Jorge Jesus, sim ou não?
O chocar de frente com a triste realidade de que mais uma vez o sonho do título vai ficar adiado trouxe de novo à actualidade o assunto da continuidade de Jorge Jesus. A realizar a sua terceira época consecutiva, o treinador ainda não cumpriu um dos desígnios primordiais que levaram à sua contratação: obter o titulo de campeão nacional, pondo assim fim a mais um longo jejum. Ninguém negará por certo que o objectivo final fosse mesmo o lançamento das bases para uma nova hegemonia no futebol nacional.
Nesta matéria é importante estabelecer desde logo uma importante premissa: seja ele quem for – e mesmo que se chame Jesus – um clube como o Sporting não se pode sentir refém do seu treinador. Seja pelos termos do contrato, seja pelos valores envolvidos, a razão da continuidade não pode nunca ser os números elevados que uma possível rescisão.
A única razão aceitável para tal tem que estar na assumpção da descrença do seu trabalho. Manter um treinador em cujo trabalho se deixou de confiar é o pior dos erros que se podem cometer na condução de um clube de futebol. E os custos desse erro tendem mesmo a ter implicações muito mais sérias e duradouras que uma choruda indemnização.
PONTOS A FAVOR…E CONTRA
Uma outra importante premissa é que as avaliações feitas em momentos de desilusão tendem a ser arrastadas para visões pessimistas, valorizando-se acima de tudo os lados mais negativos e esquecendo-se ou desvalorizando-se os progressos registados, mesmo que estes não tenham sido acompanhados de títulos. Aqui a pergunta que se impõe é: o Sporting com Jorge Jesus ficou mais forte competitivamente, aproximando-se dos seus rivais? Parece que, mesmo contando com o total fracasso que a época 16/17 representou, que a resposta é afirmativa.
Mas há sempre um “mas”. E aqui é importante registar a vertiginosa subida dos custos do plantel. Quem não gosta de Jorge Jesus tem aqui um argumento poderoso. A subida da competitividade leonina estaria explicada naturalmente pela melhor qualidade individual registada no plantel.
A explicação parece redutora, quanto mais não seja por esse estranho facto de aquela que deverá ser a melhor época até agora registada – e apenas na Liga, uma vez que a época não acabou – foi a época mais barata das três. Parece também que a aproximação dos custos era indispensável, pois a qualidade dos ovos está directamente relacionada com qualidade que se obtém nas omeletas.
Onde parece haver argumento mais válido contra a “filosofia jorgejesuíta” é relativamente à forma como ele olha para uma daquelas que tem sido uma das mais-valias do clube, funcionando como uma das mais vistosas bandeiras e factor de sustentabilidade do clube: a formação. Ainda que considerando a versão mais pessimista – “o Sporting não teria ganho na mesma” – é claro que poderia ter gasto menos com mais ou menos resultados.
Há uma geração de valor muito razoável de jogadores que parece ter passado ao lado do radar do treinador, mas cujas escolhas alternativas pouco ou nada acrescentaram a não ser ao lado dos custos. Jogadores como por exemplo Iuri Medeiros, Palhinha, Francisco Geraldes, Matheus Pereira viram-se preteridos por jogadores sem qualquer valor acrescentado e, pelo menos até ver, têm a sua carreira num limbo.
A resposta dada por eles é directamente proporcional à aposta do treinador: pouco mais que zero. Muito diferente da insistência igualmente inútil em Petrovic, Markovic, Campbell e mais recentemente em Alan Ruiz, por exemplo. As excessivas rotação de jogadores e instabilidade dos plantéis sem que os objectivos procurados sejam facilmente percebidos são outros argumentos de peso contra o técnico.
Há no entanto que considerar que a balança pende ainda para Jorge Jesus. Gélson não é ainda um produto acabado mas é já um valor seguro, Podence viu a sua afirmação bem encaminhada interrompida por uma lesão. Rúben Semedo foi hiper-valorizado, como agora se percebe melhor. E aqui, nos valores das negociações dos passes, é indiscutível que a associação Sporting/Jorge Jesus tem sido proveitosa para o clube. Mérito dividido pela sageza negocial da SAD, mas também pela valorização de jogadores directamente ligada ao trabalho de Jorge Jesus.
É que, mesmo sem chegar aos títulos, a respectiva proposta de jogo é atractiva e desperta as atenções, como se tem visto nos elogios de adversários e imprensa sobretudo após os confrontos internacionais.
Mas não é apenas a percepção de Jorge Jesus relativamente ao potencial da formação que merece ser aprimorada. Até porque o lançamento de Rafael Leão demonstra que o técnico está atento, mesmo que Leão pareça o “último dos moicanos” a merecer a atenção nos próximos tempos… A cooperação SAD / Jorge Jesus parece, também, merecer uma clarificação e aprofundamento.
