Vorwärts Berlin – O campeão dos 60’s que foi eclipsado

Das grandes cidades europeias, Berlim é das que há mais tempo se encontra à margem do grande circuito europeu de futebol – uma das mais recentes exceções foi a fugaz participação do Union na temporada de 2022-23 onde defrontou o SC Braga na fase de grupos da competição. Embora pese esse facto, a cidade sempre teve uma vibrante ligação com o futebol: Hertha, Union, Dynamo e TeBe (Tennis Borussia Berlin) são os grandes clubes da cidade, tanto pela massa humana de adeptos como pela sua presença ao longo da turbulenta linha do tempo da História da metrópole alemã.

Todos eles desempenharam/desempenham um papel social e político na cidade, o Hertha, as suas origens datam do final século XIX e é o “clube da cidade”, maior número de adeptos – alguns dos quais nem a divisão geográfica da cidade demoveu de apoiar – e conseguiu ser campeão alemão em 1930 e 1931. Nessa altura o grande rival do Hertha era o Tennis Borussia (TeBe), fundado em 1902 como uma equipa de ténis e de ténis de mesa, em 1903 criou a secção de futebol e começou a disputar os corações dos berlinenses com o Hertha, contudo nunca conseguiu nem o sucesso desportivo nem o peso social do Hertha.

Quanto aos outros dois, embora o Union seja, à presente data, o único representante da capital na Bundesliga, este esteve longe de ser o que mais adeptos arregimentava dos quatro clubes referidos anteriormente. O seu sucesso é relativamente recente: o clube fundado na década de 1960 na Alemanha de Leste (RDA) era uma equipa bastante modesta, que estava distanciada das primeiras divisões do futebol da RDA. O clube que mais adeptos tinha e mais títulos de campeão apresentava no futebol “do outro lado do muro” era o Dynamo.

O Decacampeão da Bundesliga da DDR era a secção de futebol do grupo desportivo dos trabalhadores do Ministério da Defesa e Segurança do Estado – mais conhecida como Stasi. Inclusive, Erich Mielke, o diretor da Stasi, era um fervoroso adepto do “seu” Dynamo. Por seu lado, as origens do Union encontram-se na secção de futebol do Berliner Turn und Sportklub – algo que pode ser traduzido como Clube de Desporto e Ginástica de Berlim -, que ainda hoje existe como entidade independente do Union.

Existem outros clubes pela cidade, porém, ao longo da história, apenas outro esteve perto de conseguir competir pelos corações dos Berlinenses. Curiosamente, na atualidade o clube não se encontra em Berlim, mas a 80 km de distância, mais precisamente em Frankfurt an der Oder, uma pequena cidade localizada na fronteira com a Polónia.

O clube em causa era o ASK (ArmeeSportKlub) Vorwärts Berlin – Clube de Desporto do Exército Avante Berlin. Como o seu nome revela, era o clube do NVA – Nationale Volksarmee -, o Exército Popular da RDA. O Vorwärts foi, de facto, nas décadas de 1950 e 1960 o clube mais bem sucedido de Berlim, conquistando os títulos de campeão de 1958, 1960, 1932, 1965, 1966 e 1969. Um pouco à semelhança do seu rival, o Dynamo, o Vorwärts era uma construção do estado e gozava de algumas regalias em relação à concorrência – por exemplo, num país com serviço militar obrigatório era mais fácil ao clube do exército garantir para si uma maior base de recrutamento do talento nacional. Ambos os clubes eram dirigidos por elementos fortemente alinhados com a ideologia do Estado oriental alemão e emanavam das estruturas de dois dos órgãos mais poderosos de qualquer tipo de estado – o exército e os serviços de inteligência do estado.

Na fase inicial da divisão da Alemanha e em particular da cidade de Berlim, as restrições à circulação de pessoas não eram tão pesadas como ficaram conhecidas posteriormente – o famigerado “Muro” data de 1961. Na decada de 1950, era comum ver cidadãos da zona leste da cidade se deslocarem para a parte ocidental para ver jogos das equipas “tradicionais” da cidade – Hertha e TeBe. Tal situação não era desejada pelas autoridades orientais, que aceleraram, na década de 1950, a organização de ambas as equipas como clubes ideologicamente alinhados com o novo Estado Alemão de Leste.

Ambos os clubes gozavam dos mesmos privilégios, a grande base de recrutamento que ambos tinham, especialmente por oferecerem oportunidades de uma carreira nas fileiras do estado alemão, e pela capacidade de fazer pressão nas equipas de arbitragem por conta da sua ligação às forças de segurança. Os dois são acusados várias vezes por adeptos rivais de terem tido várias decisões polémicas a seu favor.

A partir da década de 1960, a construção do Muro, assim como a chegada de Walter Ulbricht a Secretário-Geral do SED – basicamente, chefe do governo e alinhado a uma linha “dura” ideologicamente – e a nomeação de Erich Mielke como ministro da Segurança do Estado, fez com que a Stasi ganhasse mais peso na balança de poder do Estado. E essas mudanças de poder também se refletiram no futebol.

No início de 1971, alegando a necessidade de representar melhor todas as regiões e cidades da RDA, o clube foi deslocado de Berlim para Frankfurt Oder. No que parece uma típica situação da burocracia alemã, o último beneficiário foi o Dynamo. Com a deslocação do Vorwärts, o Dynamo ficou como o único clube do centro da cidade – o Union é de uma zona suburbana da cidade – e passou a ter uso exclusivo do estádio que antes era do Vorwärts, o Friedrich-Ludwig-Jahn-Sportpark.

Obviamente que afastado da capital – importante centro de poder e visibilidade política – o Vorwärts deixou de ser um clube tão apetecível para os jovens alemães, as vantagens de carreira que ofereciam deixaram de ser tão favoráveis quando comparadas com as que o Ministério da Segurança do Estado podiam oferecer. Desta forma, o quinto grande clube de Berlim – agora deslocado – foi perdendo adeptos, visibilidade e também bons resultados desportivos.

Sobra da sua história na cidade os seus títulos de campeão e de taças da Alemanha assim como os encontros europeus, em que Berlim recebeu alguns grandes nomes, como Wolverhampton ( vitória em casa por 2-1, 1960), Manchester United (derrota por 2-0 em casa, 1965) e Benfica (vitória em casa 2-0, 1970).