Um culer sofre
Começo por perguntar aos adeptos culer: Quando é que foi a última vez que tiveram verdadeiramente um dia de paz enquanto apoiantes da equipa blaugrana? Eu posso ser a primeira a responder – Lionel Messi ainda por lá andava a alegrar os nossos dias. O caos vem da era Bartomeu, com os contratos absurdos, altos ordenados aos jogadores, prémios elevados e uma gestão bastante danosa e nada preocupada com a sobrevivência do clube a longo prazo.
Após demitir-se em Outubro de 2020, vieram as eleições no ano seguinte e Joan Laporta regressou com a promessa de recuperar o clube, mas nem meio ano depois, devido a todas as regras impostas pela LaLiga, acabou por perder a joia da coroa – Lionel Messi saiu a 5 de agosto de 2021, naquele que ficará gravado para sempre na memória dos adeptos como um dos dias mais tristes e inesperados na história do seu clube.
O que se passou depois disso serviu de tema para o artigo que escrevi em janeiro – https://fairplay.pt/futebol/xavi-barcelona-melhor/ – e que podem espreitar se quiserem avivar um pouco a memória.
Na altura, o que me levou a escrever sobre o clube foi a decisão que Xavi Hernández decidiu tornar pública após a derrota frente ao Villarreal, onde colocou um ponto final no vínculo que o prendia ao clube que ama, garantindo que iria então abandonar o comando técnico no final da presente época.
A verdade é que na altura, treinador e jogadores estavam a ser alvo de elevada pressão tanto por parte da imprensa como também de adeptos insatisfeitos e nada pacientes, porque infelizmente, representar o Barcelona por vezes tem este lado de “presente envenenado” em que te cobram mais do que em qualquer outro clube e não te dão o tempo que, por exemplo, Mikel Arteta teve (e bem) no Arsenal.
Xavi desabafou, ainda nessa altura, sobre esse sentimento de pressão e de falta de paciência e Guardiola mostrou também a sua solidariedade para com ele enquanto estabeleceu ainda um termo de comparação entre trabalhar no Barcelona ou estar agora na Premier League.
Já depois disto tudo, alguns jogadores alegadamente tentaram demovê-lo da decisão, assim como a direção do clube, mas Xavi estava decidido e a verdade é que após isso, a pressão sobre ele e a equipa parecia então ter desaparecido e de repente o Barcelona parecia mostrar uma certa leveza em campo, confiança e um novo fôlego. Venceram praticamente todos os jogos (com 3 empates pelo meio), passaram o Napoli na Champions, venceram o Atlético Madrid por 0-3 no Wanda Metropolitano e, de repente, apesar de se saber que o adversário seguinte na UCL era o PSG, estava tudo “ilusionado con La Sexta”. E como foi bonito sonhar com ela depois dos 90’ eletrizantes no Parque dos Príncipes. Estiveram a ganhar, deixaram-se ficar para trás, mas (e aí é que todos os adeptos sonharam alto) não entraram em desespero, mantiveram a cabeça no lugar e foram atrás da vitória. Como é que nos podiam dizer que não era possível? Quem é que nos conseguia fazer descer à terra depois daquele jogo? Sabíamos que 1 golo de vantagem não era nada, mas o sonho… o sonho comandava aquela equipa e adeptos, que visualizavam a possibilidade de ficar um passo mais próximos da final que há tanto tempo queriam voltar a jogar.
Mas sabem qual é o problema de sonhar? É quando a realidade nos atinge de forma violenta (e por vezes meio aldrabada). Foi o que aconteceu entre 16 e 21 de abril, quando a equipa após marcar ao minuto 12 frente ao PSG, deixou escapar a vantagem de 2 golos no agregado e acabou a perder por 4-6 no somatório das 2 mãos,despedindo-se então da Champions League, e jogou depois o “El Clásico” no Santiago Bernabéu de onde, apesar do esforço e de ter estado duas vezes em vantagem, acabou a sair de lá sem pontos. Essa derrota deveu-se não só ao golo de Bellingham para lá dos 90’ mas também ao momento extremamente polémico da bola que entrou mas que “ninguém viu”, numa liga que quer ser a melhor do mundo mas nem tecnologia de linha de golo tem e onde o presidente da própria liga, adepto assumido do clube da capital, acha por bem pronunciar-se nas redes sociais, em pleno jogo e após o lance polémico, sobre a suposta “inutilidade” dessa tecnologia.
Sin comentarios… pic.twitter.com/bhzzXLRnSA
— Javier Tebas Medrano (@Tebasjavier) April 21, 2024
A equipa saiu de Madrid derrotada, com um grande sentimento de injustiça e infelizmente a saber também que a luta pelo título estava terminada.
Eis que, apesar de todo este momento negativo, pareceu surgir uma lufada de esperança (pelo menos na estabilidade que o clube tanto precisa) e Xavi decidiu então anunciar a 25 de abril, que ficaria até ao final do contrato. Parecia que havia esperança de termos finalmente uns dias de paz. Afinal de contas, pelo menos o assunto treinador parecia estar finalmente fechado.
https://x.com/FCBarcelona_es/status/1783454920034639949
Mas é claro que a paz não durou e a equipa, apesar de ter vencido 3 dos 4 jogos seguintes, perdeu contra o Girona por 4-2 depois de ter estado a vencer por 1-2 e não ter sabido segurar (e até alargar) o resultado. Honestamente, parece que desde que Xavi voltou atrás na decisão, a equipa voltou a jogar como andava a jogar até à derrota com o Villarreal.
E chegamos à atualidade, onde o presidente que chorou na conferência em que comunicaram a permanência de Xavi e afirmou estar orgulhoso de que ele continuasse como treinador, decidiu agora “virar o bico ao prego” e surgem as notícias de que a honestidade de Xavi numa conferência causou desagrado a Laporta que pensa agora dispensar o treinador no final da época.
https://x.com/CabineSport/status/1791381585234670026?t=2scUdWQfFBdpXuc5K3gdOg&s=08
Eu, como adepta, fico sem palavras perante toda esta situação. O Xavi tem tentado muito com pouco, deu-nos o campeonato na época passada apesar das diferenças financeiras em relação aos adversários diretos, temos assistido a uma fornada incrível de jogadores provenientes da La Masia a subir à equipa principal e a brilhar de uma forma absurda. Xavi merece apoio e paciência por parte dos adeptos e direção e neste momento, em vez disso, está a um passo de sair de vez do clube por ter sido honesto.
Qual é a intenção de Laporta com isto tudo? Manter o clima de instabilidade? Fingir que as palavras de Xavi não são verdade e continuar a viver num conto de fadas onde o Barcelona é uma super equipa e não vive em crise?
Talvez seja hora de todos aceitarem a realidade. Essa mesma realidade que Xavi relata nas declarações dele, que aceitou há muito e com a qual trabalha, tentando ao máximo recuperar o espírito culer há tanto perdido.