Crossfit no precipio do seu fim?
São 10 horas da manhã do dia 8 de Junho de 2020. Passaram 14 dias desde que George Floyd morreu asfixiado por um polícia em Minneapolis. Foi mais um rastilho de inúmeras manifestações contra a violência policial, o racismo, a xenofobia e a descriminação sob a hashtag #BlacklivesMatter. E foi também o rastilho para que a CrossFit possa ter acabado.
Mas estou a escrever este texto antes de ser publicado, por isso, o futuro apenas pode ser previsto.
Para a Europa parece estranho que uma marca ou uma empresa se pronuncie sobre questões públicas. Mas não nos EUA. Nos EUA marcas e empresas podem fazer doações para campanhas políticas, e por aí se percebe que «têm uma voz». E se formos à génese, uma marca pretende sempre transmitir um conjunto de valores para chegar ao seu público alvo. Alías, uma marca não é mais que um conjunto de emoções que nos fazem apegar às mesmas.
No dia 25 de maio o mundo viveu e presenciou – uma vez mais – um ato de violência policial contra um cidadão negro. A razão: alegadamente uma nota falsa. A consequência: morreu asfixiado na rua com um joelho sobre o seu pescoço. Alguém escreveu – ou disse – e com razão, isto sempre existiu, mas agora foi filmado. Mas que isso não sirva de desculpa nos momentos subsequentes.
A Comunidade do Fitness no geral, e do CrossFit em particular, é tão diversa quanto pode ser o gosto pela prática desportiva. Não interessa se somos brancos, pretos, amarelos, castanhos, às bolinhas amarelas ou verdes, todos agachamos, todos nos penduramos na barra e 1 quilo é 1 quilo às costas de qualquer um. E esta diversidade ficou expetante para saber o que a CrossFit diria após aquele ato de violência policial.
Contudo… nada disseram.
É preciso voltar umas semanas atrás e ver tudo em perspetiva que culminou nesta posição:
- Os CrossFit Games anunciaram que os Games se iriam realizar no famoso Ranch em Aromas. Alguém comentou que parecia que não se preocupavam com a saúde dos atletas. A conta oficial dos CrossFit Games responde com «keep on coming», algo como só tens isso a dizer?!
- A CEO da Unbroken Designs, marca que nasce no seio da comunidade da CrossFit, fez comentários racistas contra mexicanos. Do lado da CrossFit HQ só houve silêncio.
- Floyd Georg morre devido a violência Policial. Com o mundo em consternação, a CrossFit HQ nada diz;
- Noah Ohlsen desde o início é uma das vozes contra a descriminação e a apela a que se fale e haja manifestações contra o ódio: #standUp;
- Sexta-feira, dia 5 de julho de 2020, uma conversa privada entre os atletas de CrossFit Chandler Smith, Travis Williams, Jessica Griffin, entrou outros, é tornada pública onde aquela última utiliza a palavra «nigger» e com Travis Williams a insinuar que se Chandler, negro, se sentia ofendido era um «pussy». Resultado, Jessica apagou a sua conta e Travis fez um pedido de desculpas público. CrossFit HQ em silêncio;
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É questionável se a CrossFit HQ tinha de se pronunciar. Como se fez a ressalva, enquanto na Europa é normal o silêncio de empresas, não nos EUA. E não com uma CrossFit HQ tão audível em questões de saúde pública, luta contra a obesidade, luta contra a indústria alimentar, luta contra as farmacêuticas, luta com meio mundo, mas fica em silêncio quando o assunto é racial! Fica em silêncio quando a sua força assenta numa comunidade que não tem cor, não tem género, não tem preferência, tem apenas esforço empenho e superação.
Mas a CrossFit não ficou em silêncio. A CrossFit HQ é propriedade de duas pessoas, sendo que uma, em quase exclusividade, é Greg Glassman. A CrossFit HQ não está cotada em bolsa. Não tem accionistas no sentido que lhe conhecemos. Não tem um Conselho de Adminsitração no sentido que lhe conhecemos. Tem um dono, ponto. E esse dono confunde-se com a CrossFit HQ.
Tanto que as decisões de mudar os Games foi dele. A decisão de mudar a orientação da empresa foi dele. Sem obedecer a qualquer regra, decide e escolhe. Pelo que, quando fala, é a empresa que fala. E no dia 6 de julho Greg, em resposta à Health Metrics and Evaluation at the University of Washington que disse que o racismo era uma questão de saúde pública, disse que era o Floyd-19.
Comentário infeliz ou de índole racista? E isto no mesmo dia em que a tal conversa entre os atletas atrás referidos caiu na internet. Enquanto o mundo do Fitness tentava decidir o que fazer com estes comentários, uma dona de uma Box afiliada enviou um e-mail a manifestar a sua intenção de se desfiliar. Greg, pessoalmente, responde com insultos.
O rastilho estava aceso. Fósforos, gasolina juntado a ódio, racismo, não tolerância, tudo se libertou na noite de domingo dia 7 de julho de 2020. São imensos para nomear todos os atletas que condenaram as palavras de Gred e/ou da CrossFit HQ. Muitos afastaram-se. Alguns recusaram-se a participar nos Games em Agosto. A lista de Boxes que se querem desfiliar não tem fim. Julie Foucher enviou um e-mail a despedir-se do Staff da HQ. Pat Sherwood, um dos nomes mais antigos e de extrema credibilidade que ainda trabalha (?) na HQ desfiliou a sua box também. Mat Chan, Chris Spealer, outros históricos a distanciaram-se. A Rogue fez um post onde «apela» que Greg se afasta.
Mas, não será tarde demais?