Catania 2007: o dérbi siciliano que parou o futebol italiano

João FreitasAgosto 24, 20254min0

Catania 2007: o dérbi siciliano que parou o futebol italiano

João FreitasAgosto 24, 20254min0
O Catania Palermo de 2007 terminou num caos que se espalhou pela cidade, e João Freitas relembra este episódio neste artigo

Na tarde de 2 de Fevereiro de 2007, durante o derby siciliano entre Catania e Palermo no Estádio Angelo Massimino, em Catania, ocorreu um motim violento que resultou na morte do inspetor de polícia Filippo Raciti; o incidente levou à suspensão imediata do futebol em Itália, evidenciando uma crise de segurança nos estádios e provocando uma vaga de reformas urgentes no desporto nacional.

O protagonista trágico deste acontecimento foi o inspector-chefe Filippo Raciti, um agente da Polizia di Stato, que servia no X Reparto Mobile de Catania desde Dezembro de 2006. Tinha quase 40 anos, era casado, pai de dois filhos (de 15 e 9 anos), e residia em Acireale. Era reconhecido pelo seu envolvimento social — era doador de sangue, voluntário da Cruz Vermelha Italiana, e tinha decidido doar os seus órgãos.O motim eclodiu antes, durante e sobretudo após o dérbi entre Catania e Palermo, um dos confrontos de futebol mais tensos de Itália. A confusão começou com o lançamento de pirotecnia durante o minuto de silêncio, prosseguiu com a entrada atrasada dos adeptos do Palermo e escalou em confrontos com as forças da ordem. O árbitro Stefano Farina chegou a suspender a partida por cerca de 40 minutos devido ao uso de gás lacrimogêneo por parte da polícia. O fumo invadiu também o campo prejudicando os jogadores. Após o fim do jogo — uma derrota do Catania por 2‑1 — os confrontos intensificaram-se no exterior do estádio, culminando com a morte de Raciti, causada por traumatismo hepático resultante de um objeto contundente.

Os acontecimentos ocorreram a 2 de Fevereiro de 2007, com o jogo antecipado para esse dia com início às 18h para evitar a sobreposição com as festividades da festa de Sant’Agata, padroeira de Catania. Tudo aconteceu em Catânia, cidade da Sicília, no Estádio Angelo Massimino — epicentro do dérbi local entre as equipas de futebol de Catania e Palermo. Catania, situada na costa leste da Sicília, é uma metrópole histórica e cultural, rodeada pelo Monte Etna.

A escalada de violência teve várias etapas: desde o lançamento de artefactos pirotécnicos ao uso de gás lacrimogêneo pelas autoridades. A partida foi suspensa, mas no exterior persistiram confrontos entre ultras do Catania e a polícia, numa mistura de raiva, pânico e ausência de controlo. A situação culminou com o ataque mortal a Raciti, cuja lesão fatal foi provocada pelo impacto físico de um objeto contundente. Vários fatores convergiram neste motim: a rivalidade intensa entre as claques de Catania e Palermo; o ambiente carregado do dérbi em si; e a proximidade à festa de Sant’Agata, que aumentou a tensão no seio da cidade. Além disso, existia uma fragilidade estrutural na segurança dos estádios, que eram frequentemente acusados de não cumprir as normas do “Decreto Pisanu” (2005), sobre controlo e regulamentações em recintos desportivos.

A morte de Raciti provocou uma onda de choque em Itália. O comissário extraordinário da Federação Italiana de Futebol (FIGC), Luca Pancalli, suspendeu todos os campeonatos de futebol — profissionais e amadores — bem como jogos das seleções nacionais por tempo indeterminado. O governo italiano utilizou o momento para reforçar imediatamente as normas de segurança: proibiram-se fogos de artifício na entrada, impediram-se jogos nocturnos durante Fevereiro, proibiu-se a venda em bloco de bilhetes a adeptos visitantes, e reforçou-se o uso do chamado “DASPO preventivo” para impedir que hooligans frequentassem eventos desportivos.

O Estádio Angelo Massimino foi interditado até ao fim da temporada, e o Catania foi obrigado a jogar os seus jogos em casa em recintos neutros, muitas vezes à porta fechada. Houve recursos judicializados nos tribunais administrativos (TAR), com sentenças contraditórias sobre permitir ou não público nos jogos finais da época. O campeonato retomou cerca de uma semana depois, em 11 de Fevereiro, mas com medidas de segurança mais rigorosas. Na vertente simbólica, o episódio suscitou manifestações de solidariedade e protesto em Catania: jovens colocaram flores no estádio com slogans como “Catania, acorda. Catania, mostra o teu desgosto”; houve cortejos que reuniram milhares de pessoas em apoio à polícia e contra a violência. Além disso, o estádio de Quarrata, na Toscana, foi o primeiro a ser dedicado à memória de Raciti, com a presença da viúva na cerimónia, em 10 de Março de 2007.

O motim de Catania em Fevereiro de 2007 não foi apenas um lamentável episódio de violência no futebol: foi um momento decisivo que forçou uma mudança profunda nas políticas de segurança nos estádios italianos. Respondendo às inevitáveis perguntas jornalísticas — quem, o quê, quando, onde, como e porquê —, percebe-se que este trágico acontecimento marcou o ponto de viragem entre a tolerância letárgica perante a violência dos ultras e uma resposta institucional firme e estruturada, que procurou evitar que outro Raciti caísse vítima dessa realidade turbulenta.


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS