Gonçalo Roque e Kinga Grzeskow. “A criação do nosso duo foi marcante”
Hoje o Fairplay veio entrevistar o Gonçalo Roque e a Kinga Grzeskow, uma dupla de artistas que formam o “Duo Destiny” há cerca de 5 anos. Vamos conversar com eles e conhecê-los melhor, deixando desde logo um agradecimento pela disponibilidade destes atletas em conversar connosco.
Cada um de vós tem um percurso desportivo individual único, enquanto ex-atletas de ginástica acrobática, e sobre o qual gostaria que cada um falasse: Com que idade começaram a praticar; durante quanto tempo competiram e quais foram os melhores resultados alcançados?
Gonçalo: Iniciei a minha prática de Ginástica Acrobática com cerca de 10 anos na Academia Gimnodesportiva de Samora Correia. Com 19 anos mudei-me para o Ginásio Clube Português até aos meus 23 anos, sendo que foi neste clube que obtive os resultados mais relevantes da minha carreira: Bi Campeão Europeu ( 2011 e 2013 ), Vencedor e medalhado e diversas Taças do Mundo e 1 lugar no Ranking Mundial em 2013. Fui também medalha de Prata nos World Games 2013 em Cali.
Kinga: Comecei a praticar ginástica acrobática aos 7 anos, tendo treinado durante cerca de 11. Os meus melhores resultados como acrobata foram o 3º lugar no Campeonato Europeu em 2006, em Par Feminino, e depois o 3º Lugar no escalão Sénior numa Taça do Mundo, em Forli em 2011.
Após terminarem a vossa carreira competitiva, passaram a ter rotinas e dia-a-dias diferentes. Como correu a adaptação a essa nova fase das vossas vidas? Já tinham alguns planos profissionais definidos em relação ao futuro? Já se imaginavam a trabalharem como artistas/”performers”?
G: Assim que terminei a carreira em 2013, passei do 80 para o 8. Estava tão cansado da exigência dos treinos que tive quase um ano a fazer muito pouco exercicio, senti que o meu corpo precisava mesmo disso. Foi uma adaptação estranha, pois os dias pareciam bem mais longos e tinha imenso tempo para fazer coisas que nunca fiz .
Aos poucos, a vontade de treinar foi regressando. Nunca tive nos planos ser artista/performer, porque sinceramente era um caminho bastante desconhecido para mim. Não sabia o que precisava fazer, como o fazer, nem tinha grande vontade de sair de Portugal (sendo que todos os artistas que conhecia passavam grandes temporadas fora do país). Agora que tenho ideia de como tudo se passou, arrependo-me um pouco de não ter começado esta carreira mais cedo.
K: Para ser sincera, eu nunca me imaginei a fazer acrobática ou a trabalhar como “performer” na minha futura profissão. Isso nunca foi um plano. Quando terminei a carreira competitiva, ainda estava no grupo de artistas da Polônia, onde vi artistas de circo e equipamento aéreo pela primeira vez. Após sair da competição, eu continuei a treinar durante o tempo todo, mas mais como um hobby, porque eu realmente gostava e nunca consegui parar de fazê-lo. Eu estava a estudar e a treinar ao mesmo tempo, e a tentar estar em forma, sem saber que, um dia, o meu primeiro contrato surgiria tão inesperadamente. Desde a primeira vez que soube que era isso que eu realmente quero fazer na minha vida.
Como surgiu a 1.ª oportunidade profissional em que trabalharam juntos? Começaram logo a treinar em dupla? E como correu a interação entre ambos e como era a vossa relação o início?
G: Foi uma situação bastante engraçada. A Kinga enviou-me uma mensagem via facebook no principio de 2015 dizendo que ia trabalhar para um show em Maiorca ( Pirates Adventure Show ), que precisava de um base e se eu estava interessado. Imediatamente, algo me disse que isto poderia ser uma oportunidade interessante. Tive 24h para mudar completamente a minha vida e decidir ir viver para Maiorca ( em que a minha ideia seria apenas fazer 8 meses no show e depois regressar a Portugal… e tudo mudou !! ).
Basicamente nesse show, nos fazíamos alguma parte do show juntos mas também fazíamos outras partes com outros artistas. Éramos basicamente parte de um grupo de acrobatas em que eles usavam os nossos talentos para diversas partes do show.
A interação foi boa, o show em Maiorca é super divertido e a vida lá ainda é melhor. A Kinga nunca tinha feito par misto, o que tornou as coisas um pouco mais complicadas em termos técnicos. No final desses 8 meses, apesar de termos uma optima relação, decidimos que não fazia sentido continuar-mos a treinar juntos… mas tudo mudou !!
