St Pauli – o clube mais progressista do mundo
As origens do FC St Pauli remontam a um clube de ginástica. No século XIX, a sociedade alemã rechaçava o futebol e incentivava a prática de esportes que, teoricamente, engrandeciam o espírito e valorizavam o corpo.
Eventualmente, membros do Hamburg-St Pauli Turneverein começaram a adotar o esporte bretão. Em 1910, três anos após os primeiros registros de futebol no clube, chegou o primeiro convite para disputar uma liga regional. Em 1924, houve uma dissidência e foi fundado oficialmente o FC St Pauli.
Ainda que a identidade progressista não faça parte do DNA do clube desde a fundação, nos anos 30 houve um acontecimento que seria muito adequado à face que o St Pauli tem nos dias de hoje. Com a chegada do Partido Nazista ao poder, os clubes alemães foram obrigados a expulsar atletas judeus de seus quadros. O St Pauli não acatou a ordem de cara, evitando o ato até onde foi possível – eventualmente, acabou sucumbindo à pressão política.
O presidente da equipe na época, Wilhelm Koch, também relutou em aceitar uma ordem do Partido Nazista para que todos os dirigentes esportivos se afiliassem. Acabou sendo obrigado em 1937, sob ameaça de fechamento do St Pauli.
Politização
A torcida do St. Pauli, historicamente formada por jovens, começou a chamar a atenção da Europa especialmente durante os anos 80. Vindos dos movimentos musicais que proliferavam pela Europa, punks, skinheads libertários, Redskins, SHARPs, headbangers, hardcores, psychobillies, motociclistas, hippies e góticos começaram a circular pelo estádio do St. Pauli, o Millentorn.
Reflexo dos problemas políticos ocasionados especialmente por neozanistas, que perseguiam as minorias, os torcedores do St. Pauli se uniram num movimento antifacista, chegando a combatê-los até com violência, eliminando os focos facistas de dentro de sua torcida.
A união das torcidas ganhava força e mobilização (com campanhas para angariar novos sócios e terem canais de comunicação independentes), com a chegada de movimentos políticos, ligados aos comunistas, anarquistas e antifascistas em geral que passaram a torcer pelo St. Pauli.
As torcidas do St. Pauli são conhecidas pelo seu estilo libertário. Lutam contra o racismo (já organizaram torneios antifacistas), contra a guerra e a violência policial, apoiam a liberdade de expressão e o movimento cultural da cidade (os torcedores foram contra a elitização do seu clube, o que dificultaria o acesso das minorias). Com isso, ganharam simpatizantes, principalmente no meio artístico. Diversas bandas começaram a torcer pelo St. Pauli, como é o caso dos góticos ingleses do Sisters of Mercy
Entre 2002 e 2010, o St Pauli foi presidido por um dirigente abertamente homossexual. Corny Littmann é um empresário do ramo teatral da cidade e é reverenciado como um dos mais importantes personagens da história recente da equipe.
Paradoxo
O F.C. St. Pauli defende pautas de um espectro político mais à esquerda. No entanto, vende milhares de camisas, tem um dos marketings mais agressivos da Bundesliga e tem contratos milionários, como o que assinou com a gigante Under Armour.
De fato, o St Pauli enfrenta dilemas comerciais e econômicos. É difícil conciliar os altos custos do futebol profissional e os dirigentes fazem o possível para equilibrar identidade e paixão com as planilhas financeiras. Isto provoca alguns ruídos entre diretoria e torcida. Recentemente, houve críticas pela construção de camarotes corporativos no Millerntor. Ainda que a receita da venda destes seja de suma importância no futebol moderno, o espaço das arquibancadas foi diminuído para torcedores “comuns”.
A situação piorou quando um destes espaços foi vendido para o Susi’s Show Bar, casa noturna que oferecia shows de strip-tease. O machismo gritante relacionado ao local fez com que os ultras do clube se manifestassem. E conseguissem que a diretoria cancelasse o contrato – ainda que tenham aberto mão de certo dinheiro, o importante é que os valores da instituição foram defendidos.
Conclusões
O St Pauli se firmou como um “patrimônio da segunda divisão” da Bundesliga, com uma ou outra queda para a terceira. As raras incursões dos rebeldes do futebol na elite do esporte alemão foram breves, com o time nunca conseguindo sustentar mais de um ano seguido na primeira divisão. Ainda assim, brindando os torcedores com momentos incríveis – e irônicos, como não poderia deixar de ser.
Se o F.C. St. Pauli enfrenta contradições, assim como nós enfrentamos cotidianamente em nossas vidas, não se pode negar que traz um ambiente diverso ao universo do futebol. Dentro do futebol profissional, é difícil sobreviver tentando ser diferente. O F.C. St. Pauli segue tentando. E, de certa maneira, conseguindo.