A natação portuguesa vista a partir das associações territoriais

João BastosSetembro 23, 201712min4

A natação portuguesa vista a partir das associações territoriais

João BastosSetembro 23, 201712min4
A natação em Portugal é tutelada pela FPN que delega nas Associações suas associadas o planeamento da época competitiva a nível regional

Como em qualquer modalidade individual amadora, a natação em Portugal assenta a sua estrutura de desenvolvimento no trabalho realizado pelas Associações Territoriais, que têm a si filiados os 251 clubes de natação existentes no país, distribuídos geograficamente. Neste artigo tentaremos traçar um perfil da natação regional


*Os dados analisados neste artigo foram recolhidos pelo Professor Carlos Freitas a quem o Fair Play agradece a prestimosa colaboração.

As Associações Territoriais de Natação são os verdadeiros motores da modalidade no nosso país. São elas as responsáveis directas pela organização de cerca de 70% das competições em que cada clube participa, sendo que muitos nadadores, durante uma época competitiva, só participam em provas organizadas pelas suas associações ou por clubes filiados nestas. São, por isso, entidades fundamentais, sobretudo no processo de base da formação dos atletas.

Na época 2016/2017 eram 13 as Associações Territoriais filiadas na Federação Portuguesa de Natação. 13 realidades distintas que levam, forçosamente, a 13 velocidades diferentes. Tentaremos escalpelizar neste artigo o estado da arte das associações de natação, analisando os vários indicadores de representatividade no panorama nacional.

Os números da competição

Fonte: Anexo do Relatório e Contas da Actividade FPN 2016 – Estatística

Em primeiro lugar traçaremos o perfil da natação portuguesa em números. Aquando da apresentação do Relatório e Contas da FPN relativo ao exercício de 2016, estavam filiados 4721 nadadores na disciplina de natação pura, nos escalões infantis, juvenis, juniores e seniores, apresentando uma distribuição bastante equilibrada em género, com 2422 nadadores do sexo masculino filiados no órgão federativo e 2299 nadadoras do sexo feminino inscritas.

Dos 4721, 28% conseguiu realizar pelo menos um tempo de admissão aos campeonatos nacionais (de Verão) do seu escalão. Ou seja, 1331 nadadores atingiram o nível nacional.

Outro dado importante para análise que faremos é o número de títulos nacionais distribuídos entre todos os escalões nos campeonatos nacionais de final de época (apenas consideramos os nacionais de Verão porque é o único período em que há campeonato nacional destinado ao escalão de infantis). Foram 126 títulos de campeão ou campeã nacionais distribuídos nos Campeonatos Nacionais de Infantis e nos Campeonatos Nacionais Juvenis e Absolutos. Nesta análise são considerados como títulos as vitórias em cada prova nos nacionais de infantis, apesar de nesse campeonato só ter havido um campeão nacional por categoria e género, resultante do somatório de pontos de quatro provas.

A distribuição geográfica da natação portuguesa

Distribuindo os 4721 nadadores infantis, juvenis, juniores e seniores pelas 13 associações territoriais, temos a seguinte distribuição:

Federados por AT | Fonte: Anexo do Relatório e Contas da Actividade FPN 2016 – Estatística

Como já seria de esperar, é nas associações dos grandes centros urbanos que se concentram a maior parte dos nadadores. A Associação de Natação de Lisboa destaca-se como a associação com mais nadadores federados, tendo sensivelmente o triplo do número de filiados nas associações médias – Coimbra, Santarém, Leiria, Açores e Madeira que estão muito próximas em número. A este dado não é alheio o facto de 20% dos clubes de todo o país estarem sediados em Lisboa.

A segunda associação mais numerosa é a Associação de Natação do Norte de Portugal com 781 nadadores, no entanto, esta associação tem filiados em cadetes quase tantos nadadores como nos restantes escalões (747), o que poderá levar a um maior equilíbrio com Lisboa, a curto-prazo.

Note-se que utilizando outros indicadores, o panorama de algumas associações modifica-se completamente. No Programa Portugal a Nadar é a ANNP que surge como a associação com mais nadadores federados (9428), ao passo que a ANL é apenas a 9ª associação em número.

Observando os indicados do PAN – Portugal A Nadar – nota-se que, por exemplo, a Associação Regional de Natação do Nordeste apresenta-se como a 4ª maior associação do país, com 4073 nadadores, mas na verdade em natação pura e nos escalões competitivos, apresenta um número perigosamente baixo de 120 nadadores, o que manifestamente ameaça a viabilidade de realização de competições nessa associação.

Federados no Programa Portugal a Nadar | Fonte: FPN

O nível competitivo inter-regional

Para além do número de nadadores, importa olhar para a competitividade existente em cada região. Naturalmente que ambos os indicadores são conexos e que obrigam a que cada Associação ande a uma velocidade diferente. Os mínimos de acesso aos campeonatos distritais das Associações mais numerosas são mais exigentes do que os mínimos das Associações mais pequenas.

