O porquê dos jogadores continuarem a apostar

Nuno CanossaOutubro 17, 20234min0

O porquê dos jogadores continuarem a apostar

Nuno CanossaOutubro 17, 20234min0
Nuno Canossa tenta descobrir o porquê dos jogadores continuarem a apostar e a cometer acções ilegais e antidesportivas

O que têm Michael Jordan (Basquetebol), Tiger Woods (Golfe), Michael Vick (Futebol Americano) e Pete Rose (Basebol) em comum, para além de carreiras de estrelato nas modalidades representadas? Casos controversos de gambling, que têm afetado tantos outros atletas nas últimas décadas.

Mas, não sendo o conceito das apostas desportivas uma invenção da era contemporânea – já no Império Romano se apostava em corridas ou boxe -, o mundo online permitiu a difusão e massificação do betting, tornando-se essencialmente complexo separar o desporto das odds, principalmente para os seus intervenientes. Mas, afinal, o que leva jogadores milionários – como os casos recentes de Ivan Toney ou Nicolo Fagioli – a colocarem as suas carreiras em risco por lucros inferiores aos exorbitantes salários que auferem?

Primeiramente, é importante notar que o valor de uma conta bancária não isenta ninguém dos seus vícios. Vícios esses que são comuns a uma considerável percentagem da humanidade: tabaco; álcool; redes sociais; e, claro, apostas, sejam desportivas ou não. Tudo com base na estimulação da dopamina que, por sua vez, estimula o regresso a estes vícios, uma e outra vez. Sendo, no caso das apostas, a relação risco/recompensa uma constante entusiasmante. Se se tiver em conta esse processo cognitivo e a natureza aditiva do gambling, resta perceber o porquê de alguém, mesmo assim, optar por apostar recorrentemente, sabendo que há muito mais a perder do que a ganhar.

Na realidade, são duas características comuns à generalidade dos vícios: disponibilidade e publicidade. Em primeiro lugar, a forma como a internet permite que uma aposta, como tantos outros pequenos detalhes do nosso quotidiano, seja prática, instantânea, isenta de espaço e tempo. E, tal como a pornografia, não há falta de plataformas alternativas, nem todos os consumidores são maiores de 18 anos. Em suma, não é necessário conhecer um amigo de um amigo que faça um negócio especial que requer um encontro numa localização dúbia e oculta da cidade para realizar uma aposta no próximo El Clásico.

Posto isto, o fator mais crucial para o sucesso das casas de apostas é, sem dúvida, a publicidade. A persuasão e sugestão que nos acompanham todos os dias no caminho até ao trabalho (e de volta a casa!) espalhadas pelas ruas, nos nossos ecrãs – sejam os que caminham nos nossos bolsos, que nos miram do canto do teto dos cafés ou os que nos esperam no móvel da sala -, cujas mensagens penetram intrusamente os nossos ouvidos e olhos. E que tanto servem para vender o novo hambúrguer da cadeia de fast food como para recordar a odd do Manchester City para vencer a próxima edição da Champions League.

Com a particularidade de a relação das apostas com o mundo do desporto ser ainda mais paradoxal. É que são os mesmos intervenientes – jogadores, treinadores, staff – proibidos de apostar na própria modalidade que envergam o nome da casa de apostas a cada partida realizada. Na Premier League são 8 (Aston Villa, Bournemouth, Brentford, Burnley, Everton, Fulham, Nottingham e West Ham) as equipas que dão azo a esse disparate antagónico (por enquanto!), sem esquecer as nossas federações que vão alterando o naming das suas competições consoante a legalidade das casas de apostas em Portugal.

Não quer isto isentar os jogadores, mas sim demonstrar que, tanto quanto o resto da sociedade, também os protagonistas dos jogos são vítimas deste incêndio de um desejo irracional que pode conduzir qualquer um aos limites da razão. Até porque não são nem as maiores vítimas, nem o público-alvo, sendo fundamental notar que a aposta é uma armadilha de uma brilhante letalidade, apenas possível numa sociedade do espetáculo e do consumo, com a perigosa particularidade de cobrir todo o poder de compra.


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