Balanço da natação portuguesa em Tóquio2020
Findados os Jogos Olímpicos de Tóquio2020, é tempo de balanços e no que diz respeito à natação portuguesa destaca-se o 11º lugar de Ana Catarina Monteiro nos 200 metros mariposa. Terá sido suficiente para os objectivos lusos nos jogos nipónicos?
1. A Desilusão só existe quando se cria uma ilusão
Foi esta a primeira salvaguarda feita pelo Director Técnico para a natação pura da Federação Portuguesa de Natação, Prof. José Machado, no balanço feito pelo organismo tutelar da natação portuguesa assim que terminou a participação lusa no torneio olímpico de natação (pura).
Nesse balanço é assumido claramente que os objectivos enunciados no Plano de Alto Rendimento para Tóquio2020 não tinham sido plenamente atingidos, sendo que estes passavam por 1 lugar dentro dos 11 primeiros lugares, 2 lugares dentro dos 13 primeiros e 3 dentro dos 16 primeiros, melhorando assim as classificações obtidas no Rio2016 onde Portugal conseguiu um 12º e um 14º lugares, ambos por Alexis Santos.
Também ao nível das marcas realizadas, contaram-se “apenas” um recorde nacional – Francisco Santos nos 100 metros costas – e mais dois recordes pessoais – José Lopes aos 400 metros estilos e Gabriel Lopes aos 200 metros estilos. Dos 8 mínimos A atingidos para participação nos JO, apenas metade das provas voltaram a ser nadadas abaixo desse índice nos Jogos – Tamila Holub e Diana Durães nos 1500 metros livres e Gabriel Lopes e Alexis Santos nos 200 metros estilos.
Também nas águas abertas o objectivo estabelecido no PAR de um lugar nos 16 primeiros não foi atingido, pese embora a melhor classificação de sempre igualada de Angélica André, a apenas uma posição do objectivo definido (17º).
Mas se o balanço federativo fica de certa forma agrilhoado aos objectivos previamente estabelecidos, traduzindo-se inevitavelmente numa avaliação binária entre a expectativa e a realidade, a reflexão que deve ser feita no pós-Jogos por todos os intervenientes deve ser mais profunda, tendo em conta outros indicadores que não apenas os resultados desportivos, de modo a que, na antecâmera da preparação do próximo ciclo olímpico de apenas 3 anos, seja mantido ou reforçado aquilo que nesta preparação produziu efeitos positivos e corrigido aquilo que resultou em falta de êxito face às metas propostas.
É para essa reflexão que aqui pretendemos contribuir com dados e indicadores do que fica da participação portuguesa em Tóquio2020.
2. Expectativa vs realidade
Como atrás se referiu, os objectivos propostos pela FPN para estes Jogos Olímpicos eram os três lugares entre os 16 primeiros, mais um nas águas abertas, objectivo realista face à equipa apresentada, uma equipa com o maior número de mínimos A de sempre e bastante homogénea, podendo vir de qualquer um dos 9 nadadores presentes em Tóquio a obtenção desses lugares. Mas, como em qualquer outro desporto olímpico, para a concretização desses objectivos contava o desempenho individual somado ao desempenho dos demais adversários em prova. Por isso, vamos tentar perceber o quão realizável teria sido este objectivo base, seguindo diferentes critérios:
- Posição na start list
Este seria desde logo o primeiro aspecto a considerar que colocaria um termo de comparação entre todos os nadadores presentes em prova e que definiria as nossas reais aspirações aos lugares de meias finais. Os nadadores portugueses apresentavam as seguintes posições nas listas de entrada das diferentes provas:
Em relação às águas abertas, não havendo uma lista de entrada seriada por tempos, pode ser assumido que Angélica André partia com o 15º melhor registo de entrada por ter sido a 5ª apurada na prova de apuramento para os 10 km de águas abertas em Tóquio (10 apuradas nos Mundiais de 2019 + 4 apuradas à sua frente em Setúbal 2021) e Tiago Campos foi o 16º apurado para Tóquio (10 primeiros nos Mundiais de 2019 + os 5 apurados à sua frente na prova de apuramento de Setúbal).