A estratégia encontrada por muitas Associações para equilibrar o nível da competição interna com Associações maiores passa pela realização de campeonatos inter-distritais, algo comum entre a ANCNP, ANC e ANDL que assim organizam a maior prova de âmbito regional/inter-regional do país. Também a ANIC e a ANALEN promovem competições em parceria capitalizando os melhores recursos infra-estruturais (leia-se: piscina olímpica) existentes entre as duas regiões.

Mas para perceber quais as Associações que obtém resultados melhores do que o número de praticantes poderia indiciar, incidimos a análise nas competições onde todas estariam em igual condição de comparação – os nacionais de Infantis e os nacionais de Juvenis e Absolutos. Contabilizamos o número de primeiros lugares Infantil-B e Infantil-A (porque a competição fazia distinção entre categorias), Juvenil e Absoluto (porque a competição não fazia distinção entre categorias juvenis nem entre os escalões juniores e seniores).

Assim, observou-se que em termos de participação em ambos os campeonatos, as AT’s estiveram representadas da seguinte forma:

Representatividade das AT’s nos Campeonatos Nacionais | Fonte: FPN

No que respeita à participação, metade dos nadadores presentes nos Campeonatos Nacionais são filiados em apenas duas Associações – Lisboa e Norte de Portugal – o que significa dizer que 50% dos nadadores presentes em nacionais estão concentrados em apenas 15% da área do país.

Daqui também se pode aferir sobre o nível interno das Associações se tivermos em consideração que a ANL e a ANNP juntas concentram 36% dos nadadores federados nos escalões entre Infantis e Seniores, mas se considerarmos apenas aqueles que conseguem obter os mínimos para campeonatos nacionais, essa representatividade sobe em 14 pontos percentuais. Isto leva a que praticamente todas as outras Associações baixem a sua representatividade em Nacionais relativamente à sua representatividade global, excepção feita à ANCNP e à ANDL que mantêm a mesma representatividade e à ANC que tem filiados 6,6% da totalidade dos nadadores federados na FPN, mas nos Campeonatos Nacionais, a sua representatividade sobe para 8%.

No seguinte gráfico esse efeito é traduzido em rácio:

Rácio entre nadadores federados por AT e nadadores presentes em Campeonatos Nacionais por AT | Fonte: FPN

Traduzindo o gráfico anterior, 42% dos nadadores filiados na ANL obtém mínimos para os campeonatos nacionais, ou seja, em seja, em cada 2,38 nadadores da ANL, 1 chega aos campeonatos nacionais.

Na ponta oposta do gráfico está a ANALEN, onde apenas 5% dos seus nadadores fazem mínimos para os nacionais, ou seja, em cada 20 nadadores da ANALEN, 1 chega aos campeonatos nacionais.

De notar a consistente melhoria de desempenho da Associação de Natação de Coimbra (ANC) à medida que os critérios vão “apertando”. É a 5ª maior Associação, sobe a 4ª quando o critério é presença em nacionais e a 3ª com melhor rácio entre os dois factores.

A Associação de Natação do Minho (ANM) também se destaca pelo seu desempenho. É a segunda Associação menos numerosa, mas onde 27% dos nadadores atingem mínimos de participação em Campeonatos Nacionais, colocando a ANM como a 9ª Associação mais representada em Nacionais, muito próxima do 7º lugar.

Mas apertemos ainda mais o critério para perceber quais as Associações que têm melhor rendimento, ou seja, aquelas que obtiveram o maior número de títulos.

Títulos obtidos por AT’s | Fonte: FPN

O gráfico anterior torna-se auto-explicativo. A ANL foi a grande dominadora dos Campeonatos Nacionais de Verão da época 2016/2017, conquistando 42% dos 126 títulos disponíveis. Este número ainda podia ser maior, já que os Nacionais de Juvenis e Absolutos decorreram em simultâneo com os Mundiais da Hungria onde, dos 7 nadadores participantes, 5 são da ANL – Alexis Santos, Diana Durães, Guilherme Pina, Miguel Nascimento e Victoria Kaminskaya – e com o FOJE, onde metade dos oito juvenis convocados são de clubes filiados na ANL.

Para além disso, e como já referido anteriormente, o escalão de infantis é aquele que tem maior influência nos dados apresentados (considerados os infantis A e B) e até é nesse escalão que há maior equilíbrio entre AT’s.

Ainda assim, com todos estas circunstâncias, a ANL liderou em número de títulos destacadamente, conquistando quase o dobro dos da ANNP.

Registe-se que das 13 Associações, apenas 10 obtiveram, pelo menos, um título. ANDS – Santarém, ANARA- Açores e ANMAD – Madeira ficaram em branco no Verão.

Em termos de rendimento no factor títulos por participação, a ANDL – Leiria é o grande destaque, uma vez que é a 6ª Associação em presença de nadadores em Campeonatos Nacionais, mas é a 4ª mais titulada entre todas.

