Último comboio para Bale
Ousmane Dembélé, contratado para colmatar a saída de Neymar, ficou de fora vários meses devido a lesão, pouco tempo depois de se apresentar ao serviço no Barça. Também o brasileiro acabou por não participar no jogo mais importante da época, frente ao Real Madrid, ele que havia sido comprado precisamente para ajudar a vencer a Champions. Por vezes, investem-se valores elevadíssimos em certas aquisições e, em seguida, acaba por não se retirar todo o potencial possível das mesmas. Nos últimos tempos no Santiago Bernabéu, há esse sentimento em relação a Gareth Frank Bale.
O galês é aquilo que se chama, na gíria futebolística, um jogador de cristal. Por fora vemos um rapaz atlético e saudável, por dentro é uma espécie de bonequinho de porcelana, que quebra a qualquer toque.
A rotação de Zidane começou a deixar de tratar o tridente BBC como intocável e, por estes dias, Bale é capaz de fazer dois golos numa partida contra o Las Palmas e, em seguida, ir para o banco frente à Juventus, mesmo estando fisicamente dado como apto.
Pela ala esquerda, onde parece render mais, o Real tem algumas nuances que acabam por incompatibilizar esta solução. Marcelo é um lateral muito ofensivo e a utilização dos dois em simultâneo, acabaria por desequilibrar a equipa. Asensio, cuja posição ideal também é a partir dali, também se tem feito ao piso. Depois, a esquerda é sempre o ponto de partida para o futebol do melhor Cristiano.
Nas estações de Cardiff é onde se sente melhor. A seleção, para ele, funciona como terapia. Quando veste a camisola vermelha do País de Gales parece reencarnar no Flash e transforma-se num humano com super-poderes. Nos dois últimos amigáveis que disputou, marcou um hat-trick à China e facturou frente ao Uruguai. Já é o melhor marcador da história da sua selecção, fazendo cair um recorde que um dia foi de Ian Rush.
A memória portuguesa tem recordações bem guardadas desta qualidade exibicional. Na meia-final do Europeu de 2016, era impossível deixar de olhar para os momentos em que Bale pegava na bola e não ter medo do que pudesse sair daí, nesses maravilhosos tempos em que um Bale de recursos infinitos podia fazer golo a partir de qualquer ponto do campo.
Por Madrid, vive-se agora um misto de sentimentos acerca do galês. Por um lado, gostam de Bale, querem que ele fique e que renda. Vêm nele um possível substituto na hegemonia de Ronaldo, pelas semelhanças físicas e desportivas. Por outro, consideram que ele não está a render o esperado e, por cada vez que é colocado em campo, vê-se o seu valor de mercado descer, fazendo perder dinheiro numa futura venda. É relevante evidenciar que em 4 anos de camisola blanca, Bale já foi emprestado em 19 ocasiões ao Lesões FC.
O “Expresso de Cardiff”, alcunha que lhe puseram, tem passado por um mau bocado nos últimos tempos de Real Madrid, numa montanha russa que não parece ter fim. Tem tido paragens e apeadeiros. Tem tido pausas longas para manutenção. Neste momento, a locomotiva parece começar a descarrilar. As suas maiores forças são também as suas maiores fraquezas. A verdade é que ele está sempre em forma, mas a maioria das vezes simplesmente não está saudável.
Não sabendo o futuro, seria interessante que Bale se começasse a preparar para entrevistas de emprego, que poderiam muito bem ter conversas deste género:
– Qual a melhor característica?
– O físico.
– E a pior?
– O físico.
Situações sempre desconfortáveis.