K: O meu primeiro contrato foi completamente inesperado quando eu comecei a universidade. Este foi antes de eu conhecer Gonçalo. Eu fiz o meu primeiro contrato e apaixonei-me por esse tipo e estilo de vida. Para o segundo contrato, onde conheci Gonçalo, fiz uma audição em Mallorca e, quando descobri que entrei, estava à procurando de um parceiro – Gonçalo era um deles e o que finalmente decidiu se juntar mim. Naquele show em particular, éramos amigos e nos lembrávamos um do outro durante a altura em que ambos competíamos, mas ainda assim cada um de nós tinha sua própria vida e planos para o futuro.
Estávamos a fazer muitas partes curtas do show e realmente não tínhamos nenhum ato/cena nossa. Portanto, durante esse contrato, não esperávamos realmente trabalhar juntos no futuro. No contrato seguinte, que também surgiu de modo inesperado, percebemos que poderíamos criar algo realmente “porreiro” e começámos a trabalhar no nosso próprio ato. Foi aí que o Duo Destiny começou a ser “criado”.
Como é a vida profissional de um “performer”? São vocês que criam as vossas atuações, desde a coreografia, à parte técnica e artística? Para além disso, como é organizam o vosso dia-a-dia, o treino que têm de cumprir, para que consigam fazer tudo, desde treinar, descansar, mas também dedicar tempo a outras atividades/hobbies do vosso interesse?
G: A vida de um performer é bastante alucinante… no nosso caso, nós amamos completamente o que fazemos e isso ajuda bastante. Viajar e fazer o que mais amamos, com quem amamos, o que poderíamos pedir mais?
Desde a criação do Duo Destiny (Março 2016) que fomos dividindo as nossas tarefas. Eu fiquei encarregue da parte técnica e de treino, a Kinga da parte da parte de redes sociais, emails, edição e criação de videos de promoção (que é super importante).
Quando estamos em contrato, treinamos basicamente 6 dias por semana, no qual dividimos o dia de treino com Treino de Ginásio ( preparação fisica geral ) e treino técnico juntos (treino de Hand to Hand, a nossa especialidade). Depois, consoante o que achamos que precisamos mais naquela fase, treinamos coreografia ou criação de novos elementos.
Claro que temos também tempo para os nossos hobbies, normalmente de manhã. Eu sou mais de cozinhar e ver séries, a Kinga adora edição de videos e escrever.
K: Eu diria que a nossa vida é muito específica. Ainda é “vida de artista”, mas somos mais independentes e podemos fazer mais coisas por conta própria e decidir por nós mesmos, e é por isso que esse trabalho é realmente incrível! Portanto, também criamos toda a coreografia, atuamos e combinamos os truques por conta própria, pois não tínhamos ninguém para nos guiasse ou mostrasse como isso deveria ser feito. Tivemos que descobrir tudo por nós próprios.
No momento em que também percebemos que realmente gostamos de criar as coisas, então tudo vinha de nós e parecia mais pessoal. No entanto, criar algo no futuro com alguém seria com certeza uma ideia muito “porreira”, pois nunca experimentámos e seria uma ótima experiência, com certeza. Sobre a vida quotidiana, também gerimos e preparamos tudo por conta própria.
Nós treinamos todos os dias, dividindo-o normalmente em dois treinos: Um treino onde trabalhamos mais a condição física, e um treino mais técnico um com o outro. Tentamos gerir o dia de maneira em que ainda possamos ter tempo para nossos hobbies, ou se gostássemos de fazer outra coisa, como viajar para algum sítio, ir a restaurantes ou apenas ver filmes.
O Duo Destiny já fez parte de vários projetos e espetáculos ao longo deste anos a trabalharem juntos. Passou pelo “Cabaret Show” em Ibiza, pelo show dos Piratas, pelo Moulin Rouge em Paris e também pelo Cirque du Soleil. Também participaram no “Poland’s Got Talent”, do qual saíram vencedores, e foram convidados a atuar na semfinal do “American’s Got Talent: The Champions”, na qual arrancaram elogios ao júri pela performance que tiveram, e também pelo modo como impressionaram e emocionaram o público em geral.
Como se sentiram quando receberam o convite para esta participação? Consideram que essa participação deu mais projeção e visibilidade ao vosso trabalho e pode contribuir para que surjam mais convites para outros espetáculos? Têm recebido feedback positivo de muita gente?
G: Pequena correção aqui. Fomos convidados para fazer parte do America’s Got Talent – The Champions , em que são apenas convidados 40 artistas de todo o mundo que mais se destacaram nos diversos programas televisivos. Chegamos até às semifinais, sendo dos mais votados, ficando entre os 10 primeiros.