Tendo em conta a lista de entrada, as aspirações da equipa portuguesa ao Top-16 cingiam-se a Ana Catarina Monteiro nos 200 metros mariposa e aos dois nadadores das águas abertas, sendo apenas estes os três nadadores que surgiam rankeados dentro dos 16 primeiros (e no caso das águas abertas por extrapolação dos resultados obtidos nas provas de apuramento para os Jogos), pelo que as metas traçadas, não sendo irrealistas como já se referiu, seriam bastante complicadas exigindo, à partida, que os nadadores portugueses superassem as suas melhores marcas de sempre, uma vez que todos eles foram inscritos com os seus recordes pessoais nas suas provas.
Contrastando a posição que traziam da lista de entrada com a classificação final, observa-se que nas 10 provas nadadas na piscina, em 5 delas se obtiveram melhores classificações do que a posição de entrada, em duas se mantiveram a posição e em três a classificação final foi pior do que o lugar na entry list. Nas águas abertas as duas posições relativas de entrada foram pioradas (Angélica André 17º lugar; Tiago Campos 23º lugar).
Daqui se conclui que maioritariamente os nadadores portugueses superaram ou igualaram as posições que ocupavam à partida.
- Classificação teórica com os melhores tempos
Outro exercício teórico admissível de ser feito é de partir do pressuposto que os nadadores portugueses reproduziriam em Tóquio as suas melhores marcas nas provas nadadas. Admissível mas já com algum nível de irrealismo porque partiríamos do princípio que nas 10 provas nadadas na piscina do Tokyo Aquatics Centre e nas duas nadadas no Odaiba Marine Park só os nadadores portugueses nadariam no seu melhor e os seus adversários não.
Nesse cenário, teríamos três nadadores a obter classificações nos 16 primeiros lugares: Ana Catarina Monteiro seria 8ª nos 200 metros mariposa, Francisco Santos 12º nos 200 metros costas e José Paulo Lopes 16º nos 800 metros livres.
Ou seja, só com todos no seu melhor seria realizável (e até superável porque daria um lugar de final) o objectivo inicialmente proposto. De resto, sempre que a natação portuguesa conseguiu classificações nos 16 primeiros lugares, só o fez com os protagonistas a nadarem para recorde nacional nessas provas, mesmo nas colectivas. A estafeta masculina de 4×100 metros estilos em Montreal 76 (14ª), Alexandre Yokochi nos 200m bruços em Los Angeles 84 (7º), o mesmo nadador e na mesma prova mas em Seúl 88 (9º), a estafeta masculina de 4×100 metros livres em Seúl 88 (14º), a estafeta masculina de 4×200 metros livres em Atenas 2004 (14º) e Alexis Santos no Rio 2016 (12º nos 200 metros estilos e 14º nos 200 metros estilos) precisaram de superar os respectivos recordes nacionais para conseguirem classificar dentro dos 16 primeiros.
Ana Catarina Monteiro foi mesmo a primeira nadadora portuguesa de sempre a conseguir apurar-se para uma meia final olímpica, ou a classificar-se no TOP16, sem bater o recorde nacional.
Concluindo, através deste critério observa-se que os objectivos seriam realizáveis, mas também por aqui difíceis sobretudo por dependerem essencialmente de três nadadores (Catarina, Francisco e Zé Paulo), dois deles apurados “em cima” dos Jogos.
Acresce que na história olímpica da natação portuguesa só em duas edições tivemos mais do que dois nadadores a bater recordes nacionais. Foi em Montreal 76, quando Henrique Vicêncio, António Melo, Paulo Frischknecht e José Gomes Pereira bateram recordes nacionais individuais (e com Rui Abreu mais dois em estafetas), naquela que foi a primeira grande competição internacional pós-25 de Abril, e em Pequim 2008 com Sara Oliveira, Pedro Oliveira, Carlos Almeida e Simão Morgado a obterem 6 novos recordes nacionais, nos Jogos nadados com fatos de poliuretano.
3. Distribuição territorial
Este é um critério que à partida pode parecer marginal e cuja análise precede mesmo a partipação portuguesa porque já era facto consumado antes dos Jogos, mas parece-nos pertinente ser observado nesta nossa análise.
