10 anos depois: O lugar de Nelson Évora na história
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21 de Agosto de 2008. Neste dia, Nelson Évora conquistou aquela que é a última medalha olímpica do Atletismo português até à presente data e o único Ouro olímpico (em qualquer desporto) depois do Ouro de Fernanda Ribeiro em Atlanta 1996. Apenas 4 atletas em toda a história nacional conquistaram a mais ambicionada das medalhas olímpicas – todos eles no Atletismo – o que coloca Nelson Évora num grupo restrito da história do desporto nacional.
Em 2008, Nelson Évora já não era um desconhecido, já tinha um estatuto a defender. Um ano antes, em Osaka, já havia conquistado o mundo, ao sagrar-se campeão mundial do Triplo Salto, com uma marca de 17.74 metros, evoluindo nessa temporada 51 centímetros (!) face ao melhor pessoal que trazia para esse ano, algo conseguido com a preciosa ajuda do técnico que o acompanhou ao longo da grande maioria da sua carreira, João Ganço.
Nos Jogos de 2008, tornou-se imortal. Mas já lá vamos. Na antecâmara para os Jogos, e embora tivesse conquistado o título mundial da anterior temporada, Nelson Évora não se apresentava como o principal favorito para Pequim.
Na verdade, o seu melhor da temporada antes de chegar a esses Jogos era de 17.24 metros num meeting no Mónaco, marca que o colocava apenas como o 17º melhor a nível mundial nessa temporada.
O ranking era dominado pelo excêntrico britânico Phillips Idowu – com 17.58 – e entre os rivais figuravam outras caras que viriam a cruzar-se com Nelson ao longo de todo o seu percurso, como é o caso de Alexis Copello, que na altura ainda representava Cuba. Chegados os Jogos Olímpicos, Nelson deixava um aviso à navegação logo na qualificação. Apesar de Idowu ter feito o melhor salto dessa fase – 17.44 – o facto de Nelson Évora ter feito o seu melhor pessoal dessa temporada, sendo o segundo melhor da qualificação com 17.34 metros, deixava um claro sinal de que o português estava na China para vencer.
A final, essa, foi uma montanha-russa de emoções, principalmente até ao 4º salto de cada atleta. No final da primeira ronda, o britânico dominava com 17.51 metros. Na segunda ronda, Évora assumia a liderança com 17.56 metros.
No final da terceira, passava a terceiro (!), com o britânico a fazer 17.62 e o atleta das Bahamas Leevan Sands a saltar 17.59 metros! Na quarta ronda, Nelson Évora saltou 17.67 metros, a melhor marca mundial do ano, assumiu o comando e nunca mais o largou!
Ninguém mais foi capaz de chegar sequer perto dessa marca nos dois restantes saltos, não havendo reação ao que o português havia feito. A forma como Nelson se superou em 2007 (com a brutal evolução a nível de marcas) e em 2008 (chegando aos Jogos como o 17º melhor dessa temporada) viria a dar o mote para aquilo que seria toda a sua carreira. Há muitas palavras que podem adjetivar Nelson Évora e a sua carreira, mas nenhuma a faz melhor que a palavra “resiliência”.
Um ano depois, Évora foi a Berlim conquistar a Prata nos Mundiais (perdendo, desta vez, para Idowu, que saltou um centímetro a menos do que Nelson havia saltado em Osaka). Nelson ainda tinha por essa altura 25 anos e augurava-se um futuro bastante promissor para o atleta português.
Afinal, sabe-se que, embora dependa de caso para caso, a idade em que os triplo saltadores atingem o pico da sua carreira é, usualmente, acima desses 25 anos. Jonathan Edwards, que ainda é o atual recordista mundial, atingiu a sua melhor marca da carreira aos 29 anos. Kenny Harrison foi aos 31 anos que conseguiu passar dos 18 metros.
Mas a partir de 2010 começaram os problemas mais sérios com lesões. Primeiro, uma fratura de stress na tíbia, que o impedia de competir sem limitações, obrigou-o a um período de ausência maior do que o esperado, coincidindo com o falecimento do seu pai no início de 2011.
Ainda assim, o atleta conseguiu o apuramento para os Mundiais de Daegu onde foi 5º. Em 2012, o maior golpe na carreira de Évora, ao fraturar a tíbia direita. Um processo de recuperação que se previa de 3 a 6 meses, acabou por se transformar num autêntico calvário para o atleta que passou por 5 intervenções cirúrgicas.