Foi uma superr surpresa para nós. Nunca imaginámos fazer parte de um programa destes, com esta tamanha dimensão, posso-te dizer que foi um sonho quando recebemos o convite. Mas nem tudo foi um mar de rosas… o stress e pressão que um programa destes trás é bastante grande… tínhamos imenso medo pois não faziamos ideia se os júris iam gostar do nosso trabalho, e isso conta bastante para a TV Americana.
No final, só podemos estar super felizes com a decisão de aceitar esta oportunidade. Sem dúvida que o programa nos deu uma mega visibilidade e fez com que fôssemos recebendo propostas por todo o mundo (em especial bastantes programas televisivos) o que nos deixou incrivelmente felizes com o nosso trabalho.
K: Em relação ao programa televisivo “America’s Got Talent”, quando surgiu a oportunidade, ficámos realmente surpreendidos e felizes! Foi uma grande honra sermos convidados para participar naquele que é o maior programa de entretenimento do género. A visibilidade foi definitivamente um dos nossos objetivos. Queríamos partilhar nosso trabalho, talento e o que fazemos com um público novo e maior, e esse programa deu-nos esse tipo de oportunidade. Todas as vezes em que esse tipo de viagens e eventos surgem, costumam ser uma surpresa, e que foi o que aconteceu neste caso. É um grande espetáculo e uma grande oportunidade, mas também uma grande responsabilidade de ter certeza de que realmente podemos fazer isso suficientemente bem e no momento certo.
É um risco e decidimos assumi-lo, pois não tínhamos ideia de como as coisas nos iriam correr e como tudo terminaria. Queríamos partilhar o nosso trabalho com um público novo – o americano – e esperámos que eles gostassem do que fazemos, o que pareceu ser um sucesso, pois recebemos muitos feedbacks excelentes, muitas mensagens e palavras positivas das pessoas que viram o programa ao vivo e na televisão. Naquele momento, sentimo-nos muito felizes por poder participar do programa e por ter sido bem recebido por um público completamente novo.
No vosso contexto profissional enquanto “performers”, quais foram os momentos mais marcantes (difíceis e/ou exigentes) e outros mais caricatos e/ou insólitos que vos aconteceram e que gostariam de partilhar com os leitores?
G: Para mim, a criação do nosso Duo foi algo marcante. É uma profissão nada fácil e nós decidimos arriscar tudo o que tínhamos construído nos nossos países (no meu caso, já fazia parte dos quadros do Ginásio Clube Português) para seguir o nosso sonho. Muita gente duvidou do que poderíamos construir uma carreira, o que agora, olhando para trás, nos deixa super felizes com essa decisão. Treinamos imenso, arriscámos ainda mais, mas tudo valeu a pena. Nem tudo foi fácil, tivemos algumas decepções, mas é um orgulho poder dizer que viemos do 0 e construímos isto tudo.
Para mim, outro momento super marcante foi vencer o Programa Poland Got Talent.
Um dos momentos mais marcantes, mas pela negativa, foi a minha lesão no joelho este Janeiro (que me fez ser operado de emergência na Suíça), 1 dia antes de voar para o maior Festival de Circo do Mundo, Festival Internacional de Monte Carlo. Foi um momento bastante triste, pois depois de 1 ano de preparação, o sonho foi cancelado.
K: Para mim, houve dois momentos mais difíceis. O primeiro, foi no início do Duo Destiny, altura em que estávamos a começar e não tinhamos ideia de como ou por onde devíamos fazê-lo. Não tínhamos ideia de como aparecer “nesse” mundo, para que os outros reparassem em nós, mas também conseguir um trabalho através do qual pudéssemos viver. Foi um pouco assustador e demorou muito tempo e muito trabalho, pois estávamos a caminhar num terreno desconhecido, sabendo que só nos tínhamos um ao outro e esperámos que isso nos levasse a um lugar melhor.
O segundo momento foi antes do nosso primeiro Festival de Circo em Paris onde, pela primeira vez, apresentámos o nosso próprio ato (criado por nós), para 95% de diretores e produtores do show. Sabíamos que era preciso fazer o melhor e dar o nosso melhor, pois tínhamos apenas uma oportunidade, o que foi realmente stressante e, ao mesmo tempo, emocionante, pois essa oportunidade poderia mudar completamente nossas vidas e estávamos cientes disso.
No final, isso realmente aconteceu – nossas vidas mudaram completamente e começámos a receber mais e mais oportunidades de trabalho com outros shows e percebemos o quanto os outros gostavam do nosso trabalho. Naquele momento, sentimos que nosso trabalho duro foi recompensado e que tudo não deu em nada. Ficámos orgulhosos por termos nos esforçado tanto e feito isso acontecer.
