“O Homem com uma câmera de fotografar”: Alexei Khomich de ídolo de Yashin a fotografo desportivo
Sempre que pensamos em guarda-redes e União Soviética, o nome Lev Yashin assola o nosso imaginário: a camisola negra, os seus majestosos voos de rapina a segurar firmemente nesse objeto de desejo que é a bola, destemido e com uma frieza mental. Mas toda essa memória visual – que nos chegou essencialmente através de registo fotográfico – deve-se ao trabalho de um outro guarda-redes soviético, Alexei Khomich.
Parafraseando o filme avant-garde soviético de Dziga Vertog, “O homem com uma câmara de fotografar” começou a sua carreira no clube da fábrica de processamento e corte de carnes onde trabalhava e representava o soviet do Partido Comunista da União Soviética. Em 1940, tem a sua estreia nos campeonatos soviéticos pelo Pishevik, mas com o inicio da Operação Barbarrossa – a invasão da URSS, em 1941, pelas forças nazi-fascistas –, Khomich é convocado para o Exército Vermelho e enviado para a frente Oriental, sendo colocado em Teerão.
Em 1944 regressa à sua cidade natal e disputa, pela primeira vez, o campeonato de Moscovo, era o guarda-redes titular do Dynamo. No ano seguinte, sagra-se campeão da URSS e disputa uma série de jogos amigáveis no Reino Unido.
Numa altura em que o espírito anti-fascista ainda se encontrava fortalecido pela vitória recente dos Aliados frente às forças do Eixo, a Football Association convidou o campeão da URSS para realizar um conjunto de jogos com várias equipas das Ilhas Britânicas.
A 4 de Novembro de 1945, partiam de Moscovo duas aeronaves com destino a Londres, a bordo iam o plantel do Dynamo Moscovo e alguns atletas convidados dos clubes rivais (CSKA Moscovo e Dynamo Leningrado).
A primeira partida foi disputada a 13 de Novembro ,opondo o conjunto soviético ao Chelsea, onde 90.000 pessoas assistiram a um eletrizante empate a 3 golos.
Seguiu-se uma deslocação ao País de Gales, na qual o Dynamo venceu o Cardiff City por 10-1. Regressados a Londres, os soviéticos venceram o Arsenal, em White Hart Lane, por 4-3. Despediram-se dos estádios britânicos a 28 de Novembro, desta vez com um empate (2-2) frente ao Rangers no Ibrox Park (Edimburgo).
O jogador do Dynamo que mais impressionou a impressa desportiva britânica e os amantes do futebol foi, precisamente, Khomich. A sua coragem frente as investidas do ataque das equipas britânicas e inteligência a “ler o jogo” valeram-lhe o apelido de “Tiger” (Tigre). Lev Yashin, numa entrevista, confessou que Khomich foi o seu ídolo e grande mentor, tendo-se inspirado profundamente no seu estilo de jogo.
Khomich pendurou as luvas em 1949, mas conciliou a sua paixão pelo futebol com o seu segundo amor, a fotografia.
Conhecedor de todas as subtilezas do jogo, Khomich sabia onde se colocar para captar a essência dum lance num fotograma. Ficou conhecido por se colocar atrás da baliza do Dynamo, ou da URSS, com o intuito de dar conselhos e apoio moral ao seu grande amigo Yashin.
Khomich colaborou com as revistas “Futbol” e “Desporto Vermelho – seção desportiva do jornal Pravda” até 1980, ano em que faleceu com 60 anos de idade.
Mas a grandeza humana de Khomich também se revelou na sua carreira fotográfica. A 17 de Abril de 1971, na partida CSKA vs Yerevan Ararat, Leonid Schmutz – guarda-rede do CSKA – ao tentar lançar a bola com a mão, acaba por a colocar na sua própria baliza.
O jogo terminou 1-0 e foi decisivo para o desfecho do campeonato. Quando interrogado pelo chefe de redação do Pravda sobre onde estavam as fotografias do lance, Khomich contou que destruiu os negativos do lance, pois jamais permitiria que tais fotografias fossem publicadas e que seria sempre solidário para com um colega de baliza.