O “Jogo da Vida”: futebol no cerco de Leningrado.
Leningrado – atualmente São Petersburgo – é conhecida como a “Cidade dos Hérois”, essa honra foi conquistada graças ao papel desempenhado pelos seus habitantes no “assalto aos céus” em Outubro de 1917, mas, sobretudo, pela heroica resistência da cidade e das suas gentes à ofensiva e cerco Nazi (1941-1944).
Durante um duro cerco 3 anos – a conquista de Leningrado, por sua posição estratégica, era um dos principais objetivos das forças nazistas –, a cidade foi bombardeada diariamente por artilharia alemã por um período de dois anos consecutivos, ao mesmo tempo que se viviam dos invernos mais duros (com temperaturas a rondar os -30º) e as provisões de bens de primeira necessidade para os habitantes e forças soviéticas eram estimadas como suficientes para apenas 60 dias.
Contudo, no auge da barbárie e de todas as dificuldades, os bravos cidadãos de Leningrado deram ao mundo vários exemplos de coragem, de desejo de viver e triunfar frente ao nazi-fascismo – e o desporto rei, obviamente, desempenhou o seu papel neste momento trágico da história contemporânea.
Começo pelo grande evento cultural, na manhã de 27 de Dezembro de 1941, na Avenida Nevsky (um ponto central e a artéria mais pulsante da cidade, assim chamada em homenagem a Alexandre Nevsky, um príncipe e guerreiro medieval que derrotou os cavaleiros teutónicos) juntam-se elementos da Filarmónica de Leningrado, que presenteiam a cidade com a belíssima 7ª sinfonia de Dimitri Shostakovich – que era um apaixonado pelo futebol, ao qual chamava com todo carinho de “o ballet da classe operária”.
Pelas 14h do dia 31 de Maio de 1942, um apito ecoou por toda a cidade dando início a um breve espetáculo desse “ballet da classe operária” para alegria de toda Leningrado. De um lado, estava o Dínamo Leningrado e, do outro, os metalúrgicos da fábrica Nevsky Zavod,
A bola rolou por 30 minutos e o resultado foi de 6:0 a favor do Dínamo. Mas, certamente, foi o facto menos importante do encontro, que foi coberto por uma radio de Leningrado e pela agência TASS, que enviou o seu fotografo Boris Vasiuntinsky que escreveu o relato do jogo e nos deixou o único registo visual deste histórico jogo.
Este foi o cerco mais destrutivo de toda a História, onde, durante 3 anos, mais de 1 milhão de cidadãos soviéticos pereceram devido aos bombardeamentos e à escassez de alimentos, água e aquecimento (esta cifra não conta com as casualidades de militares do exército vermelho).
Vários foram os atletas do Dínamo Leningrado que combateram na Grande Guerra Patriótica. Um deles, Nikolai Sevtlov, descreveu como foi receber a notícia desta partida na frente de guerra:
“Nunca hei-de esquecer o dia em que recebi a notícia do jogo do Dínamo, estava sentado na minha trincheira em Sinyavino a apenas 500 metros dos alemães. Eu não conseguia acreditar no que estava a ouvir. Eu pulei e saí a correr para falar com o nosso homem do rádio e ele diz-me: «Sim! Houve um jogo de futebol Leningrado!». Vocês deviam ter visto a alegria em todos os nossos soldados!”
Este jogo foi denominado como o “Jogo da Vida”, pois durante o ano de 1942 a Luftwaffe soltou pela cidade milhares de panfletos com a mensagem “Leningrado, a cidade dos Mortos!”. Por isso, o verdadeiro resultado deste jogo foi um grito de um povo que desejava viver e resistir à barbárie, um sinal de humanidade e esperança. Honra seja feita aos cidadãos de Leningrado e que a sua coragem e resistência ecoe na História.