Estes foram os Jogos Olímpicos com maior dispersão geográfica no território nacional entre os participantes na natação. Foram cinco as associações territoriais representadas, algo que nunca tinha acontecido antes.
A Associação de Natação de Lisboa (ANL) foi a mais representada com três nadadores – Alexis Santos, Diana Durães e Francisco Santos -, seguindo-se a Associação de Natação do Minho (José Lopes e Tamila Holub) e a Associação de Natação do Norte de Portugal (Ana Catarina Monteiro e Angélica André) com dois nadadores cada, e depois a Associação de Natação de Coimbra (Gabriel Lopes) e a Associação de Natação do Distrito de Santarém (Tiago Campos).
No histórico da participação portuguesa já tínhamos tido três edições com quatro associações representadas: Rio 2016 (ANL, ANNP, ANMinho e ANCNP), Pequim 2008 (ANL, ANNP, ANCNP e ANDS) e Atenas 2004 (ANL, ANNP, ANMinho e ANALG).
A ANL foi a única associação a estar representada nas 17 edições dos Jogos Olímpicos que contaram com a presença da natação portuguesa, num registo que contempla natação pura, águas abertas e as participações únicas que tivemos no pólo aquático (Helsínquia 52) e nos saltos para a água (Los Angeles 84).
Até Montreal 76 só mesmo a ANL tinha apurado nadadores para Jogos Olímpicos.
Em Tóquio 2020 a ANC voltou a estar representada em Jogos Olímpicos, algo que só tinha acontecido em Montreal 76 e Moscovo 80 por intermédio de Rui Abreu, assim como a ANDS que só tinha estado representada por Pedro Oliveira em Pequim 2008 e Londres 2012. Nota ainda para a ANMinho que pela primeira vez conseguiu ter dois representantes na mesma edição. Até Tóquio 2020 os minhotos participaram em 4 edições consecutivas dos Jogos (de 1992 a 2004) por intermédio de duas nadadoras: Ana Alegria (Barcelona 92 e Atlanta 96) e Raquel Felgueiras (Sidney 2000 e Atenas 2004) e depois voltaram na edição do Rio 2016 com Tamila Holub.
A ANNP participa ininterruptamente nos Jogos Olímpicos desde Seúl 88.
A ANCNP interrompe um ciclo de três Jogos consecutivos com representação (Diogo Carvalho em Pequim 2008, Londres 2012 e Rio 2016 e Ana Rodrigues em Londres 2012).
A ANMadeira esteve nos Jogos de Seúl 1988 com Paulo Camacho e a Associação de Natação do Algarve esteve em Atenas 2004 com Miguel Pires.
Apesar de nunca ter estado representada em Jogos Olímpicos, pela segunda edição consecutiva houve nadadores que cumpriram a sua formação na Associação de Natação do Distrito de Leiria (Victoria Kaminskaya no Rio 2016 e Francisco Santos em Tóquio 2020).
Em jeito de conclusão, parece-nos ser uma evidência que o alto rendimento está tendencialmente mais acessível a uma área territorial mais alargada do país, o que se reveste de particular importância pelo alargamento da base de prospecção de nadadores com potencial olímpico. Se até meados dos anos 80 do século passado o recrutamento olímpico se fazia essencialmente na área metropolitana de Lisboa, essa rede tem sido alargada, resultado de condições infra-estruturais que foram surgindo por todo o país em consequência da integração europeia.
Parece-nos um indicador importante de ser seguido numa altura que se espera que o Plano de Recuperação e Resiliência ofereça uma oportunidade a regiões que não surgem ainda neste mapa, como o Alentejo, o Interior Centro, o Nordeste e os Açores às quais não estará desligado o facto de serem regiões que não estão servidas por piscinas olímpicas ou por centros de alto rendimento.
4. Rendimento nos Jogos
Já atrás referimos a dificuldade histórica que os nadadores portugueses sentem em reproduzir as suas melhores marcas em Jogos Olímpicos, mas será uma característica exclusiva dos portugueses? Fomos comparar a performance lusa com a maior potência mundial da natação (EUA) e com uma equipa que, com a mesma dimensão da equipa portuguesa (7 nadadores na natação pura), conseguiu os seus melhores resultados de sempre (Suíça):
De facto, como é perceptível na análise comparativa com os Estados Unidos, o mais comum não é que todos os nadadores consigam chegar ao torneio olímpico no topo da sua forma. De resto, nos EUA existem dois tipos de nadadores: aqueles que vão para as medalhas e nadam os trials em carga, arriscando não serem apurados (como o caso da recordista do mundo dos 200 metros costas Regan Smith que ficou fora dessa prova) e aqueles que têm de se superar na prova de qualificação para poderem estar nos Jogos Olímpicos, condicionando a sua prestação no evento principal. Aliás, é um modelo que serve para muito poucos países, só tendo sido copiado com sucesso pela Austrália que teve em Tóquio2020 a sua melhor prestação de sempre, mas numa análise mais fina rapidamente se conclui que foi um desempenho muito alicerçado naqueles que já eram os seus nadadores de topo, uma vez que os nadadores que se apuraram com maior dificuldade já não conseguiram reproduzir as marcas feitas nos trials australianos.
O caso da Suíça é extremamente atípico e explica o sucesso dos helvéticos nestes Jogos Olímpicos. Mais de 50% de recordes pessoais é uma fasquia difícil de igualar, mostrando também uma enorme eficiência na obtenção de medalhas (duas finais, duas medalhas).
Relativamente ao desempenho da delegação portuguesa, os 30% de recordes pessoais está em linha com aquilo que têm sido as prestações lusas nas edições dos Jogos Olímpicos deste século. No Rio de Janeiro os nadadores portugueses conseguiram 33,3% de recordes pessoais (2 melhores tempos em 6 provas), em Londres 30% (3 em 10), em Pequim ocorreu o melhor desempenho deste século com 50% de recordes pessoais (6 em 12 provas), depois de em Atenas ter ocorrido o pior registo de 11,1% (1 RP em 9 provas) e em Sidney também ter ficado pelos 12,5% (1 RP em 8 provas).
Assim, de acordo com esta pequena amostragem histórica dos desempenhos da natação portuguesa em Jogos Olímpicos e comparativa com outros países com diferentes realidades é possível tirar duas conclusões:
- A taxa de êxito no que respeita à obtenção de recordes pessoais em Jogos Olímpicos é muito reduzida. Isto pode ser explicado pelo facto de historicamente os nadadores portugueses terem de atingir vários picos de forma durante o período de qualificação de modo a obter os mínimos de participação, não conseguindo replicar esse pico na competição alvo;
- É muito mais difícil atingir objectivos de classificação com equipas mais curtas porque o inêxito tem um impacto muito superior sobre o desempenho geral da equipa. O caso da Suíça nestes Jogos é uma excepção, uma vez que dos 7 nadadores presentes, 5 conseguiram melhorar os seus recordes pessoais pelo menos numa prova.
Outro parâmetro que não é tido em conta na natação mas altamente valorizado noutras modalidades, como o atletismo, é o melhor tempo da temporada, particularmente útil para avaliar o desempenho dos atletas na principal competição da temporada.
Tendo em conta as duas épocas atípicas (2019/2020 e 2020/2021) que atravessámos resultado da pandemia, podemos até considerar a melhor marca dos últimos dois anos para aferir se os nadadores portugueses conseguiram reproduzir a sua melhor marca neste período de preparação final para os Jogos.
Atendendo a esse critério, teríamos os seguintes indicadores:
Considerando este parâmetro o cenário pouco se altera, sendo que além das três marcas recordes pessoais dos 100 costas masculinos de Francisco Santos, 400 estilos masculinos de José Lopes e 200 estilos de Gabriel Lopes, só a semifinalista Ana Catarina Monteiro fez o seu melhor registo dos últimos dois anos nos 200 metros mariposa.
Mesmo considerando só a época em curso, só Diana Durães se juntaria a este lote de seasonal best dos nadadores portugueses, até porque 6 dos 10 tempos de entrada eram recordes pessoais estabelecidos já este ano.
5. Quantidade vs Qualidade
Este capítulo serve como conclusão lateral dos dados analisados anteriormente. Se as metas propostas pela FPN para as próximas competições serão e devem ser sempre métricas baseadas na qualidade dos resultados, cremos que subjacente aos objectivos qualitativos deverão estar igualmente objectivos quantitativos, havendo base para poder projectar que em 2024 a equipa portuguesa poderá superar os 9 elementos que estiveram presentes em Tóquio, aumentando sobretudo a quota de participação na natação pura.
Desde logo pelo que desenvolvemos no capítulo 3. havendo hoje vários pólos de desenvolvimento do alto rendimento na natação pura e outros que poderão e deverão ser desenvolvidos, há condições para definir uma poule mais alargada de atletas com possibilidade de se apurarem para as próximas edições dos Jogos Olímpicos.
Em segundo pelo que constatamos no capítulo 4., a qualidade decorre em primeira instância da quantidade quando falamos do número de atletas que atingem o topo da pirâmide da excelência desportiva.
Em terceiro lugar porque há indicadores quantitativos que saem destes Jogos Olímpicos como sintomas de alguma evolução da natação portuguesa dos últimos anos, tais como:
- Depois de no Rio2016 termos conseguido pela primeira vez dois nadadores com mínimo A na mesma prova (Alexis Santos e Diogo Carvalho nos 200 estilos), em Tóquio conseguimos o mesmo feito em duas provas diferentes (Alexis Santos e Gabriel Lopes nos 200 estilos; Diana Durães e Tamila Holub nos 1500 metros livres);
- Pela primeira vez uma nadadora conseguiu dois mínimos A para a mesma edição (Tamila Holub aos 800 e 1500 metros livres);
- Alcançámos o maior número de mínimos A de sempre (8 em 10 provas);
- Pela segunda vez na história da natação portuguesa alcançámos duas meias-finais em duas edições consecutivas dos Jogos, mas pela primeira vez com dois nadadores diferentes. Em Los Angeles 84 Alexandre Yokochi alcançou a final dos 200 metros bruços e em Seúl 88 Alexandre Yokochi chegou à final B da mesma prova, assim como a estafeta 4×100 metros livres (Mabílio Albuquerque, Henrique Villaret, Vasco Sousa e Sérgio Esteves) que se classificou na 14ª posição; No Rio 2016 Alexis Santos alcançou a meia-final dos 200 metros estilos e o 14º lugar nos 400 metros estilos e em Tóquio 2020 Ana Catarina Monteiro alcançou a meia-final nos 200 metros mariposa;
- Pela segunda vez conseguimos apurar um nadador e uma nadadora nas águas abertas.
Julgamos que a excelência dos resultados olímpicos poderá e deverá passar por consolidar e reforçar estes indicadores quantitativos, procurando no período de apuramento para Paris2024 alcançar metas realizáveis que tornarão os objectivos de desempenho daqui a 3 anos mais exequíveis.
6. Paris2024
Fechando-se um ciclo olímpico, exceptionalmente mais longo, abre-se outro, excepcionalmente mais curto, devendo por isso ser célere a reflexão do que passou e ágil a adaptação ao que agora se vai iniciar.
Desde logo os três anos de preparação desta nova olimpíada poderão ser benéficos no sentido de prorrogar carreiras que poderiam ver a sua conclusão no horizonte de Tóquio. Para isso também pesará o facto dos dois anos pandémicos que condicionaram a preparação da maioria dos atletas, não sendo, naturalmente, desejo dos mais experientes terminar a sua carreira numa competição preparada com muitas condicionantes e imprevistos.
Por outro lado, com uma preparação mais curta, fica mais tentador tentar projectar quais serão os nomes que poderão estar na short list para cumprir os mínimos de apuramento para os jogos na capital francesa.
Antes de mais, importa perceber a que nível estarão esses mínimos de acesso.
