O epílogo de Quique Setién
Chegou ao fim a era de Quique Setién ao comando do Real Bétis. O técnico espanhol, de 60 anos, não resistiu a um final de temporada em que os “verdiblancos” fraquejaram e desiludiram claramente os seus adeptos, e acordou a sua saída com os responsáveis do clube no passado dia 19.
É o fim de duas épocas à frente do clube, nas quais se tornou o segundo técnico da história do emblema bético com melhor percentagem de vitórias, tendo pelo caminho desenvolvido e atraído uma autêntica “legião” de fãs, pela futebol que a sua equipa praticava. Com Setién ao comando, o Bétis excedeu todas as expectativas na temporada passada, averbando 60 pontos, naquele que foi o melhor registo pontual em quase 15 anos.
Isto levou a um aumento das expectativas na prestação da equipa para a temporada que agora termina, que redundaram em desilusão generalizada, apesar de alguns resultados e exibições memoráveis, como a vitória por 4-3 em Camp Nou, frente ao FC Barcelona, ou a vitória frente ao Real Madrid no Santiago Bernabéu por 2-0. De resto, Setién foi o primeiro técnico a vencer em Camp Nou e no Bernabéu na mesma temporada desde o argentino Gregorio Manzano, que alcançou esse registo ao comando do Maiorca, em 2002/03.
O que correu mal?
No fundo, Quique Setién é vítima do seu próprio sucesso. É por sua causa que as expectativas estavam tão elevadas para esta época (desde o início da temporada que se fala numa qualificação para a UEFA Champions League, e essa ambição sempre pareceu demasiado concreta para ser saudável para o normal decorrer do trabalho no clube), é por sua causa que exigir a Europa e a final da Taça do Rei (pelo simbolismo de ter sido jogada no Benito Villamarín, esta época) passou a ser um objectivo praticamente obrigatório para o clube, numa época de grande investimento (investimento esse que Setién, com o seu trabalho, fez por justificar na temporada transacta), e é por sua causa que, com esse investimento, o plantel tem a qualidade que lhe é reconhecida (exceptuando talvez aqui a frente de ataque). Foi principalmente o seu trabalho – e nem tanto os resultados obtidos – na temporada passada que ajudou a convencer jogadores que, em condições normais, teriam mercado e interessados de um nível superior, como o português William Carvalho ou o argentino Giovani Lo Celso.
Foi também certamente a forma como o Bétis joga e jogava que teve um papel fundamental na chegada de outros reforços ao longo do percurso de Setién no clube, como Sergio Canales e, no último mês de Janeiro, Diego Lainez (que deu preferência ao clube espanhol em detrimento do Ajax), ou até mesmo empréstimos como os de Jesé ou Emerson (que, na prática, está emprestado pelo FC Barcelona, apesar de ainda pertencer aos brasileiros do Atlético Mineiro até 30 de Junho).
O seu trabalho trouxe ao Bétis um futebol atractivo, e trouxe também notoriedade, visibilidade e mediatismo. Setién aporta às suas equipas um estilo que traz sempre consigo aficionados ou críticos em grande número, pelo risco envolvido no seu futebol. E, para além das suas ideias facilitarem no recrutamento, ele valorizou também vários dos atletas com quem trabalhou. Transformou Aïssa Mandi num central de grande nível. Deu condições à “lenda” Joaquín, idolatrado por todos no clube, para que este praticasse algum do melhor futebol da sua carreira, com 37 anos. Elevou o jogo de Canales ao ponto deste se ter estreado na selecção espanhola. Apostou definitivamente em Fabián Ruíz (que brilhou na temporada passada no Benito Villamarín, ao ponto do Nápoles ter pago 30M€ pelos seus serviços), Junior Firpo (lateral-esquerdo de enorme valor e potencial) e Francis Guerrero (lateral-direito), e ainda retirou bom rendimento de Loren Morón na época passada.