Sobre momentos engraçados hmm … não consigo encontrar nenhum momento específico, mas, em geral, toda a nossa vida, viagens, passar tempo juntos é normalmente uma grande comédia. Muitas coisas estranhas acontecem-nos inesperadamente, e que tornam as nossas vidas tão variadas e cheias de aventuras.
Tivemos situações como atrasar voos, perder voos, momentos em que o show teve que ser interrompido durante a nosso ato por causa de problemas climáticos e também momentos em que estávamos a atuar e esquecemo-nos de fechar / fechar minha roupa ou tivemos 15 minutos para fazer o aquecimento para o ato completo.
Até onde pretendem ir enquanto Duo Destiny? O que falta fazer? É um sonho vosso integrar um espetáculo de uma companhia como, por exemplo, o Cirque du Soleil?
G: O que nos faz treinar para ser mais e melhor é podermos ter a possibilidade de escolher onde e em que companhia trabalhar. O Cirque du Soleil sempre foi um sonho para nós, sonho esse que se realizou o Verão passado (Fizemos parte de uma nova criação no Canada). Depois disso, já tivemos o convite para trabalhar em mais alguns shows deles mas a nossa agenda nunca coincidiu.
Temos também o sonho de trabalhar em Las Vegas, a capital do Show Business, sendo que por isso é algo que gostaríamos imenso de fazer. Temos tido alguns contactos e na altura certa esperamos que isso aconteça.
Falta-nos também fazer parte o Festival Internacional De Monte Carlo, o que nos foi impedido devido à minha lesão. Esperemos ter uma nova oportunidade ( convite por parte da Princesa ) num futuro próximo.
K: Falando por mim, acho que gostaríamos de nos apresentarmos como o Duo Destiny, desde que seja possível e não tenhamos um objetivo principal em si, mas muitas opções, shows para fazer e lugares para se apresentar, pois cada um deles tem algo único e incrível como os outros não têm. A vida de “performer” consiste em aproveitar ao máximo cada experiência, e sabemos que podemos fazê-lo, usufruindo ao máximo o que cada uma oferece. Com o Cirque du Soleil, nós já fizemos apenas parte do show deles uma vez, mas com certeza seria um momento ótimo e divertido para fazer outro projeto com eles, o que já nos foi oferecido agora, estamos à espera da melhor altura e da oportunidade para fazê-lo.
Não poderia deixar de vos colocar a questão, relacionada com a pandemia do CO-VID19, e do modo como todo este circunstancialismo excecional tem afetado a vossa vida pessoal e profissional. Sei que o Gonçalo está em Portugal e a Kinga na Polónia, pelo que não têm treinado juntos. Vocês têm planos em relação a isso? Houve alguns compromissos que ficaram pendentes/em suspenso, ou outros que tiveram obrigatoriamente de cancelar? Como olham para o futuro com toda esta incerteza?
G: Este vírus deixou-nos separados, na condição de nem saber quando vamos poder voltar a estar juntos, algo que é horrível. Temos treinado praticamente todos os dias mas separados, o que não é a mesma coisa.
Basicamente, tínhamos contrato para Ibiza agora em Maio e Junho que já foi cancelado e também o nosso contrato em Paris com o Moulin Rouge, em Julho e Agosto, já foi cancelado. Estamos numa incerteza gigante porque não fazemos ideia quando vamos poder voltar a trabalhar, poder voltar a fazer o que mais adoramos, algo que é bastante triste.
Apesar desta situação negativa da quarentena, também temos tirado coisas positivas. Por estarmos mais tempo em casa, temos usado o tempo para refletir sobre projectos futuros e tentar desenvolver projectos que já estamos inseridos, traçando melhores objectivos para os tempos que se seguem.
K: Definitivamente, não é um momento fácil para o nosso setor, mas ao mesmo tempo, cada um de nós está na mesma situação, de modo que estamos todos à espera. No momento, treinamos separadamente o máximo que pudermos e com as condições que temos, para que possamos manter-nos em forma, caso algo mude, mas sabemos que alguns de nossos próximos eventos serão cancelados. Definitivamente, quando as fronteiras reabrirem e os voos recomeçarem, tentaremos reunir-nos para finalmente treinar, passar algum tempo juntos e pensar em como gerir o tempo que teremos. Embora olhemos para o futuro de forma positiva, acreditando que, quando tudo acalmar e terminar – podemos reiniciar a apresentação em alguns sítios que estão “pendentes” ou em um processo de conversação, pois estamos sempre em contato com pessoas interessadas em trabalhar connosco.