Martin Ødegaard e “Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar”
Sem pensar muito, quais os talentos oriundos da Noruega que imediatamente vos vêm à cabeça? Caso sejam fãs de futebol, aposto que logo apareceu-vos a imagem de um certo viking de tranças que ajudou o Manchester City a levantar a tão cobiçada orelhuda. Outros ainda, benfiquistas provavelmente, ter-se-ão lembrado de Fredrik Aursnes, um dos obreiros do título da época passada. Quanto a mim, quando penso neste país nórdico, gosto que a primeira figura que me venha à cabeça seja Martin Ødegaard, peça fundamental no puzzle de Mikel Arteta.
Stromsgodset, Real Madrid, Heerenveen, Vitesse, Real Sociedad e Arsenal fazem parte do vasto rol de equipas por onde passou. Aos 16 anos, abdicou do conforto do lar e mudou-se para a cosmopolita cidade de Madrid. É nestes momentos em que questionamos o que andávamos a fazer nesta idade. Pessoalmente, tentava enfrentar o ensino secundário e o terror que era a matéria de álgebra lecionada em Matemática A. Para Ødegaard, apesar da transferência para um clube de classe mundial, as coisas por vezes pareceram uma equação de terceiro grau de complicadíssima resolução. Se eu questionava a minha habilidade para as ciências exatas, alguns adeptos questionavam a habilidade do médio com a bola nos pés após sucessivos empréstimos na Eredivisie e na La Liga.
A busca por afirmação no futebol europeu ganhou novos contornos com a ida para a Real Sociedad. Junto de La Real pôde desenvolver-se no 4-3-3 de Imanol Alguacil – aperfeiçoou a técnica e tornou-se temível com a sua agressividade e capacidade de criação de oportunidades, movimentando-se para quebrar linhas de pressão. Lembro-me de uma destas movimentações do norueguês contra o Sporting na Liga Europa. Por breves segundos, julguei que fosse ver a ida aos quartos-de-final da competição por um canudo.
Quando julgávamos estar preparado para assumir em definitivo um papel preponderante no meio-campo do Real Madrid junto de Fede Valverde e Modrić, um clube do norte de Londres, com equipamento vermelho e um discípulo de Pep Guardiola a treinador, acolheu-o no Emirates Stadium. Era o começo de um casamento perfeito – se é que tal conceito existe. Aquilo que seria mais um empréstimo na carreira de Martin Ødegaard tornou-se num absoluto ponto de viragem, acabando em transferência em definitivo para os gunners.
O projeto de Mikel Arteta é ambicioso, talvez um dos mais interessantes de acompanhar no campeonato inglês a par do Brighton de De Zerbi ou o Aston Villa de Unai Emery. Tal como o Liverpool por algumas épocas, este Arsenal veio destabilizar os galáticos de Guardiola. Mesmo perdendo a luta pelo título em 22/23, ficou a imagem de um plantel competitivo e com uma qualidade individual excecional, surgindo à cabeça nomes como Trossard, Bukayo Saka, Gabriel Martinelli e Xhaka. No verão, souberam ir ao mercado e apostaram na vinda de Declan Rice, um jogador inglês a seguir esta temporada.
Neste projeto, Martin evoluiu e cedo o treinador espanhol entendeu que teria de nomeá-lo capitão. Antes dele, Patrick Vieira, Thierry Henry, Cesc Fàbregas e Aubameyang também lideraram a equipa no seu tempo. Com 24 anos, carrega aos ombros a responsabilidade de um veterano. Em campo, joga e faz jogar. É astuto no uso dos timings em que corre e/ou pressiona o adversário, orquestrando os colegas com uma batuta imaginária a partir do lado direito do campo. Fora das quatro linhas, demonstra-se constantemente envolvido na vida do clube e é um dos elementos do plantel mais acarinhados pelos adeptos – aliás, impossível seria não simpatizar com este jogador.
Num texto para o Player’s Tribune, demonstra-se orgulhoso por usar esta braçadeira. Refere ainda depositar uma confiança tremenda no plantel que o rodeia, sublinhando que não há limites para aquilo que poderão alcançar. É positivo para o futebol poder ler as palavras de um jogador na primeira pessoa, contribui para a sua humanização longe dos sensacionalismos habituais de alguma comunicação social.
No passado dia 6 de agosto, levantou finalmente o primeiro e merecido título ao serviço do Arsenal. Defrontaram o Manchester City numa partida renhida para Supertaça inglesa e venceram-lhes nos penáltis após Martin Ødegaard ter marcado um dos primeiros e De Bruyne e Rodri não terem convertido. Provavelmente, não será o único troféu que conseguirá junto do clube londrino.
Na maioria das vezes, o percurso no futebol não transporta de imediato os jogadores para o estrelato. Por exemplo, German Cano, atual jogador do Fluminense e o 2.º melhor marcador da Libertadores, só alcançou o devido reconhecimento recentemente O importante é saber esperar pelas oportunidades e não deixar de trabalhar para elas. O desporto precisa de mais Martins Ødegaards.