vez que as duas estão com 778 pontos nas suas provas. Pouco comum o facto do top juvenil-B ser liderado por duas nadadoras com melhores tempos em provas de 50 metros, já que nos programas de provas mais tradicionais as de 50 metros só começam a aparecer no escalão de juniores. Diz bem da qualidade de Inês e Ana para sprintar, elas que são hoje as duas melhores velocistas portuguesas, Ana em piscina longa e Inês em piscina curta.
Em relação às restantes nadadoras do top-10, dá vontade de concluir que para se ser campeã europeia de juniores é obrigatório estar no top-10 juvenil-B. É que estão aqui as únicas três campeãs europeias de juniores da história da natação portuguesa:
Diana Gomes liderou o top desta categoria durante muitos anos e continua a apenas 2 pontos da liderança;
É impressionante que o primeiro top-10 onde Tamila Holub surge é o das juvenis-A e logo no escalão seguinte se torna na melhor da Europa. Deve servir de exemplo para qualquer nadador que não se destaque logo desde infantil.
Impressionante também o facto de Ana Francisco continuar no top-10, já que a sua marca foi obtida em 1995, quando a maioria das nadadoras do top-10 ainda não eram nascidas!
Em relação aos top anteriores, para além de Tamila Holub e Ana Francisco, também Maria Rosa e Ana Rita Santos são novidades.
Top Júnior
No último patamar antes do nível absoluto a percentagem de nadadoras que consegue entrar no top-100 absoluto é de 75%, ou seja, 3 em cada 4 nadadoras juniores consegue ascender ao nível seguinte.
É importante notar, mais uma vez, que muitas nadadoras do top-100 absoluto entraram nesse ranking com as marcas feitas em júnior.
Clique aqui e fique a conhecer o top-100 júnior feminino.
No que diz respeito às 10 primeiras, a hierarquia é a seguinte:
Do top-10 de juniores já não se pode dizer que alguma “ficou pelo caminho”. Todas elas são, ou já foram, recordistas nacionais absolutas. Metade delas – Tamila, Diana Gomes, Ana, Victoria e Sara – são olímpicas. Diana Durães e Joana são mundialistas e Florbela, Raquel e Rita estiveram em mundiais de juniores.
Destaque para Victoria Kaminskaya e Sara Oliveira que só em júnior surgem nos lugares cimeiros do top, fazendo uma carreira sempre em ascenção e de elevada longevidade.
Das 10, Florbela e Joana foram as que tiveram uma carreira mais curta, mas ainda assim chegaram a competir em seniores.
Mais uma vez, forte presença de provas de bruços nesta tabela, o que é revelador do talento das nadadoras portuguesas nesta técnica, resultando em que a única prova que tem duas nadadoras a fazer mínimo para os Europeus de Glasgow este ano seja precisamente os 200 bruços.
Por último, o destaque para a liderança destacada do tempo de Tamila Holub que deu à portuguesa o título de campeã da Europa de Juniores. Para além de ser o melhor tempo júnior feminino, é o 4º melhor tempo absoluto da natação portuguesa.
Conclusão
Para enquadramento, deixamos a tabela absoluta que serviu de referencial comparativo a todas as tabelas anteriores (clique aqui) liderada pelos 4:40.11 de Victoria Kaminskaya nos 400 estilos, correspondentes a 859 pontos, seguida dos 845 pontos de Diana Durães nos 400 livres quando nadou em 4:10.07. Duas marcas bastante recentes, o que é bom sinal uma vez que demonstra que a elite da natação feminina está a evoluir.
Sobre os rácios apresentados, resumimos tudo na seguinte tabela:
Estes dados também foram recolhidos na maior potência mundial da natação – EUA – obtendo-se estes valores:
Os parâmetros utilizados são diferentes, o que torna a comparação muito subjectiva. Em primeiro lugar, o sistema americano contempla grupos de idade e não escalões. Depois, o grupo de referência para a comparação é o grupo de idade 17-18 anos e em terceiro lugar, não são contempladas as melhores marcas de sempre. Ou seja, o que o estudo da USA Swimming apura é quantas das 100 melhores nadadoras com 10 e menos anos constam da tabela das 100 melhores nadadoras quando essas mesmas nadadoras atingem os 17-18 anos de idade, e depois repetem-no para várias épocas desportivas.
Dado que o campo de recrutamento português é infinitamente mais pequeno, se analisássemos os dados com essa métrica não íamos ter um quadro fidedigno sobre evolução do nível competitivo, mas sim uma constatação do facto de não haver muitas candidatas ao top-100.
Apesar de não podermos fazer uma comparação directa, os números parecem-nos animadores face à nossa realidade, mas a verdade é que a natação americana pode “dar-se ao luxo” de perder vários talentos precoces pelo caminho para o alto rendimento. Já na natação portuguesa todos os foras de série são poucos e é preciso conservar talentos.
Nesse sentido, ficará sempre a dúvida sobre até onde poderiam ter chegado vários dos nomes que referimos nas tabelas anteriores. O abandono precoce é uma característica incontornável desta modalidade de desgaste – físico e mental – rápido, mas é uma característica que urge mitigar ao máximo por via da gestão racional das carreiras dos nadadores. Assim, é importante que treinadores, dirigentes, pais e ESCOLAS estejam em sintonia de forma a propiciarem aos nadadores um ambiente favorável ao desenvolvimento simultâneo e sinérgico das capacidades desportivas, sociais e escolares.
Esta é uma mudança de paradigma imperiosa de ser executada. Caso contrário muitos mais talentos se perderão no caminho para o alto rendimento!
One comment
JáConteiMuitoAzulejo
Dezembro 25, 2020 at 9:42 pm
“”Destaque ainda para a presença de três nadadoras com melhores tempos nos 400 estilos, uma prova nada fácil de obter uma boa pontuação, as talentosas Susana Miguel, Diana Rocha e Diana Durães. Infelizmente Susana e Diana Rocha estagnaram no escalão de juniores.”
Ambas, aquando data desta publicação, médicas, com curso tirado na durabilidade certa.
Claramente, a natação em
Portugal não é um desporto viável para quem quer ter outra profissão cujo curso exija o mínimo de sapiência.