Hugo ‘Muxaxo’ Silva. “A nossa história não vai sair de Macau”
A ligação portuguesa com Macau já não é só histórica ou social, mas também desportiva com a presença de vários jogadores lusos por este antigo entreposto comercial dos Descobrimentos. Um desses nomes é o de Hugo Silva, jogador do Benfica de Macau, clube que no presente ano elevou o nome do futebol macaense a nível continental com uma histórica presença na AFC Cup.
Quem é Hugo “Muxaxo” Silva? E qual é a sua história em Macau? O jogador formado no FC Porto e que deu os primeiros passos como sénior na 3ª divisão portuguesa, fala aos leitores do Fair Play das suas aventuras em terras asiáticas!
Em primeiro lugar, Hugo, muito obrigado por teres aceitado o convite do Fair Play para a realização desta entrevista. Hugo André Reis Silva, mas também conhecido por “Muxaxo”. Porquê essa alcunha?
HS. A alcunha vem do tempo da formação do FC Porto e foi lançada pelo treinador Vítor Pereira, porque era moreno e tinha o cabelo escuro e liso. Então dizia que era parecido com um mexicano, surgindo daí o “muchacho”, que, traduzido em português, significa “rapaz”.
A tua carreira foi maioritariamente desenvolvida em Portugal, à excepção da época 2015/2016 na qual surgiu uma oportunidade no US Lusitanos das divisões inferiores de França. No início de 2018, com 28 anos, acabas por te mudar de malas e bagagens de Anadia para Macau num ápice, com vista a envergar as cores do Benfica. Que volta incrível na tua vida…
HS. Sim, uma volta incrível… Fui para o outro lado do mundo, onde o dia começa bem mais cedo do que em Portugal.
Conta-nos como foi a tua primeira impressão assim que pisaste solo macaense. A influência portuguesa é muita?
HS. Cheguei de noite e só via luzes dos hotéis (casinos) e prédios enormes. Sim, ainda se vê muita influência portuguesa quer nas pessoas, nos restaurantes, escolas, placas com indicações, ruas, monumentos, estátuas, etc. Acho que no Oriente, sobretudo nesta zona, vai existir sempre influência e raízes portuguesas, mesmo pertencendo à China. A nossa história não vai sair daqui.
Fala-nos um pouco do teu dia-a-dia e de como é viver numa região que fora administrada por Portugal por mais de 400 anos.
HS. O meu dia-a-dia passa por treinar, jogar, viajar, conhecer a cidade e, ao mesmo tempo, conviver com alguma comunidade de portugueses que vou conhecendo aqui e que tem vida por cá. Sem esquecer as séries e os filmes, claro.
O campeonato, competitivo? Quem são os restantes adversários e como funciona a Liga de Elite e o futebol na sua globalidade?
HS. O campeonato é competitivo, mas há uma grande diferença entre as equipas que lutam pelo título e as que lutam para não descer. Por isso surgem as goleadas por vezes inusitadas. A liga é constituída por 9 equipas e é feita em 2 voltas onde existe também a prova da Taça de Macau. Existem clubes de matriz portuguesa e outros de matriz chinesa.
O futebol macaese tem tudo para crescer, mas, para isso, quer a Federação, quer a Associação de Futebol de Macau deveriam prestar mais apoio às equipas para que estas possam evoluir. Por aqui ainda se vêem jogadores com qualidade, tanto locais como estrangeiros.
Como é vivido o futebol em Macau? É parte integrante da cultura dos habitantes?
HS. Em Macau, o futebol não é vivido como em Portugal ou outros países da Ásia. Penso que poderia ser mais vivido de forma mais intensa. Sinceramente, acho que o jogo de casino está muito mais enraizado na cultura dos habitantes do que propriamente o futebol em si (risos).
E o ‘dérbi’ com o Sporting? Sempre intenso?
HS. Não há a mesma rivalidade do que no dérbi português, obviamente. Mas sim, tem a sua rivalidade e é levada mais a sério pelos portugueses até por causa da matriz em questão.
Como explicas o domínio do Benfica de Macau no campeonato visto que é, atualmente, tetracampeão?
HS. O domínio deve-se ao facto do Benfica de Macau já ter uma estrutura e um staff superiores ao dos rivais. Depois, consegue atrair os melhores locais e consegue reforçar-se com alguns estrangeiros. Penso que a base da equipa está bem montada porque já vem de anos atrás.
Este ano entrou nos registos do clube e do futebol macaense devido à presença do Benfica de Macau na AFC Cup pela primeira vez na história. Como tem sido o ambiente em torno da equipa? E o apoio da massa adepta?
HS. O ambiente em torno da equipa é de novidade e de euforia por poderem ver o futebol de Macau a cimentar a sua posição no continente asiático e no resto do mundo. E é o Benfica de Macau que os está a representar.
Em relação a massa adepta tenho de lhes dar os meus sinceros parabéns. Fico estupefacto por ver um grupo de adeptos que marcam presença em todos os nossos jogos. Não falham um único. Têm sido incansáveis. Até mesmo quando regressámos da Coreia do Norte eles estiveram à espera no aeroporto para nos receber, apesar de alguns resultados negativos. Valorizo-os e tenho uma grande admiração por eles.
