O Real, a realeza e a realidade
A liga espanhola desde há muito que é um osso duro de roer para o Real. Competir em 38 jornadas contra Lionel Messi sempre foi tarefa praticamente impossível. Antes da conquista da época passada, os madrilenos apenas tinham festejado uma das oito últimas edições. Não é nova esta questão de ter de correr atrás do prejuízo. No entanto, esta temporada o cenário tem ultrapassado tudo o que era expectável. Um modesto quarto lugar a 19 pontos de diferença torna as previsões de início de época bastante equivocadas.
Em Agosto, se se fizesse uma sondagem sobre quem iria ganhar a liga, só o mais extremista adepto do Barça não responderia Real Madrid. Aliás, foi o culé mais famoso do mundo, Piqué, que admitiu, pela primeira vez, que o Real tinha sido superior, quando ganhou a Supertaça espanhola. Quando assim é, quando se admite que se bateu no fundo, não há como descer mais. Serviu como ponto de viragem imediato.
O Real vinha de uma fase onde tinha adicionado um campeonato a duas Ligas dos Campeões consecutivas. E não é fácil uma equipa vencedora continuar a ganhar. O difícil não é vencer, mas sim manter-se no topo, diz-se amiúde. O conhecido cliché futebolístico pode ser apenas mais uma daquelas frases feitas do futebol, mas é o estado actual do Real Madrid. E, como se sabe, em clubes desta dimensão, há responsabilidades a pedir. A posição do técnico é a mais fácil de ser julgada e culpada. O mesmo treinador que pegou num Real à deriva e o tornou vencedor da Liga dos Campeões – duas vezes seguidas – é o mesmo que agora vê o seu lugar por um fio.
Houve vários dossiers mal geridos. A crítica maior tem sido a decisão de terem deixado sair Morata e James, que eram garantias de golos a partir do banco, e que não foram devidamente colmatadas. É relevante salientar que os reforços deste verão como Ceballos, Theo Hernandez e Marcos Llorente são os jogadores menos utilizados de todo o plantel. No lado direito da defesa, uma lesão delicada deixou Carvajal muito tempo de fora, ele que era muito importante em toda a manobra da equipa. No lado contrário, o seu homólogo também não tem estado com a energia que o caracteriza. Era também previsível que a saída de Pepe traria algum défice de qualidade ao sector defensivo. Note-se que, curiosamente, por esta altura, é mesmo Nacho o central com mais minutos na equipa, à frente dos que, pelo menos no plano teórico, seriam os habituais titulares: Varane e Sérgio Ramos. Toni Kroos, Modric e Casemiro, no miolo do terreno, são talvez os exemplos mais explicativos da fase mais negra que o Real atravessa. Este meio campo vencedor de 3 em 4 edições da Champions vê-se agora engolido pelo próprio sucesso. Nota-se mais ansiedade, menos intensidade competitiva e mais decisões erradas.
Na frente, há um imbróglio que tem sido muito discutido. É conhecido o argumento que Isco não consegue fazer a ligação com os avançados de forma eficiente, apesar de conseguir fazê-lo muito bem quando é obrigado a decidir mais por conta própria, como faz com a camisola da seleção. Depois há o pobre Marcos Asensio que, apesar de ser o jogador com mais golo nesta primeira parte da temporada, vê-se obrigado a cumprir a rígida hierarquia merengue, para encontrar o seu espacinho. Esta peça do trio BBC, que só no último jogo contra o Deportivo esteve junto pela desde o mês de Abril de 2017 e apenas por 18 minutinhos, tem sido a mais criticada. Agora tem em mãos outro dossier com uma incógnita. Benzema tem sido o patinho feio da afición e o menino bonito de Zidane, que não viu em Morata um jogador com capacidade para o substituir. Vai entrar um novo avançado? E quem seria? Icardi, Lewandowski ou outro? Ronaldo sairá no Verão? Quer perfil tem de ter o avançado que vier, para se adaptar às características do português?
As primeiras impressões não parecem ser muito acertadas. Perante todas estas nuances, o Real pareceu estar a olhar para outra coisa e não querer fazer a auto-avaliação que seria obrigatória nesta altura. Keylor Navas, que é o único jogador que se tem falado numa substituição, não tem sido problema. A sombra de De Gea e agora de Kepa, negócio que acabou por não se concretizar, andam sempre atrás do costa-riquenho.
A equipa que venceu 3 em 4 Liga dos Campeões e que manteve muitas das peças desse feito, não pode ter desaprendido de repente. Agora, no Bernabéu, resta esperar que os jogos da Champions contra o PSG sejam um ponto de inflexão para esta temporada. Esta é precisamente a competição em que Ronaldo e companhia gostam de vestir o fato de gala. Os duelos entre as equipas das capitais francesa e espanhola, serão mais do que um jogo, mas um seguro de vida. Quem sair morto deste embate, o que sobrar para vencer não será suficiente. E mesmo assim, cabe relembrar, que quem vencer, para ganhar o troféu terá ainda de passar quartos, meias e final.
Não se advinha tarefa fácil para Zidane. Se detetar o problema já é complicado, imagine-se encontrar a solução.