O “caso” Racing Power FC
Seguindo a toada temática do último artigo, hoje o foco continuará a ser o investimento realizado em equipas femininas, e em particular, o caso do “recém-formado” clube Racing Power FC.
Formado para competir na época 2020/2021, o Racing Power F.C. é resultado da separação dos investidores com o Paio Pires F.C., e baseia-se no investimento avultado, realizado pela marca de bebidas energéticas RPower Energy Drink, na formação de um clube dedicado exclusivamente ao futebol feminino. Com ambiciosos objetivos traçados desde o primeiro dia, em que o principal foco sempre foi a subida à Liga BPI no segundo ano de existência, este foi um projeto que, desde cedo, conseguiu atrair nomes consagrados do futebol nacional, independentemente de se encontrar a competir na III Divisão Feminina Nacional.
Se no primeiro ano tudo parecia correr segundo o delineado, com a conquista inequívoca, com completo domínio sobre as adversárias, da III Divisão, a verdade é que o segundo ano do projeto se revelou um “fracasso”. A competir na II Divisão Nacional, e com o claro objetivo de assegurar a subida de divisão, a época começou atribulada, com troca de equipa técnica. No entanto, a entrada de Nuno Cristóvão, nome de peso no que ao futebol feminino nacional diz respeito, augurava melhores resultados. Mas a verdade é que a equipa do Racing Power falhou o principal objetivo traçado, a subida de divisão, o que levou a que o seu presidente definisse a época como um “fracasso”.
Novas mudanças, entradas sonantes (João Marques, oriundo do SC Braga, foi o treinador escolhido, e com ele vieram jogadoras como Solange Carvalhas, Diva Meira, Jassie Vasconcelos, Inês Macedo e Evy Pereira), e assim foi atacada a época 2022/2023. E, por via do grande investimento realizado, e do fosso monetário criado para as restantes equipas da II Divisão Nacional (atenção, que não foi esta a única razão do sucesso, mas tem um impacto relevante), a verdade é que a equipa do RP voltou a dominar largamente o campeonato, e assegurou, finalmente, a tão almejada subida à Liga BPI, com um ano de atraso face aos objetivos iniciais do projeto. Sucesso alcançado, e ainda mais um objetivo por conquistar – a chegada à final da Taça de Portugal.
Mas falemos agora do assunto core deste artigo – o investimento.
Criada em 2020, a equipa do Racing Power destacou-se imediatamente das restantes equipas do seu campeonato (e até de algumas das equipas de divisões superiores), pelo avultado investimento monetário que aplicou na sua equipa, sendo capaz de atrair, para uma III e II Divisões Nacionais, jogadoras que se encontravam a jogar, profissionalmente, na Liga BPI, bem como treinadores de renome, como é o caso de Nuno Cristóvão e João Marques. Ora três anos após a formação da equipa, e do clube, olhamos para o projeto do RP, e o que vemos? Que este projeto, por mais ambicioso que seja, começou a sua casa pelo telhado, investindo largamente numa equipa sénior, e apenas criando equipas de formação para competir na terceira época de existência (2022/2023). Verificamos, também, que é um clube que ainda não tem estádio, que joga em estádios “emprestados” por outros clubes, o que acaba por levar à perda do sentimento de identidade para com o clube, e poderá ser um fator a ter em conta a longo prazo.
Por mais que a oportunidade de jogar profissionalmente em Portugal seja algo muito aliciante para as jogadoras, não só nacionais, como até internacionais, não podemos esquecer-nos dos alicerces que suportam qualquer projeto desportivo – a formação! Sem jogadoras jovens, humana e desportivamente formadas no clube, o sentimento de identidade para com o mesmo perde-se, perde-se um pouco o “amor à camisola e ao símbolo”, por mais ambiciosas que sejam as atletas, staff técnico, e o próprio contexto do clube.
Não me interpretem mal. O dinheiro importa, e importa mesmo muito! E não, com este artigo não estou a dizer que a equipa do RP não terá jogadoras que se identifiquem com o clube e o projeto, porque tem, e está à vista de todos, pois este domínio não se atinge apenas com a qualidade intrínseca das jogadoras. Atinge-se com trabalho, com dedicação, com esforço, união e ambição. Com este artigo pretendo apenas expor algo que me assusta um pouco neste crescimento que o futebol feminino nacional tem vindo a registar – o investimento súbito e avultado em projetos de sucesso imediato, sem pensar no futuro, estabilidade e continuidade dos mesmos. Porque não há casas que aguentem em pé, se os seus alicerces não estiverem bem construídos. E, acreditem, os alicerces de um projeto desportivo não são o dinheiro, são as atletas, as atletas jovens, que se identificam e querem crescer com o clube! É esta junção, de formação estruturada e competente, com um investimento diferenciado, que será determinante na receita para o sucesso de qualquer projeto futebolístico.
Desejo todo o sucesso ao Racing Power, que se consiga fixar na Liga BPI, e continue a desenvolver-se como clube formador (atualmente tem duas equipas de formação – uma equipa sub-19, e uma equipa sub-15), tornando-se num projeto estável, com futuro, e que contribua para o sucesso do futebol feminino nacional, pois é de projetos estáveis que o futebol feminino português precisa para continuar a crescer, quer internamente, quer externamente, através da sua seleção nacional.
Bem-vindos à Liga BPI!