Mundial de Gwangju – Balanço Internacional

João BastosJulho 31, 201911min0
Gwangju acolheu a 18ª edição dos Campeonatos do Mundo de Desportos Aquáticos, uma edição pré-olímpica onde foram estabelecidos 10 novos recordes do mundo

Decorreram em Gwangju, na Coreia do Sul, de 21 a 28 de Julho, os Campeonatos do Mundo de Natação. O Fair Play traz-lhe os grandes destaques da competição

O MVP

Caeleb Dressel

De repente, Caeleb Dressel torna-se no quarto maior medalhista de todos os tempos em Mundiais de Piscina Longa, atrás dos “monstros sagrados” Michael Phelps, Ryan Lochte e Katie Ledecky. E fê-lo em apenas duas edições.

Dressel já tinha passado a ser o nadador com mais ouros numa única edição dos mundiais. Foi em Budapeste há dois anos quando conquistou 7 primeiros lugares, mas agora fez melhor. Apesar de ter conquistado menos 1 ouro em Gwangju, conseguiu obter um recorde mundial, aquele do qual já se tinha aproximado bastante em Budapeste, o dos 100 metros mariposa, com o tempo canhão de 49.50. Nos 50 e 100 metros livres passou a ser o mais rápido de sempre sem fatos – nos 100 foi o segundo a quebrar a barreira dos 47 segundos – e nos 50 metros mariposa a ameaça ao recorde de Govorov também foi feita.

Para além das quatro provas individuais, Dressel ainda chegou ao lugar mais alto do pódio nos 4×100 metros livres masculinos e 4×100 metros livres mistos. Foi superado pela Austrália nos 4×100 metros estilos mistos (por apenas 2 centésimos) e pela Grã-Bretanha nos 4×100 metros estilos masculinos.

Caeleb Dressel foi o MVP da competição mas com outros dois nadadores no sector masculino a merecerem grandes notas de destaque.

Foto: AFP

Adam Peaty

O britânico é incontornável na lista de destaques de qualquer grande competição internacional dos últimos 5 anos. É, neste momento, o nadador menos falível do mundo. Se não, confira com esta lista:

  • Europeus de Berlim 2014: Recorde do Mundo dos 50 metros bruços
  • Mundiais de Kazan 2015: Recorde do Mundo dos 50 metros bruços
  • Jogos Olímpicos 2016: Recorde do Mundo dos 100 metros bruços
  • Mundiais de Budapeste 2017: Recorde do Mundo dos 50 metros bruços (x2)
  • Europeus de Glasgow 2018: Recorde do Mundo dos 100 metros bruços
  • Mundiais de Gwangju 2019: Recorde do Mundo dos 100 metros bruços

Ou seja, nos últimos 5 anos, nas grandes competições de piscina longa – Europeus, Mundiais e JO – Peaty só ficou em branco em termos de recordes mundiais individuais nos Europeus de Londres que decorreram quatro meses antes dos Jogos Olímpicos do Rio.

O britânico já era o único de sempre a nadar 100 bruços abaixo de 58 segundos e agora passou a ser o único a nadar abaixo de 57 segundos. O novo recorde do mundo da prova é agora de 56.88! Peaty passa a deter as 17 melhores marcas de sempre e o segundo melhor nadador de sempre tem 1,41 segundos pior que Peaty. É, actualmente, o nadador mais dominante do mundo nas suas provas, uma conclusão que se tornou mais fácil de tirar com as derrotas de Ledecky nos 400 metros livres e Sjöström nos 100 metros mariposa.

Sir Adam saiu da Coreia do Sul com três ouros (50 e 100 bruços e 4×100 metros estilos masculinos) e um bronze (4×100 metros estilos mistos).

Foto: Lee Jin-man/Associated Press

Kristoff Milak

Gwangju foi o mundial em que Phelps (quase) passou à história. É que o maior desportista de todos os tempos não só perdeu o recorde dos 100 mariposa para Dressel como perdeu o recorde da prova que durante mais tempo dominou: os 200 metros mariposa. O recorde dos 400 metros estilos é agora o único que perdura.

A primeira vez que Michael Phelps bateu o recorde do mundo dos 200 mariposa tinha apenas 16 anos. Foi em 2001 e, até 2009, melhorou a marca sete vezes, fixando-o em 1:51.51 a 29 de Julho de 2009. Cinco dias antes de completar 10 anos, o jovem húngaro Kristoff Milak, de 19 anos, esmagou autenticamente esse recorde fixando-o agora em 1:50.73.

Kristoff Milak há muito que parece destinado a ser o grande dominador da técnica de mariposa. Há dois anos, em Budapeste, ainda no primeiro ano de júnior, sagrou-se vice-campeão mundial dos 100 mariposa, só superado por Caeleb Dressel e superando o campeão olímpico Joseph Schooling. Nesses campeonatos não participou nos 200 mariposa porque estava “tapado” por Tamas Kenderesi e Laszlo Cseh, mas estabeleceu novo recorde mundial de juniores, ou seja, superou o tempo de Michael Phelps com 17 anos (que na altura era recorde do mundo absoluto).

Nos 100 mariposa não esteve ao seu nível e ficou fora do pódio, mas a grande performance dos campeonatos já estava garantida.

Foto: Maddie Mayer / Getty Images

A MVP

Regan Smith

A FINA entregou o prémio de melhor nadadora da competição a Sarah Sjöström e até podíamos considerar a jovem norte-americana Regan Smith a revelação dos campeonatos, mas não faria jus ao nível que exibiu a costista de 17 anos.

Há muitos anos que ninguém se conseguia sequer aproximar do recorde do mundo dos 200 metros costas detido por Missy Franklin, fixado em 2:04.06, mas Regan Smith, ainda em idade de júnior, pulverizou autenticamente o tempo da sua compatriota, nadando em 2:03.35 logo nas meias finais da prova.

Na final não melhorou mas fez a segunda melhor marca de sempre com 2:03.69.

No cair do pano, Regan teve na estafeta 4×100 metros estilos femininos a oportunidade que não tivera na prova individual dos 100 metros costas e não a desperdiçou tornando-se na primeira nadadora a nadar abaixo de 58 segundos. Abriu a estafeta norte-americana para 57.57 liderando a equipa rumo a um novo recorde do mundo.

A última nadadora que chegou aos dois recordes de costas aos 17 anos foi a húngara Krisztina Egerszegi, provavelmente a melhor costista de todos os tempos…um excelente cartão de visita para Regan Smith.

Foto: Ed Jones/AFP/Getty Images

As revelações

Margaret McNeil

A sueca Sarah Sjöström é campeã olímpica, tetra-campeã mundial, tetra-campeã europeia, recordista mundial e detentora das 11 melhores de sempre aos 100 metros mariposa, ou seja, era a grande e única favorita a vencer a prova em Gwangju e. mesmo a verificar-se a hipótese remota de não vencer a prova, as candidatas mais óbvias a ocupar o trono da dama de gelo seriam a norte-americana Kelsi Dahlia ou a australiana Emma McKeon.

No entanto, a surpresa veio do Canadá – e não foi pela mão da vice-campeã olímpica Penny Oleksiak que nem participou na prova – através de Margaret MacNeil, uma nadadora a representar o seu país pela primeira vez numa grande competição internacional.

Maggy nadou para 55.83, tornando-se na segunda melhor nadadora de todos os tempos, apenas a terceira a baixar dos 56 segundos, sendo agora a única, para além de Sarah Sjöström a inscrever o seu nome no top-10 das melhores marcas de sempre.

MacNeil é mais uma canadiana da geração de 00 (a mesma de Penny Oleksiak, Taylor Ruck e Rebecca Smith) e a luta com Sjöström nos anos vindouros promete ser intensa.

Poucos dias depois da final dos 100 metros mariposa, a antiga campeã olímpica e recordista mundial e única a partilhar a casa dos 55 segundos com Sjöström na era pré-McNeil, Dana Vollmer, anunciou a sua reforma não concretizando o seu plano de voltar a competir nuns Jogos Olímpicos no próximo ano.

Foto: Lee Jin-man/Associated Press

Ariarne Titmus

Logo na primeira prova do calendário se percebeu que Katie Ledecky não estava no seu melhor, mas em condições normais, com Ledecky a nadar 400 metros livres abaixo de 4 minutos, deveria ser suficiente para a norte-americana vencer a prova já que, para além dela que é tri-campeã da prova, só a anterior recordista mundial (Federica Pellegrini) nadou abaixo dos 4 minutos numa final de um mundial (em 2009, quando se sagrou campeã do mundo).