Outra Associação bem sucedida neste parâmetro é a ARNN. Pode ter conquistado apenas 1% dos títulos nacionais, mas recordamos que é a Associação mais pequena do país, ou seja, a 13ª Associação em número, mas a 8ª Associação em títulos, empatada com a sua vizinha ANMinho.

A ANCNP – Centro Norte mantém a “coerência”. Tem 11% da totalidade dos nadadores do país, tem 11% dos nadadores presentes em Campeonatos Nacionais e conquistou 10% dos títulos em compita.

Considerações finais

Como é perceptível, a natação portuguesa subdivide-se em várias dimensões com diferentes realidades, como é natural e como acontece em qualquer sector ou actividade que se desenvolve em todo o país. Portugal é um país vertical e com epicentro populacional no litoral, o que por si só conduz às assimetrias regionais que estão bem patentes nos dados aqui analisados.

Para mais, a natação de competição ainda não tem uma massa crítica (ou massa atlética, no caso) robusta. 4721 nadadores em competição ainda é um número reduzido para que a base seja sólida, de forma a que o topo seja competitivo. Por outro lado, organizar competições para os 900 nadadores de Lisboa ou para os 800 nadadores do Norte em apenas um fim-de-semana torna-se contraproducente, por isso o crescimento de base tem de estar nas Associações “periféricas”, onde ainda há, de facto, muito caminho a percorrer.

Para que as Associações cresçam, é necessário que estimulem os nadadores, oferecendo-lhes garantias de competitividade. As parcerias entre Associações Territoriais são um modelo que já se pode considerar de sucesso, face aos indicadores que se vão recolhendo, mas nalguns casos ter-se-á de ir mais longe e reflectir se é benéfica a existência de um número tão elevado de Associações com um número tão reduzido de nadadores. A fusão de Associações podia ser uma estratégia que visasse fazer crescer os clubes existentes ou fazer nascer novos clubes, ganhando escala e então nesse momento voltar a desagregar as Associações fundidas.

A existência de um maior número de provas nacionais poderia também ser uma via para o aumento do nível da natação portuguesa, mas parece pouco viável já que será difícil acomodar mais provas de natação pura no calendário nacional.

Claro que encontrar novas soluções quase sempre acarreta despoletar novos problemas. Se a competitividade não está à porta de casa, o investimento dos clubes teria de ser maior e voltamos ao pior dos mais fortes argumentos: (falta de) financiamento das actividades desportivas em Portugal. Um status quo que não adianta esperar que algum dia venha a ser alterado por parte da administração central do estado. Adianta, sim, que as Organizações Federativas, em conjunto com o COP, insistam com a tutela em criar condições cada vez mais vantajosas ao mecenato privado dirigido aos clubes desportivos para que, entre investir num clube de natação ou depositar os lucros na Holanda, a primeira opção seja a mais atraente.


4 comments

  • Rui Lourenço

    Setembro 24, 2017 at 2:53 pm

    Ora aqui está um artigo muito interessante e que espelha objectivamente a realidade da natação ao longo do território.
    Deixo a sugestão para um novo artigo que espelhe a realidade operacional de todas as associações.
    Fará sentido uma associação regional que não tem sequer recursos para contratar um administrativo? Ou um diretor técnico?
    A mim parece me que não!

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    • João Bastos

      Setembro 24, 2017 at 8:32 pm

      Caro Rui Lourenço, muito obrigado pelo seu comentário e pela sua sugestão.
      Do ponto de vista operacional os associados de cada AT serão os agentes mais indicados para se pronunciarem. Quem sabe se venhamos a desenvolver um (ou treze) artigos onde aprofundemos a situação de cada AT mais ao pormenor.
      Cumprimentos

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  • Carlos Valente

    Setembro 24, 2017 at 8:57 am

    Há um longo caminho a percorrer, a começar pelas mentalidades …
    Que se coloca em título “A NATAÇÃO PORTUGUESA vista a partir das associações territoriais”, seria no mínimo “elegante” englobar a Natação Adaptada
    Mas enfim … como disse ao início, há ainda um longo a percorrer, a começar nas mentalidades

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    • João Bastos

      Setembro 24, 2017 at 8:27 pm

      Caro Carlos Valente, obrigado pelo seu comentário. A análise só incide sobre a natação pura e não sobre mais nenhuma das 5 disciplinas que estão sob a alçada das Associações Territoriais. A análise a fazer à natação adaptada teria sempre de ser diferente, por duas razões: 1) Um universo de 156 nadadores em todo o território nacional não garantiria uma consistência nalguns indicadores referidos neste artigo e 2) das 13 AT, apenas 9 filiaram nadadores de natação adaptada em 2016/2017, daí que a visão ficaria limitada a algumas associações territoriais.
      Não é uma questão de elegância, é uma questão de possibilidade.
      Cumprimentos.

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