Embora em 2013 se tenha voltado a tornar campeão nacional (com 16.41 metros), muitas foram as vozes que colocaram em causa a capacidade de Évora em voltar ao mais alto nível mundial. Em 2014, esteve nos Europeus de Zurique, mas os 16.78 – longe do que nos habituou – apenas chegaram para o 6º lugar, num ano em que também foi operado ao joelho esquerdo.
Em 2015, estava disposto a provar a todos, os que nele acreditaram e os que não acreditaram, que ainda tinha dentro de si aquilo que havia feito dele um dos maiores especialistas do Triplo Salto, num percurso em que conquistou os portugueses, fazendo com que toda uma nação se interessasse por uma disciplina que tinha pouco destaque a nível nacional.
Agora já toda a gente sabia o que era o “Hop, Step and Jump”! Em Março desse ano foi a Praga conquistar o Ouro nos Europeus de Pista Coberta (com 17.21) e em Agosto iria a Pequim saltar 17.52 metros e conquistar uma muito saborosa medalha de Bronze nos Mundiais ao ar livre. Após essa final, era um homem visivelmente feliz por alcançar aquele que era o seu grande objetivo: voltar a trazer uma medalha de Pequim, depois de tudo pelo qual passou!
Nelson Évora esteve no fundo – num sítio onde a maioria dos atletas que lá vai parar, nunca mais se recompõe – mas ele foi capaz de vencer e sair por cima, regressando à elite mundial. Desde aí, já foi sexto nos Olímpicos do Rio, voltou a conquistar o Ouro nos Europeus de Pista Coberta em Praga – aí já treinado pela lenda do Atletismo, Iván Pedroso – e este ano mais duas medalhas para o palmarés: medalha de Bronze nos Mundiais de pista coberta de Birmingham (com o recorde nacional indoor de 17.40 metros) e o Ouro que lhe faltava ao ar livre – nos Europeus, em Berlim!
Aí bateu, para conquistar o Ouro, Alexis Copello! Sim, vocês lembram-se dele…ele estava lá há 10 anos a ver Évora no topo do Olimpo. Agora em Berlim, a competir como atleta do Azerbaijão, Copello até liderava o ranking europeu – Pichardo à parte, impedido de competir em Berlim – mas na hora da verdade foi o português que voltou a sair por cima.
Évora – que passou pelos 3 grandes clubes nacionais – é um atleta de grandes palcos, um atleta de medalhas, um atleta das mais altas performances onde elas realmente importam. Por vezes, fica-se com a sensação que ele não se importaria nada de fazer 3 ou 4 grandes campeonatos por ano e entraria em todos eles com a mesma adrenalina e a mesma ambição. Como se de um miúdo de 18 anos ainda falássemos.
É essa fome de momentos marcantes, essa fome de fazer parte da história, que faz de Évora um dos atletas mais especiais do nosso desporto e um dos mais ganhadores de sempre. Ao todo, são 10 as grandes medalhas internacionais conquistadas, um número que o coloca na elite, não só do Atletismo, mas do desporto nacional.
Apenas dois outros atletas apresentam números semelhantes a Évora no que diz respeito a medalhas em Olímpicos/Mundiais/Europeus: Rui Silva (1.500 e 3.000 metros) e Naide Gomes (Salto em Comprimento e Pentatlo).
Embora, entre estes 3, apenas Évora tenha um Ouro ao ar livre. Na verdade, tem nas 3 competições. Acima de Évora, no que diz respeito ao número de medalhas nestas 3 grandes competições, só mesmo Fernanda Ribeiro com 12 (entre 3.000 e 10.000 metros), incluindo também o pleno de Ouros ao ar livre.
Claro que é redutor e injusto retirar desta lista atletas como Carlos Lopes ou Rosa Mota (ambos com Ouros olímpicos na Maratona), que conquistaram em estrada títulos e medalhas de enorme relevância também, mas ainda assim permite ter uma ideia dos feitos do atleta que a 20 de Abril de 1984 nasceu em Abidjan (na Costa do Marfim), filho de pais cabo-verdianos, mas que sempre se sentiu totalmente português.
E basta ouvirmos como ele se refere a Portugal, para todos nós percebermos o quão genuíno ele é e sempre foi no que se refere aos sentimentos em relação ao país que é o dele e de todos nós.
Fica a interrogação: quem é o maior desportista da nossa história? Será Carlos Lopes? Será Rosa Mota? Será Fernanda Ribeiro? Será Cristiano Ronaldo? Será Eusébio? Será Nelson Évora? É uma pergunta que fica sem resposta. Mas o facto de ninguém poder colocar em causa qualquer uma destas possíveis respostas diz tudo sobre a dimensão de Nelson Évora.