Valencia em bicos de pés
Vive-se um sentimento de entusiasmo no Mestalla totalmente justificado. À 11ª jornada, já há um cantinho para este Valencia na história do clube. Pela primeira vez foram registadas sete vitórias consecutivas na liga naquele que é o melhor arranque de sempre do emblema ché. Na classificação é apenas superado pelo Barcelona, que também está a fazer uma época bem acima do que se previa há uns meses. Isto acontece depois de duas temporadas em que se ficaram pelo 12º lugar, chegando mesmo a andar pela zona de despromoção há cerca de um ano, na parte inicial da época transacta.
Há muitos anos que não se via um Valencia a intrometer-se entre os grandes. O clube continua sem conhecer o sabor da derrota e tem dado espetáculo. Foi empatar com o Real a Madrid, marcou seis golos ao Bétis, quatro ao Sevilha e cinco ao Málaga. Mas há mais dados interessantes: os clubes que conseguiram uma média de golos como a que os ché têm, foram sempre campeões. Para além disto, há outro factor que deve ser tido em conta. No Mestalla não se jogarão jogos europeus esta época – facto que traz aquele aroma a Chelsea 2016/2017. É sabido que para estes emblemas com plantéis relativamente curtos, participar numa competição europeia deixa de ser uma montra para ser o redobrar dos trabalhos.
Um dos principais factores que proporcionou estes resultados está no banco de suplentes. Marcelino Garcia Toral chegou vindo do Villarreal depois de, por lá, ter sido capaz de pegar no submarino amarillo a partir da segunda divisão, trazê-lo à tona e colocá-lo a funcionar, chegando inclusivé a voar pelas pré-eliminatórias da Champions League.
Mais a Sul, no Mestalla, a tarefa é semelhante, mas agora no terceiro maior emblema espanhol. Marcelino foi capaz de mesclar o que já havia com algumas contratações cirúrgicas, especialmente de jogadores que não estavam a render noutros clubes e dispostos a vingar em novas paragens. Dois dos jogadores mais em foco na equipa chegaram dessa forma, como são os casos de Kondogbia e Gonçalo Guedes. O francês não conseguiu fazer render o seu futebol no Inter, mas no Valencia tem feito parelha com o capitão Parejo no miolo do terreno, impondo o seu futebol possante. Já Guedes, está simplesmente a fazer um início de época ao nível dos melhores jogadores da liga espanhola. Com uma super-confiança, joga e faz jogar, marca e dá a marcar, criando uma verdadeira Guedesmania. Esta mudança foi das melhores coisas que lhe podia ter acontecido, depois de ter jogado pouco no PSG, clube que investiu mais de 400 milhões de euros em jogadores para a sua posição.
Dos que já vestiam a camisola ché, Zaza e Rodrigo são os jogadores mais em foco, a par de Parejo e Soler. Todos eles foram potenciados pelo estado anímico e energia que Marcelino conseguiu imprimir, fazendo o rendimento dos jogadores – e da própria equipa – disparar. Parejo é o capitão e é pelos pés dele que passa todo o futebol murciélago. Soler, que joga como extremo /médio direito, deu o salto desde a Ciudad Deportiva de Paterna sendo agora um dos jogadores mais interessantes deste projecto. Na frente, Zaza, depois de ficar famoso pelo seu jogo de pés no penalty do Euro 2016, só está atrás de Messi na lista de goleadores o que, segundo palavras do próprio avançado italiano, é o mesmo que ser o melhor marcador. Quanto a Rodrigo, sente-se como peixe na água como segundo ponta deste 4-4-2 e tem melhorado o registo de golos e assistências, completando assim o único factor que lhe faltava para ser um jogador de topo: números.
Levou muitos anos até qué, após ter sido bicampeão espanhol com Rafa Benitez, o Valencia voltasse a ter estabilidade. A única coisa que a equipa conseguiu ter em seguida foi dez anos de crise. Pelo meio iniciou a construção dum novo estádio, mas a obra parou a meio por falta de financiamento, estando ainda hoje por acabar.
Numa fase posterior, em 2014, o magnata singapurense Peter Lim comprou 82.3% do emblema e começou a fazer contratações sonantes para o clube, com o apoio de Jorge Mendes. Depositava-se grandes esperanças nestes investimentos, mas o melhor que se conseguiu foi o 4º lugar com Nuno Espírito Santo, logo na primeira temporada. Seguiu-se uma fase em que Valência era apenas uma passagem. Não dava tempo para ninguém criar raiz. Em dois anos, disseram adeus ao clube 4 técnicos e 31 jogadores.
Mas diz o ditado que depois da tempestade vem a bonança. E que quem é vivo sempre aparece. E chega desta brincadeira porque o que é demais é como o que não chega. O clube sobreviveu, esperou e agora chegou o momento de obter resultados. Peter Lim também aprendeu com os próprios erros. Primeiro acalmou com os gastos desmesurados e em seguida contratou um treinador que faz do silêncio um arma para, pelos pingos da chuva, ir desenhando uma carreira de sucesso. No fundo, acabou por fazer aquilo que a filosofia oriental tão bem sabe aconselhar a fazer: estar sossegado.