A seguinte tabela resume as marcas feitas pelos 14ºs classificados em cada uma das provas, não constituindo necessariamente os mínimos A para os Jogos Olímpicos de Paris2024, sobretudo por haver provas em que o 14º classificado em Tóquio fez pior registo que o mínimo A estabelecido para esta competição (400L masculinos, 1500L masculinos, 200C masculinos, 400L femininos, 200C femininos, 100M femininos, 200M femininos e 400E femininos), devendo os critérios ser revistos nestas provas:
Apesar do desclaimer anterior, tomaremos a tabela como indicador para identificar os nadadores que estão nesta linha de partida mais próximos de se apurarem para Paris2024. Faremos a divisão em três grupos: Grupo 1 – nadadores cujo recorde pessoal é inferior ao potencial mínimo olímpico; Grupo 2 – nadadores cujo recorde pessoal é muito próximo do mínimo olímpico e; Grupo 3 – nadadores jovens com potencial de progressão para obter o mínimo olímpico.
Grupo 1
- Francisco Santos (200C) – Com o seu recorde nacional feito este ano de 1:57.06, está bem dentro do tempo de referência da tabela;
- Ana Catarina Monteiro (200M) – Mesmo que o mínimo dos 200M femininos seja revisto, uma vez que é 3.02 segundos mais lento que o mínimo para Tóquio, os 2:08.03 e as cinco vezes que já nadou em 2:08 dar-lhe-ão certamente margem em relação ao mínimo que venha a ser estabelecido;
- Victoria Kaminskaya (400E) – Mais uma prova onde o mínimo deverá ser revisto (para Tóquio foi 4:38.53), mas a nadadora do Benfica detém o recorde nacional com 4:40.11 e 8 marcas abaixo dos 4:44.54.
Grupo 2
- Miguel Nascimento (50L) – Já ficou muito próximo dos mínimos para Tóquio (15 centésimos) e sendo os 21.96 a marca de referência, o seu recorde nacional de 22.16 não fica muito mais longe, permitindo ao nadador do Benfica confiar que à terceira será de vez, uma vez que também para o Rio de Janeiro tinha sido pré-convocado, mas acabando por ficar de fora dos Jogos;
- José Paulo Lopes (800L) – O recorde nacional de 7:52.68 que lhe abriu as portas de Tóquio dista apenas 1.03 da marca de referência na tabela. Para um nadador em grande progressão, como é o caso do nadador do Braga, não deverá ter dificuldades em chegar a essa marca;
- Alexis Santos (200E) – Foi dos primeiros nadadores a apurar-se para Tóquio, depois da meia-final do Rio. A marca de referência dos 200E deve baixar bastante por ser uma prova que no último ciclo olímpico viu o seu nível bastante aumentado, mas os 1:58.19 que tem de recorde pessoal e recorde nacional, mantém abertas as aspirações para uma terceira participação olímpica;
- Gabriel Lopes (200E) – O seu recorde pessoal feito em Tóquio de 1:58.56 dariam final no Rio, mas não deram para a meia-final em Tóquio. Se o mínimo para Paris for 1:57.94, ainda são 62 centésimos que o nadador do Louzan Natação terá de melhorar, mas Gabriel dá mostras de ainda ter muito potencial de evolução na prova;
- Diana Durães (800L) – Depois da estreia olímpica nos 1500L, para Paris os 800L parecem mais alcançáveis. Diana detém o recorde nacional em 8:29.33, a cerca 2.5 segundos da projecção da tabela. É difícil porque a nadadora do Benfica só por uma vez nadou abaixo de 8:30 e apesar de ser uma marca que lhe dava acesso a Tóquio, não foi feita no período de qualificação, mas é possível e não está assim tão distante tendo em consideração que é uma prova de 800 metros;
- Tamila Holub (1500L) – Necessita de melhorar mais de 6 segundos ao seu recorde pessoal (16:15.50) e a essa distância fica algo desenquadrada deste grupo 2 onde estão os “nadadores cujo recorde pessoal é muito próximo do mínimo olímpico”, mas abrimos a excepção para a nadadora do Braga que este ano tirou de uma assentada 5 segundos ao seu recorde pessoal;
Grupo 3
