Mundial de Gwangju – Balanço Internacional
Decorreram em Gwangju, na Coreia do Sul, de 21 a 28 de Julho, os Campeonatos do Mundo de Natação. O Fair Play traz-lhe os grandes destaques da competição
O MVP
Caeleb Dressel
De repente, Caeleb Dressel torna-se no quarto maior medalhista de todos os tempos em Mundiais de Piscina Longa, atrás dos “monstros sagrados” Michael Phelps, Ryan Lochte e Katie Ledecky. E fê-lo em apenas duas edições.
Dressel já tinha passado a ser o nadador com mais ouros numa única edição dos mundiais. Foi em Budapeste há dois anos quando conquistou 7 primeiros lugares, mas agora fez melhor. Apesar de ter conquistado menos 1 ouro em Gwangju, conseguiu obter um recorde mundial, aquele do qual já se tinha aproximado bastante em Budapeste, o dos 100 metros mariposa, com o tempo canhão de 49.50. Nos 50 e 100 metros livres passou a ser o mais rápido de sempre sem fatos – nos 100 foi o segundo a quebrar a barreira dos 47 segundos – e nos 50 metros mariposa a ameaça ao recorde de Govorov também foi feita.
Para além das quatro provas individuais, Dressel ainda chegou ao lugar mais alto do pódio nos 4×100 metros livres masculinos e 4×100 metros livres mistos. Foi superado pela Austrália nos 4×100 metros estilos mistos (por apenas 2 centésimos) e pela Grã-Bretanha nos 4×100 metros estilos masculinos.
Caeleb Dressel foi o MVP da competição mas com outros dois nadadores no sector masculino a merecerem grandes notas de destaque.
Adam Peaty
O britânico é incontornável na lista de destaques de qualquer grande competição internacional dos últimos 5 anos. É, neste momento, o nadador menos falível do mundo. Se não, confira com esta lista:
- Europeus de Berlim 2014: Recorde do Mundo dos 50 metros bruços
- Mundiais de Kazan 2015: Recorde do Mundo dos 50 metros bruços
- Jogos Olímpicos 2016: Recorde do Mundo dos 100 metros bruços
- Mundiais de Budapeste 2017: Recorde do Mundo dos 50 metros bruços (x2)
- Europeus de Glasgow 2018: Recorde do Mundo dos 100 metros bruços
- Mundiais de Gwangju 2019: Recorde do Mundo dos 100 metros bruços
Ou seja, nos últimos 5 anos, nas grandes competições de piscina longa – Europeus, Mundiais e JO – Peaty só ficou em branco em termos de recordes mundiais individuais nos Europeus de Londres que decorreram quatro meses antes dos Jogos Olímpicos do Rio.
O britânico já era o único de sempre a nadar 100 bruços abaixo de 58 segundos e agora passou a ser o único a nadar abaixo de 57 segundos. O novo recorde do mundo da prova é agora de 56.88! Peaty passa a deter as 17 melhores marcas de sempre e o segundo melhor nadador de sempre tem 1,41 segundos pior que Peaty. É, actualmente, o nadador mais dominante do mundo nas suas provas, uma conclusão que se tornou mais fácil de tirar com as derrotas de Ledecky nos 400 metros livres e Sjöström nos 100 metros mariposa.
Sir Adam saiu da Coreia do Sul com três ouros (50 e 100 bruços e 4×100 metros estilos masculinos) e um bronze (4×100 metros estilos mistos).
Kristoff Milak
Gwangju foi o mundial em que Phelps (quase) passou à história. É que o maior desportista de todos os tempos não só perdeu o recorde dos 100 mariposa para Dressel como perdeu o recorde da prova que durante mais tempo dominou: os 200 metros mariposa. O recorde dos 400 metros estilos é agora o único que perdura.
A primeira vez que Michael Phelps bateu o recorde do mundo dos 200 mariposa tinha apenas 16 anos. Foi em 2001 e, até 2009, melhorou a marca sete vezes, fixando-o em 1:51.51 a 29 de Julho de 2009. Cinco dias antes de completar 10 anos, o jovem húngaro Kristoff Milak, de 19 anos, esmagou autenticamente esse recorde fixando-o agora em 1:50.73.
Kristoff Milak há muito que parece destinado a ser o grande dominador da técnica de mariposa. Há dois anos, em Budapeste, ainda no primeiro ano de júnior, sagrou-se vice-campeão mundial dos 100 mariposa, só superado por Caeleb Dressel e superando o campeão olímpico Joseph Schooling. Nesses campeonatos não participou nos 200 mariposa porque estava “tapado” por Tamas Kenderesi e Laszlo Cseh, mas estabeleceu novo recorde mundial de juniores, ou seja, superou o tempo de Michael Phelps com 17 anos (que na altura era recorde do mundo absoluto).
Nos 100 mariposa não esteve ao seu nível e ficou fora do pódio, mas a grande performance dos campeonatos já estava garantida.
A MVP
Regan Smith
A FINA entregou o prémio de melhor nadadora da competição a Sarah Sjöström e até podíamos considerar a jovem norte-americana Regan Smith a revelação dos campeonatos, mas não faria jus ao nível que exibiu a costista de 17 anos.
Há muitos anos que ninguém se conseguia sequer aproximar do recorde do mundo dos 200 metros costas detido por Missy Franklin, fixado em 2:04.06, mas Regan Smith, ainda em idade de júnior, pulverizou autenticamente o tempo da sua compatriota, nadando em 2:03.35 logo nas meias finais da prova.
Na final não melhorou mas fez a segunda melhor marca de sempre com 2:03.69.
No cair do pano, Regan teve na estafeta 4×100 metros estilos femininos a oportunidade que não tivera na prova individual dos 100 metros costas e não a desperdiçou tornando-se na primeira nadadora a nadar abaixo de 58 segundos. Abriu a estafeta norte-americana para 57.57 liderando a equipa rumo a um novo recorde do mundo.
A última nadadora que chegou aos dois recordes de costas aos 17 anos foi a húngara Krisztina Egerszegi, provavelmente a melhor costista de todos os tempos…um excelente cartão de visita para Regan Smith.
As revelações
Margaret McNeil
A sueca Sarah Sjöström é campeã olímpica, tetra-campeã mundial, tetra-campeã europeia, recordista mundial e detentora das 11 melhores de sempre aos 100 metros mariposa, ou seja, era a grande e única favorita a vencer a prova em Gwangju e. mesmo a verificar-se a hipótese remota de não vencer a prova, as candidatas mais óbvias a ocupar o trono da dama de gelo seriam a norte-americana Kelsi Dahlia ou a australiana Emma McKeon.
No entanto, a surpresa veio do Canadá – e não foi pela mão da vice-campeã olímpica Penny Oleksiak que nem participou na prova – através de Margaret MacNeil, uma nadadora a representar o seu país pela primeira vez numa grande competição internacional.
Maggy nadou para 55.83, tornando-se na segunda melhor nadadora de todos os tempos, apenas a terceira a baixar dos 56 segundos, sendo agora a única, para além de Sarah Sjöström a inscrever o seu nome no top-10 das melhores marcas de sempre.
MacNeil é mais uma canadiana da geração de 00 (a mesma de Penny Oleksiak, Taylor Ruck e Rebecca Smith) e a luta com Sjöström nos anos vindouros promete ser intensa.
Poucos dias depois da final dos 100 metros mariposa, a antiga campeã olímpica e recordista mundial e única a partilhar a casa dos 55 segundos com Sjöström na era pré-McNeil, Dana Vollmer, anunciou a sua reforma não concretizando o seu plano de voltar a competir nuns Jogos Olímpicos no próximo ano.
Ariarne Titmus
Logo na primeira prova do calendário se percebeu que Katie Ledecky não estava no seu melhor, mas em condições normais, com Ledecky a nadar 400 metros livres abaixo de 4 minutos, deveria ser suficiente para a norte-americana vencer a prova já que, para além dela que é tri-campeã da prova, só a anterior recordista mundial (Federica Pellegrini) nadou abaixo dos 4 minutos numa final de um mundial (em 2009, quando se sagrou campeã do mundo).
