Eusébio no exército

João FreitasAbril 30, 20243min0

Eusébio no exército

João FreitasAbril 30, 20243min0
João Freitas traz um tema muito actual com a passagem de Eusébio no exército português e que tem um impacto social e histórico

Eusébio da Silva Ferreira, uma das maiores lendas do futebol português, não era apenas conhecido pela sua habilidade dentro de campo, mas também pela sua breve passagem pelo serviço militar. Em 1962, enquanto brilhava no Benfica, Eusébio recebeu propostas tentadoras de clubes europeus, mas a intervenção do governo de Salazar o transformou em uma espécie de “monumento nacional”, impedindo sua saída do país. Em vez disso, ele foi enviado para o exército, tornando-se o recruta 1987/63 da 1.ª bateria de instrução do RAAF.

O discurso sobre o negro durante o Estado Novo mudou nos anos 60, adotando uma retórica integracionista que retratava o africano como plenamente integrado. Eusébio personificava bem essa imagem, destacando-se no cenário desportivo português da época. No entanto, sua notoriedade contrastava com a representação tradicional do africano na cultura popular, geralmente ridicularizado. O Estado Novo contribuiu para disseminar um racismo generalizado, embora tentasse promover uma imagem de plurirracialíssimo lusófono.

O serviço militar de Eusébio no Exército Português durante o regime salazarista desempenhou um papel importante na narrativa de inclusão racial promovida pelo Estado Novo. Ao incorporar uma figura proeminente do desporto nacional, de origem africana, nas fileiras militares, o regime buscava reforçar a imagem de uma sociedade supostamente unida e integrada, independentemente da cor da pele. A participação de Eusébio em torneios e eventos desportivos militares, tanto nacional quanto internacionalmente, também serviu como uma demonstração pública da suposta igualdade racial dentro das forças armadas portuguesas. Embora a realidade da discriminação racial e segregação persistisse em outras esferas da sociedade, a presença de Eusébio no exército ajudou a alimentar a narrativa de que Portugal era uma nação aberta e inclusiva, em linha com os ideais propagandeados pelo regime salazarista.

Eusébio continuou sua carreira militar enquanto jogava futebol, participando de encontros e torneios entre as forças armadas de diferentes países:

Lisboa – 26 de Fevereiro de 1964: Portugal 7 – Luxemburgo 1

Luxemburgo – 25 de Março de 1964: Luxemburgo 3 – Portugal 3

Porto – 1 de Abril de 1964: Portugal 0 – França 0

Nantes – 15 de Abril de 1964: França 2 – Portugal 1

Atenas – 25 de Novembro de 1964: Grécia; 1 – Portugal, 1

Eusébio, originário de Moçambique, tornou-se um símbolo de sucesso desportivo em Portugal, especialmente no futebol. Sua autobiografia retratava-o como um indivíduo assimilado à sociedade portuguesa, preocupado com o trabalho e a família. No entanto, sua ascensão não representava uma consciência de igualdade racial na sociedade portuguesa, mas sim seu valor como atleta num contexto de profissionalização do futebol.

Apesar da glorificação de Eusébio, sua trajetória não refletia a realidade da população africana em Portugal na década de 60. Maputo (na altura Lourenço Marques), onde Eusébio cresceu, era uma cidade segregada, onde a discriminação racial era evidente mesmo após o fim do sistema de indigenato. O trabalho era fortemente racializado, refletindo a herança do colonialismo português. A extraordinária carreira de Eusébio, embora única, não deve ser vista como um modelo para as relações raciais em Portugal. Em vez disso, destaca as complexidades e contradições do colonialismo português e a persistência da discriminação racial mesmo após o fim do regime colonial.

Fonte: Exército Português
Fonte: Exército Português

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