Grupo I com dois conjuntos da Coreia do Norte (25 de abril SC e Hwaepul SC) e do Taiwan (Hang Yuen FC). Jogar no país “mais fechado do mundo” é um desafio único, mas qual foi a sensação? Conta-nos a tua experiência.
HS. É uma sensação e experiência únicas que levo para o resto da minha vida. Sinto-me um afortunado. A experiência correu bem, para aquilo que tinha em mente. Fomos bem tratados e sentimo-nos seguros, como em qualquer outro país. Agora, eles têm as suas regras e tens de obedecer.
A nível desportivo, nota-se que são um povo apreciador e criam uma boa moldura humana mesmo nos maiores estádios, para mais de 10 mil pessoas.
Relativamente aos estádios, são muito desenvolvidos e as condições são top. Posso dizer que joguei no maior estádio do mundo, o “Primeiro de Maio de Rungrado”, em Pyongyang.
A cidade em si, é moderna. Grandes avenidas, prédios, mas parece que está parada no tempo. Não se vê muito comércio e as pessoas vestem-se todas de igual forma com fato escuro e sapatos, fogem a certas perguntas, não conhecem o Cristiano Ronaldo nem o Eusébio e a internet deles só dá para ver horários dos transportes e a meteorologia, ou seja, é inexistente. Pelo contrário, os habitantes zelam pelo seu país e estão sempre em trabalhos como limpar as ruas, tapar os buracos nas estradas, etc.
Por fim, um turista não tem liberdade como noutro país. Só podes sair do hotel na companhia do guia que te recebe no aeroporto e com ele andas todos os dias durante a tua estadia. Havia muito mais coisas para contar… Mas fica para uma próxima (risos).
Tens alguma saudade do futebol português ou o facto de estares a jogar em competições internacionais na Ásia faz-te esquecer o que ficou para trás?
HS. Tenho sempre saudade do nosso futebol… Não sou hipócrita a esse ponto até porque somos dos países onde melhor se joga e mais se respira futebol. Mas sim, participar numa prova internacional da Ásia faz-me esquecer um pouco. Arrisquei e, até ao momento, não me arrependo em nada. Vou seguindo o futebol português desde a primeira divisão até ao distrital de Aveiro. Estou sempre a par dos resultados e das classificações.
Fizeste parte da tua formação no FC Porto… o que faltou para vingar nas principais divisões em Portugal? E achas que ainda vais a tempo de jogar na Liga NOS?
HS. Faltou sorte, um poucos mais de juízo e um melhor acompanhamento… Mas isso faz parte da adolescência e as oportunidades vão passando. Contudo, não me sinto arrependido. Aprendi muito e penso sempre positivo porque a vida é mesmo assim. O futebol é um conjunto de momentos e esses momentos já fazem parte do passado. Agora há que pensar e viver o que se tem para viver. Neste momento estou a viver uma aventura nova e depois logo se vê.
Sinceramente, agora não penso muito nisso. Já pensei, matutei muito e fui iludido muita vezes. Agora penso nestas oportunidades que surgem. No entanto, acho que ainda ia a tempo de me poder mostrar na Liga NOS. Sou novo ainda (risos)… E só é preciso uma única chance. Nunca se sabe o dia de amanhã.
Já jogaste em França, no Campeonato de Portugal e agora Macau, o que prova que não receias o desafio. Que conselhos tens para jovens futebolistas que têm medo de sair da sua zona de conforto?
HS. Para os jovens aconselho a que apostem nas suas carreira até aos 24 anos para ver se chegam ao patamar mais alto do futebol português. Se isso não acontecer, não tenham medo de arriscar numa oportunidade que surja para fora seja qual for o destino. Infelizmente, tenho a certeza que irão ser mais valorizados fora do que em Portugal.
Algum dos teus colegas de formação dos tempos do FC Porto chegou longe? O que é preciso em termos psicológicos para chegar ao nível sénior e manter-se jogador profissional de futebol? Alguma vez pensaste em fazer outra coisa que não ser futebolista?
HS. Tenho muitos colegas que jogaram comigo no FC Porto, na Académica e até mesmo na Seleção que chegaram longe. Tenho orgulho de os ver jogar e poder dizer joguei com eles. É preciso acreditarmos sempre em nós e saber ultrapassar os momentos maus. Depois, não nos podemos “deixar levar” ou sermos influenciados por terceiros. Temos pensar em nós, estabelecer um foco, uma meta. O Cristiano Ronaldo é o maior exemplo disso mesmo. Nunca pensei em outra coisa, sempre sonhei ser futebolista.
Qual é a tua principal força nos momentos mais difíceis?
HS. A minha maior força vem das pessoas que estão longe de mim e que fazem parte da minha vida como a minha mãe, namorada e amigos chegados. Penso muito no meu falecido tio que sempre me acompanhou desde pequeno, mas que agora já não está entre nós. Foi como um pai para mim.
Por fim, como te defines enquanto jogador de futebol? E quais são os teus objetivos para 2018?
HS. Como jogador sou versátil, faço bem a posição de lateral e médio esquerdo. Sou intenso, com boa qualidade de passe, boa técnica e inteligente tacticamente. Objectivos? Não sei… Logo se vê o que me reserva, como se costuma dizer. O meu futuro pertence a Deus e ao meu agente.