No entanto, a jovem australiana Ariarne Titmus já tinha deixado o aviso durante os nacionais australianos quando nadou em 3:59.66 e depois nos trials em 3:59.35. Ledecky respondeu à altura nadando em 3:59.28 nos Meeting de Santa Clara (um dia antes dos trials australianos). O confronto entre as duas era aguardado com expectativa e não desiludiu.

As duas foram sempre lado a lado até aos 200 metros, até que Ledecky tentou acelerar e, se estivesse no seu melhor, provavelmente iria ser bem sucedida, mas Titmus reagiu muito bem e resistiu ao ataque de Ledecky até aos últimos 50 metros, altura em que contra-atacou para vencer no tempo de 3:58.76.

Titmus ainda nadou os 200 e os 800. Nos 200 metros livres provou do seu próprio veneno e perdeu a prova nos últimos 50 metros para a letal Federica Pellegrini. Nos 800 estabeleceu um novo recorde da Oceania mas quedou-se pela posição de bronze.

Foto: Clive Rose/Getty Images

A afirmação

Simone Manuel

Actualmente, é difícil encontrar maior exemplo de superação na elite do desporto mundial. A norte-americana Simone Manuel surpreendeu meio mundo ao tornar-se campeã olímpica (a primeira nadadora negra campeã olímpica na natação pura) na prova dos 100 metros livres. Aconteceu no Rio de Janeiro, quando empatou com a júnior Penny Oleksiak na posição de ouro, superando as favoritas Sarah Sjöström, Cate Campbell e Bronte Campbell.

No ano seguinte, nos Mundiais de Budapeste, Manuel – agora com maior estatuto – voltou a surpreender ao voltar a superiorizar-se a uma Sarah Sjöström que tinha batido o recorde do mundo nesses mesmos mundiais na abertura da estafeta sueca de 4×100 livres, 5 dias antes da prova individual.

Passados dois anos, Simone Manuel voltou a fazer história a sagrar-se bi-campeã mundial dos 100 metros livres, algo que só Kornelia Ender tinha conseguido, logo nas duas primeiras edições (73 e 75).

Simone bateu mesmo o recorde das Américas ao nadar em 52.04, a terceira melhor marca de sempre, só superada pelos 51.71 do recorde do mundo de Sarah Sjöström e pelos 52.03 do recorde da Oceania de Cate Campbell.

Para melhorar ainda mais o pecúlio de Simone Manuel, a americana ainda venceu os 50 metros livres, voltando a derrotar Sjöström, Campbell e a campeã olímpica Pernille Blume. Manuel foi a nadadora mais medalhada da competição com 3 ouros e 3 pratas.

Foto: Mike Lewis / Ola Vista Photography

As melhores selecções

Estados Unidos da América

Pelos nonos mundiais consecutivos, os EUA lideraram as contas do medalheiro com 27 medalhas (14 ouros + 8 pratas + 5 bronzes). Apesar do primeiro lugar destacado, os norte-americanos conquistaram menos 11 medalhas do que em 2017, menos 4 ouros, menos duas pratas e menos 5 bronzes.

A Austrália teve uma competição bastante positiva, coisa que não acontecia já há alguns anos. Os aussie foram apenas oitavos no medalheiro dos mundiais de 2017 e nos Jogos do Rio, apesar do serem a segunda nação mais medalhada, os três ouros ficaram aquém das expectativas. Agora conseguiram uma participação mais à altura dos seus pergaminhos com um total de 19 medalhas (5+9+5). É verdade que individualmente só Titmus conquistou um título mas as indicações dadas colectivamente pelas estafetas australianas foram bastante positivas.

Três nações conquistaram títulos com três nadadores diferentes. A Hungria com Katinka Hosszu (2 ouros), Kristof Milak e Boglarka Kapas, a Rússia com Yuliya Efimova, Anton Chupkov (com recorde do mundo nos 200 metros bruços) e Evgeny Rylov e a Itália com Simona Quadarella, Gregorio Paltrinieri e Federica Pellegrini.

À parte das contas do medalheiro, referência ainda para gigantes que têm estado adormecidos e dão sinais de quererem voltar a acordar como é o caso da Alemanha com uma geração bastante promissora, liderada pelos fundistas Florian Wellbrock e Sarah Köler mas onde se começam a assumir nomes como Anna Elendt, Isabel Gose ou Rafael Miroslaw.


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