Depois da carta branca dada o ano passado ao técnico, com os desastrosos resultados que se conhecem, parece haver vontade em ter uma palavra a dizer também nas aquisições por parte da SAD (leia-se Bruno de Carvalho). Uma vontade legitima, uma vez que a responsabilidade ser-lhe-à mais tarde ou mais cedo pedida pelos associados. Mas que não terá bons resultados se não houver trabalho cooperativo entre as partes. A SAD não tem que satisfazer todos os caprichos do treinador mas tem que perceber que, no limite, a sua vontade esbarrará na palavra final do treinador.
REFORÇOS DE “OURO” EQUÍVOCOS DE LATÃO E MUITAS PONTAS SOLTAS
O que sucedeu esta época, particularmente no mercado de inverno, onde as assombrosas afirmações de Jorge Jesus sobre Lumor e a chegada directamente do Brasil para o exílio de Wendell parecem indicar que não era bem aquilo que o treinador esperava como reforços, é irrepetível.
Idem sobre Montero, nome que se repete em sentido contrário ao sucedido na primeira época e cujo erro de avaliação na troca com Barcos pode ser muito bem contabilizado como um factor que acabou por contribuir para a perda de fulgor na procura do titulo. Desencontros e erros de planeamento que deixam muitas pontas soltas, cujo preço acaba por ser pago inapelavelmente por todos os envolvidos.
Não parece contudo que a ligação entre o treinador e clube se tenha esgotado. Mais importante do que procurar atribuir culpas isoladamente a um dos lados, é determinante que se aprenda com os erros e que se reconheça a necessidade de aproximar o planeamento da perfeição. E a programação e planeamento do plantel esteve esta época longe de o ser.
Equívocos na construção do plantel são agora mais fáceis de perceber. O Sporting pode até ter o melhor plantel de sempre – seguramente é o mais caro… – mas ganhará na comparação com os seus rivais? Não nos parece. Nem na qualidade nem, sobretudo na quantidade de jogadores que representam não apenas número mas também oferecem soluções.
A saída de Adrien está ainda por colmatar e não será Battaglia a fazê-lo. É notória uma enorme diferença de valor entre alguns titulares e respectivos suplentes que, ao invés de multiplicarem as soluções fazem crescer os problemas. Veja-se o caso do lateral esquerdo, especialmente quando ainda estava Jonathan e factura que deixou. Mas onde a diferença é ainda mais notória é na frente de ataque. Como foi possível imaginar que o Sporting poderia fazer jus à ambição de leão com apenas Bas Dost como actor principal e Doumbia a figurante? E depois o que dizer de contratações que claramente se afiguravam equívocas como Matheus Oliveira?
ENTRE O RAZOÁVEL, O SONHO E O IMPOSSÍVEL
Não há como dizer de outra forma: face às expectativas e ao vultuoso investimento feito pelo clube e após um ano de estreia fulgurante a passagem de Jorge Jesus pelo Sporting tem-se saldado por um pouco mais, pouco menos que razoável. Perdeu-se a constância do primeiro ano mas mantém-se uma apatia em momentos que depois acabam por ser os momentos chave da época. Por exemplo os estranhos casos com o Tondela de épocas anteriores, o sucedido este ano com a paragem dos relógios no Estoril e os finais de jogos com o Real Madrid e Juventus, só para citar alguns dos exemplos mais paradigmáticos. Uma questão que dificilmente pode ser atribuída ao trabalho do treinador, pelo menos no que diz respeito à sua proposta de jogo, mas que pode remeter para o apronto físico ou mesmo para a gestão de esforço do plantel.
O que já não me parece razoável é medir a manutenção do treinador por metas irrealistas, como a obrigatoriedade de conquista este ano da Liga Europa. O Sporting tem que interromper o ciclo do sonho e passar com urgência para a concretização de metas alcançáveis. Juntar-lhe impossíveis só ajuda a criar equívocos. Isto não é o mesmo que dizer que não deve ter a ambição de chegar à final em Lyon, onde se disputará o derradeiro jogo da Liga Europa, mas não se deve distrair das suas obrigações internas para assumir as responsabilidades que em primeiro lugar cabem ao anfitrião Olympic e seu conterrâneo homónimo de Marselha. Isto se quisermos fazer de conta que não nos apercebemos da presença do Atlético de Madrid, Borússia de Dortmund e Arsenal.
O campeonato mudou, o fosso entre grandes e os outros aprofundou-se. As falhas de pormenor que antes podiam ser corrigidas são agora factores importantes de penalização porque do outro lado têm estado adversários implacáveis. Num primeiro ano muito bom o Sporting viu-se ultrapassado, apesar dos 86 pontos conquistados e este ano registar-se-á algo de muito semelhante. Pode até ocorrer que o terceiro classificado obtenha uma pontuação que lhe daria um campeonato em épocas anteriores. E mesmo sem ganhar o Sporting está mais próximo. A vez de Jorge Jesus e do Sporting há-de chegar, assim saibam ambos porfiar e esperar.