Rafael Leão e Jordão: dois leões, as mesmas origens, o mesmo destino?
Rafael Leão é um nome cada vez mais em uso, seja nos jornais, na voz dos adeptos, nas listas de promessas e da generalidade dos scouters mundiais. A recente estreia na Liga NOS, seguida da comparação com Rui Jordão tornaram-no no centro das maiores das atenções.
Os seus próximos passos serão agora alvo de ainda maior escrutínio, no que constituirá o primeiro grande teste à sua condição psicológica. Quantas promessas ficam por cumprir por não conseguiram lidar com as expectativas, as próprias e as alheias? Estará o jovem preparado para tamanha responsabilidade?
O potencial de Rafael Leão é enorme e o tempo corre em seu favor: o natural refinamento da técnica que já exibe, da capacidade de driblar, arrastando adversários e quebrando linhas, a capacidade de aceleração do jogo, associados à eficácia em finalizar, projectam-no para um futuro nas melhores ligas europeias.
Quem já o viu jogar dificilmente se deixa contagiar por grandes receios. A forma como parte para cima dos adversários denunciam um misto de segurança e a coragem imprevidente de quem não teme ser contrariado.
Coragem, confiança e atrevimento, suportados por boa técnica, invulgar em jogadores que ostentam um porte físico de impor respeito. Os seus 1,88m metem em sentido os opositores e segundo o próprio Jorge Jesus, dão já água pela barba a Coates & Cia. Um perfil a fazer lembrar grandes talentos como o já falado Jordão ou, se quisermos recorrer a referências internacionais recentes, Rivaldo.
Não surpreende de todo a comparação com Jordão, um nome de referência obrigatória quando se falar dos melhores avançados nacionais do século XX. O dedo indicador no ar, enquanto sprinta em direcção à bancada para recolher os merecidos tributos, é uma imagem de marca que se consolidou na memória de quem teve a felicidade de o ver jogar. A velocidade, elegância e sobretudo a passada larga despertam as memórias do perfume deixado por Jordão nos relvados portugueses. O estilo da gazela de Benguela de Jordão parece ter encontrado sucessor em Rafael Leão com a coincidência de ambos partilharem uma origem comum: Angola.
Nessas origens, as diferenças de percurso são pontuadas por realidades e momentos incomparáveis. Ao contrário de Rafael Leão, que nasceu em Almada e cuja ascendência angolana lhe vem por hereditariedade, Jordão nasceu na morna Benguela e foi no Sporting local que fez a sua formação.
O trajecto entre Angola e a sua chegada ao clube do coração, o Sporting Clube de Portugal, não foi rectilínea e no seu inicio seria até pouco provável. Isto porque desembarcou em Lisboa (1970) com destino ao rival SL Benfica, onde dividiu o balneário com alguns dos históricos, como José Henrique, Simões e… Eusébio. Mas não se ficou pela divisão dos mesmos espaços físicos, mas também pela conquista de títulos colectivos – 4 campeonatos nacionais, 1 taça de Portugal – e individuais, como a Bola de Prata na época 75/76.
Por coincidência, o seu titulo pessoal sucederia à última Bola de Prata de Yazalde, craque argentino que se imortalizou no Sporting, e marcaria o inicio do trajecto que o levaria até à mítica “Porta 10A” de Alvalade. Os trinta golos da época 75/76 despertaram o interesse do Saragoça, convertendo-se à época, na mais cara contratação do clube aragonês. Porém, os 25 milhões de pesetas despendidos não compraram a felicidade de nenhuma das partes, o que faria com que Jordão regressasse a Portugal, onde finalmente cumpriu o seu destino: jogar no clube do seu coração.
O verão de 1977 marcaria o inicio da marca Jordão no Sporting. E a estreia não podia ter corrido de forma mais auspiciosa. Uma vitória por 2-1, em jogo particular com os brasileiros do Vasco da Gama.
É preciso dizer quem marcou os dois golos?… Começava aí uma história feliz e que daria origem mais tarde a um dos trios mais talentosos do futebol verde-e-branco: Oliveira, Manuel Fernandes e Jordão. Deixaram nas vitrines do museu de Alvalade as taças respeitantes à conquista de 2 campeonatos, 2 taças de Portugal e uma Supertaça.
Há no percurso notável percurso de Jordão algo que certamente Rafael Leão dispensará: as lesões graves. Mas a vontade indómita certamente que lhe seria muito útil. É que às três fracturas registadas na carreira Jordão respondeu em duas delas com o titulo de melhor marcador no seu regresso.
Foi essa força indomável que não o deixou vacilar no momento do penalty ante Dassaev, não defraudando as esperanças de um povo inteiro que carregava às costas, um momento histórico para o futebol nacional, que nos levaria aquela mítica meia-final com a França, de onde dispensávamos o malfadado prolongamento. Numa selecção recheada de grandes valores seria a imagem felina de Jordão a ficar para gravada para sempre.
Certamente que assentará muito bem a Rafael Leão a camisola 11 de Jordão. Mas para merecer mais do que o número, o jovem terá ainda um longo caminho a percorrer e uma história própria para escrever. Sendo certo que a comparação pode ser um fardo pesado, é sempre bom quando fazemos lembrar os melhores. Cabe agora ao jovem Leão estar à altura do sonho e da responsabilidade.