No entanto, a jovem australiana Ariarne Titmus já tinha deixado o aviso durante os nacionais australianos quando nadou em 3:59.66 e depois nos trials em 3:59.35. Ledecky respondeu à altura nadando em 3:59.28 nos Meeting de Santa Clara (um dia antes dos trials australianos). O confronto entre as duas era aguardado com expectativa e não desiludiu.
As duas foram sempre lado a lado até aos 200 metros, até que Ledecky tentou acelerar e, se estivesse no seu melhor, provavelmente iria ser bem sucedida, mas Titmus reagiu muito bem e resistiu ao ataque de Ledecky até aos últimos 50 metros, altura em que contra-atacou para vencer no tempo de 3:58.76.
Titmus ainda nadou os 200 e os 800. Nos 200 metros livres provou do seu próprio veneno e perdeu a prova nos últimos 50 metros para a letal Federica Pellegrini. Nos 800 estabeleceu um novo recorde da Oceania mas quedou-se pela posição de bronze.
A afirmação
Simone Manuel
Actualmente, é difícil encontrar maior exemplo de superação na elite do desporto mundial. A norte-americana Simone Manuel surpreendeu meio mundo ao tornar-se campeã olímpica (a primeira nadadora negra campeã olímpica na natação pura) na prova dos 100 metros livres. Aconteceu no Rio de Janeiro, quando empatou com a júnior Penny Oleksiak na posição de ouro, superando as favoritas Sarah Sjöström, Cate Campbell e Bronte Campbell.
No ano seguinte, nos Mundiais de Budapeste, Manuel – agora com maior estatuto – voltou a surpreender ao voltar a superiorizar-se a uma Sarah Sjöström que tinha batido o recorde do mundo nesses mesmos mundiais na abertura da estafeta sueca de 4×100 livres, 5 dias antes da prova individual.
Passados dois anos, Simone Manuel voltou a fazer história a sagrar-se bi-campeã mundial dos 100 metros livres, algo que só Kornelia Ender tinha conseguido, logo nas duas primeiras edições (73 e 75).
Simone bateu mesmo o recorde das Américas ao nadar em 52.04, a terceira melhor marca de sempre, só superada pelos 51.71 do recorde do mundo de Sarah Sjöström e pelos 52.03 do recorde da Oceania de Cate Campbell.
Para melhorar ainda mais o pecúlio de Simone Manuel, a americana ainda venceu os 50 metros livres, voltando a derrotar Sjöström, Campbell e a campeã olímpica Pernille Blume. Manuel foi a nadadora mais medalhada da competição com 3 ouros e 3 pratas.
As melhores selecções
Estados Unidos da América
Pelos nonos mundiais consecutivos, os EUA lideraram as contas do medalheiro com 27 medalhas (14 ouros + 8 pratas + 5 bronzes). Apesar do primeiro lugar destacado, os norte-americanos conquistaram menos 11 medalhas do que em 2017, menos 4 ouros, menos duas pratas e menos 5 bronzes.
A Austrália teve uma competição bastante positiva, coisa que não acontecia já há alguns anos. Os aussie foram apenas oitavos no medalheiro dos mundiais de 2017 e nos Jogos do Rio, apesar do serem a segunda nação mais medalhada, os três ouros ficaram aquém das expectativas. Agora conseguiram uma participação mais à altura dos seus pergaminhos com um total de 19 medalhas (5+9+5). É verdade que individualmente só Titmus conquistou um título mas as indicações dadas colectivamente pelas estafetas australianas foram bastante positivas.
Três nações conquistaram títulos com três nadadores diferentes. A Hungria com Katinka Hosszu (2 ouros), Kristof Milak e Boglarka Kapas, a Rússia com Yuliya Efimova, Anton Chupkov (com recorde do mundo nos 200 metros bruços) e Evgeny Rylov e a Itália com Simona Quadarella, Gregorio Paltrinieri e Federica Pellegrini.
À parte das contas do medalheiro, referência ainda para gigantes que têm estado adormecidos e dão sinais de quererem voltar a acordar como é o caso da Alemanha com uma geração bastante promissora, liderada pelos fundistas Florian Wellbrock e Sarah Köler mas onde se começam a assumir nomes como Anna Elendt, Isabel Gose ou Rafael Miroslaw.