Crime e Castigo de Adam Silver

Nuno CanossaNovembro 30, 20235min0

Crime e Castigo de Adam Silver

Nuno CanossaNovembro 30, 20235min0
Nuno Canossa mergulha num tema delicado: a violência doméstica por atletas da NBA. A posição de Adam Silver e a necessidade de outra luta

Rodion Raskolnikov acreditava que pessoas extraordinárias estavam dotadas do direito de transgressão, numa irracional utilização da doutrina utilitarista. Não obstante “Rodya” ser uma personagem dostoievskiana do século XIX, a sua filosofia mantém-se atual, com a National Basketball Association (NBA) a demonstrar dificuldades em castigar os seus atletas. Mas vamos por partes.

OS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (BRIDGES E PORTER JR.)

Não sendo figuras do estrelato de Mikal (Bridges) e Michael (Porter Jr.), Miles Bridges e Kevin Porter Jr. são nomes reconhecíveis até pelos fãs mais casuais da liga norte-americana de basquetebol, agora pelas piores razões. Ao caso do ex-Rocket, poucas são as críticas a tecer. Ainda que se tenha feito negócio após as alegadas violentas agressões à sua parceira, Kevin Porter Jr., trocado para os Thunder com o incentivo de duas escolhas de 2ª ronda, foi imediatamente dispensado, ainda assim, sem pronunciação da própria liga. Sam Presti (GM dos Thunder) e Clayton Bennett (dono da equipa) livraram, a troco de capital de draft, os de Houston de pagar o resto do contrato de Porter Jr., que, dado o seu histórico de conflitos como jogador da NBA, dificilmente voltará a pisar um dos 29 courts espalhados pelos Estados Unidos.

O mesmo não se poderá dizer de Miles Bridges. Após um forçado ano sabático, também acusado de agredir a namorada, em frente aos próprios filhos, o atual Charlotte Hornet, ainda que não se tenha confessado culpado, não contestou a acusação e estará durante 3 anos em liberdade condicional, tendo lhe sido ordenado serviço comunitário e várias sessões de terapia e aconselhamento. Ora, ainda que completamente de acordo com a sua reinserção social, é de difícil compreensão o castigo atribuído por Adam Silver e a inação da equipa de Charlotte. Com uma suspensão de 30 jogos, em que 20 foram cumpridos durante a temporada passada e em que, não só se desconhecia o seu castigo, como não estava contratualmente ligado à equipa, Miles Bridges precisou de esperar apenas 10 partidas para regressar às arenas da NBA, auferindo 8 milhões de dólares anuais.

Portanto, assistimos a uma normalização do gravíssimo assunto da violência doméstica na NBA, com Silver e os Hornets a passarem uma mensagem de relatividade do assunto ao resto da liga. Quanto a Bridges, é esperar que a casualidade com que regressou à normalidade não o impeça de aprender com os erros cometidos.

OS SEXOS PROIBIDOS

Após os comportamentos exibicionistas de Joshua Primo, que lhe valeram uma curta suspensão de 4 jogos pela NBA, e a relação de poder de Ime Udoka com uma subordinada, dispensado pelos Boston Celtics com efeito imediato, foi, ao longo dos últimos dias, a vez de Josh Giddey ser associado a um escândalo sexual. Tendo-se, alegadamente, envolvido com uma menor com aparente consentimento, a polícia de Newport Beach (California) já iniciou uma investigação que apure a veracidade dos acontecimentos. Até à prova dos factos, o base australiano de 21 anos continuará a ser alvo dos jornalistas, mas também da comunidade de fãs, que rapidamente se expressou nas redes sociais com provações ao jogador dos Thunder. Para já, a NBA nem se manifestou contra, nem a favor do atleta, mantendo-se em silêncio como na generalidade dos casos que colocam em causa a imagem da liga. Aguardam-se desenvolvimentos judiciais e manifestações de Silver ou da equipa. 

O MAIOR DOS CASTIGADOS, JA MORANT

Ironicamente, aquele que cumpre a maior das suspensões, acabado de ultrapassar o ponto médio da sua suspensão de 25 jogos, não cometeu nem é suspeito de qualquer crime. O base dos Grizzlies, Ja Morant, foi reprimido por exibir-se constantemente na posse de armas e na sua exposição nas redes sociais. Ainda que a culpa seja repartida entre Morant e um país que permite a livre comercialização de armas de fogo como pretexto para uma sociedade mais segura e capaz de se defender, o castigo parece-me mais do que justificado. Aliás, Adam Silver constatou que a possibilidade “de jovens imitarem a conduta de Ja Morant é preocupante”. Na mouche. Só é pena não declarar-se tão ou mais perturbado com os casos de violência doméstica e escândalos sexuais.

Em todo o caso, nas últimas temporadas têm-se acumulado episódios que mancham a reputação da NBA, cabendo ao comissário, donos de equipas e associação de jogadores precaverem-se, mas também dar respostas imperativas para que situações como estas não se tornem cada vez mais uma realidade do quotidiano daquela que almeja manter-se como a melhor liga de basquetebol do mundo. Para isso, não serve apenas o talento dentro das quatro linhas.


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