- João Costa (200C) – Poderá ser a terceira prova com dois portugueses com mínimo A. O nadador do Vitória de Guimarães tem tido uma evolução estrondosa nesta prova. Depois de ter baixado pela primeira vez na carreira dos 2 minutos em 2020, na única competição feita em período pandémico nesse ano, este ano já foi semi-finalista europeu e baixou o seu recorde pessoal para 1:58.58, estando a menos de 1 segundo do tempo de referência da tabela;
- Diogo Ribeiro (100M) – O vice-campeão europeu de juniores desta prova, no seu primeiro ano de júnior, estabeleceu a melhor marca nacional de sempre sem fatos (52.54). 9 décimos em 100 metros ainda é muito tempo, mas o nadador de 17 anos do União de Coimbra parece ter tudo ao seu alcance para chegar aos 51.67. Basta ver que chegou aos europeus de juniores com um recorde pessoal de 54.04 e lá tirou 1.5 segundos à sua marca;
- Rafaela Azevedo (100C) – A nadadora de 19 anos do Algés já detém as 17 melhores marcas nacionais de sempre nesta prova detendo o recorde nacional de 1:01.17 e, apesar de ainda ser irrealista pensar em nadar abaixo de 1 minuto, 3 anos podem ser suficientes para a nadadora medalhada de bronze nos europeus de juniores de 2019;
- Mariana Cunha (200M) – A nadadora do Colégio Efanor este ano tirou 6 segundos ao seu recorde pessoal, fixando-o em 2:13.45. Este dado seria suficiente para admitir que os 2 segundos que a separam do tempo de referência da tabela seriam “facilmente” superados em 3 anos, a questão é que, como já em cima referimos, provavelmente terá de evoluir cerca de 5 segundos nesse espaço temporal. É uma tarefa complicada, mas até o mínimo dos 100M pode estar ao alcance da nadadora de 17 anos que tem de recorde pessoal nessa prova 1:00.11.
Referência ainda para as duas brucistas Victoria Kaminskaya e Raquel Pereira que, apesar de terem ficado muito próximas do mínimo A dos 200 metros bruços para Tóquio, deverão ver o mínimo dessa prova dar um grande salto. No entanto, pela qualidade das nadadoras e pela evolução que têm garantido nessa prova, não são hipóteses a descartar.
No que respeita às águas abertas, quer Angélica André, quer Tiago Campos têm caminho aberto para, não só repetir as suas presenças, como alinhar na maratona aquática parisiense com maiores ambições. Dentro dos “olimpiáveis” surge com toda a naturalidade o nome da campeã europeia de juniores Mafalda Rosa, que de forma inédita ficou fora de Tóquio porque duas nadadoras portuguesas ficaram em lugares de apuramento e o de Diogo Cardoso, um nadador ainda a dar as primeiras braçadas junto da elite mundial e que já deu boa conta de si na prova de apuramento em Setúbal.
Naturalmente que em 3 anos há espaço temporal suficiente para que outros nomes se destaquem e possam chegar ao patamar de apuramento olímpico. Dando o exemplo de Tóquio2020, a 3 anos dos Jogos ainda seria uma hipótese remota o apuramento de José Paulo Lopes, Francisco Santos ou Tiago Campos. Nessa situação vários outros nomes (que não citaremos para não incorrer na injustiça de voltar a falhar algum) estarão debaixo do radar da FPN nos próximos 3 anos.
Será certamente um traço cultural português muito acentuado, mal terminada uma grande competição olhar já ansiosamente para a próxima e, tendo a natação portuguesa atingido o patamar de semifinalista em duas edições consecutivas, o passo lógico seguinte é aspirar ao regresso a uma final olímpica em Paris.
Voltando ao ponto de partida deste artigo, essa final pode até ser uma ilusão que venha a redundar em desilusão, mas não é mau insistir em ilusões se forem sustentadas na crença que chegará o dia em que a ilusão se converte em legítima expectativa alimentada por uma trajectória e por um lote de nadadores com qualidade para estar lado a lado com os melhores do mundo em busca da excelência olímpica.
Que seja já daqui a 1081 dias!
NOTA: Um agradecimento ao Prof. Carlos Freitas pelo levantamento estatístico das participações portuguesas em Jogos Olímpicos, cujos os dados suportaram o desenvolvimento deste artigo