Setién fez os adeptos acreditarem, pela primeira vez em vários anos, que o Bétis poderia chegar ao actual patamar do eterno rival Sevilla. É, por isso, também por sua causa que estes o cobraram de forma tão vigorosa quando os resultados começaram a não aparecer e o clube se manteve distante do rival na tabela. Num curto espaço de tempo, é pelo trabalho do Setién que os adeptos se tornam tão exigentes, pois antes dele as diferenças de objectivos entre os clubes eram bem visíveis.
Porém, é claro que ninguém pode ficar satisfeito com esta época do Bétis. Nem o próprio Setién. Os últimos 3 meses foram terríveis. A partir do momento em que são eliminados da Liga Europa e da Taça, a equipa baixa drasticamente os seus níveis psicológicos, e os maus resultados vão-se sucedendo. A contestação aumenta, e os assobios ao futebol praticado pelo Bétis são bem audíveis em jogos no seu próprio reduto. O próprio Setién perde um pouco a compostura em alguns momentos de alguns jogos, parecendo não gostar das reacções das bancadas.
É também claro que Setién tem culpas no cartório, esta época. Perante a ausência de um goleador com um mínimo de provas dadas (e aquele que era, de longe, o melhor avançado do plantel (Antonio Sanabria) pediu para sair em Janeiro), ele podia e devia ter moldado a equipa de outra forma. Apesar da sua intenção com a linha de 3 centrais ser perceptível (aumentar as soluções nas primeiras fases de construção, conseguindo simultaneamente conferir outra segurança à equipa para que esta pudesse, por exemplo, projectar ambos os laterais/alas em simultâneo, possuindo assim largura máxima em todos os momentos com bola), sempre fui da opinião de que ele deveria ter mantido a estrutura que mais sucesso lhe trouxe no clube, com uma linha de 4 bem definida, 2 médios prioritariamente de equilíbrios e 3 jogadores criativos e com capacidade para encontrar soluções que permitissem fazer a bola chegar com qualidade à referência na frente de ataque.
Esta nova estrutura trouxe à equipa maior qualidade e segurança na posse de bola, mas retirou-lhe acutilância e desequilíbrio no último terço do terreno. A produção ofensiva foi baixando, os jogadores começaram a duvidar da forma utilizada para chegar ao golo e à vitória (e o facto do plantel não possuir um goleador de créditos firmados apenas acentuou esse facto) e, sem golos, várias partidas que antes provavelmente terminariam com uma vitória, começaram a resultar em empates e derrotas que feriram a confiança e as ambições dos jogadores e da equipa para a temporada.
E aí terá estado talvez o maior erro de Setién: perante esta situação, o técnico insistiu na circulação de bola, desvalorizando a falta de eficácia ofensiva e de criatividade em zonas mais adiantadas. O resultado final acabou por ser uma equipa amorfa, inconsequente e incapaz de se proteger aquando das recuperações de bola adversárias, sobretudo contra formações que exploravam com qualidade o contra-ataque, como é por exemplo o caso do Levante, equipa que bateu o Bétis por um parcial de 7-0 no conjunto dos dois jogos para a La Liga.
O balanço
Independentemente de tudo isto, o balanço global de Quique Setién no Bétis era e ficará como sendo francamente positivo, e a sua continuidade era mais do que justificada. Não acontece porque, à normal contestação dos adeptos (que, como em qualquer outro clube, contestaram as derrotas e celebraram os sucessos da sua equipa), a direcção cedeu de imediato e abandonou completamente um projecto desportivo que ia apenas na segunda época e que parecia sólido e sustentado por parte da mesma (a avaliar por todas as declarações feitas até bem recentemente, bem como pelo investimento feito no plantel). Pior: parecem tê-lo feito para seguirem um caminho que nada tem a ver com aquele que percorreram nos últimos 20 meses, e que vai “cair do céu” no clube. Será descartar uma linha de planeamento para passarem a planear “em cima do joelho”, em função dos resultados que forem obtendo e da bola que entra ou bate na trave.
No entanto, e como em tudo neste desporto, o tempo dirá se esta será uma escolha acertada ou errada para o futuro do Real Bétis.