O Tour histórico do Dynamo de Moscovo a Londres 1946
Meses após o termino da Segunda Guerra mundial, a Football Association convidou os campões soviéticos de 1945, o Dínamo de Moscovo, para realizar uma tour em seu território defrontando alguns dos clubes mais renomados do Reino Unido, tais como Chelsea, Glasgow Rangers e Arsenal.
O futebol é e continua a ser um importante elemento das relações internacionais, uma forma de exercer soft power e tentar mudar uma percepção ou até confirmá-la entre os diversos atores internacionais. Em 1946, ainda não se vivia o clima de “Guerra fria”, que apenas seria inaugurado no ano seguinte, com o discurso da “Cortina de Ferro” de Winston Churchill. Na data do agendamento desta Tour, a URSS ainda era um aliado que havia contribuído significativamente a derrotar o Nazi-Fascismo. Mas nas conferencias de Potsdam (1945) já Churchill e Stalin haviam sentido as relações azedar, numa premonição do clima tenso que se viveu nos anos seguintes.
Esta tour gerou uma obvia tensão entre os diversos departamentos de estado Americanos, Soviéticos e Britânicos, que contrastava com o obvio entusiasmo do público e dos jogadores de ambos os lados. Convém relembrar que nunca nenhuma equipa soviética havia se deslocado à Europa Ocidental durante largos anos, tendo o Dínamo a oportunidade de quebrar essa barreira.
Antes de viajar para Londres, houve uma lista de 14 pontos a serem satisfeitos para a tour se realizar, a maioria prendia-se com questões logísticas como refeições, bilhetes e estadias, mas a mais caricata era a obrigatoriedade em realizar um jogo contra o Arsenal. Mikhail Yakushin, treinador do conjunto moscovita, dizia que ir a Londres e «não jogar com o Arsenal, seria como ir ao Cairo e não ver as Pirâmides».
Aprovados e discutidos os vários pontos, aterrou numa manhã de Novembro que o avião vindo de Moscovo aterrou em Londres, mas ficou marcado por um incidente diplomático, pois não havia nenhuma bandeira da URSS para saudar a comitiva. Gerou algum desconforto entre os mais altos cargos soviéticos presentes, mas nada que impedisse que a boa disposição reinasse entre os atletas. A equipa do Dínamo chegou com alguns reforços, , Vsevolod Bobrov, o melhor marcador da liga e craque do CSKA de Moscovo (24 golos na Liga) e mais dois jogadores do Dínamo de Leninegrado: Yevgeniy Arkhangelskiy e Boris Oreshkin.
Ninguém sabia ao certo o que esperar do adversário, em 2001 no documentário, “More Than Just Football”, Konstantin Beskov (avançado do Dínamo) disse: “Até aqueles jogos, nós so sabiamos que a Inglaterra era a patria do futebol e que as suas equipas eram as melhores do mundo” ao passo que o “Sunday Times” pedia aos seus leitores que baixassem um pouco as expectativas pois era apenas “uma equipa de trabalhadores fabris”.
Os sentimentos de euforia do pós-guerra, curiosidade para ver os soviéticos e também, não nos podemos esquecer que a perspectiva que os cidadãos europeus da altura tinha da União Soviética não era tão negativa como a dos tempos seguintes de “Guerra Fria”, enchentes acorreram aos 4 estádios onde se realizaram as partidas. Um total de 300 mil espetadores assistiu aos embates do Dínamo com Chelsea, Arsenal, Rangers e Cardiff City.
O primeiro jogo com o Chelsea, em Stamford Bridge, quebrou o recorde de assistência da altura, 100 mil pessoas viram o empate a 3 golos. Quatro dias depois em Cardiff perante 60 mil adeptos, os moscovitas arrasaram a equipa local com um contundente 1 – 10, convém salientar que o Cardiff City militava na terceira divisão.
De regresso a Londres, cumpria-se agora um dos pontos da exigência dos soviéticos: o embate com o Arsenal. O Arsenal apareceu com alguns reforços, 3 das maiores estrelas do futebol britânico: Stanley Matthews, Stan Mortensen e Joe Bacuzzi. O jogo realizou-se na casa dos eternos rivais dos gunners, White Hart Lane, pois Highbury continuava ainda a ser usado pelo Exercito Britânico. O jogo acabou 3 – 4 com vitória do Dínamo.
Para finalizar a tour, foram a Ibrox, defrontar o Glasgow Rangers. 92 mil lotaram o estádio para assistir ao empate a 2 golos entre ambos os conjuntos. Para alguns dos intelectuais britânicos da altura a visita foi analisada do ponto vista das relações internacionais como uma degradação das relações anglo-soviéticas.
George Orwell escreveu um ensaio “The Sporting Spirit”, onde afirma que se esta visita fez algo pelas relações entre ambos os países foi sem dúvida piora-las. A tour também serviu como um alerta para a Football Association do estado do futebol britânico , que teve a sua debacle em 1953 com a derrota por 6-3 frente a Hungria em Wembley e do 7 a 1 que sofreria em Budapeste em 1954.
Do lado soviético, foi uma enorme vitória de marketing político, com os jogadores a serem recebidos como heróis, de certa forma anunciando o fim do isolamento dos clubes soviéticos que começaram a fazer parte das competições europeias nos anos seguintes e contando com os seus nomes entre os vencedores das provas: Dínamo Kiev e o Dínamo Tbilisi.