Entrevista a Jorge Fellipe, um central brasileiro em Singapura

João Pedro SundfeldJulho 3, 20218min0

Entrevista a Jorge Fellipe, um central brasileiro em Singapura

João Pedro SundfeldJulho 3, 20218min0
Em entrevista ao Fair Play, o central comentou sobre os primeiros anos de sua carreira e, também, sobre sua trajetória internacional

No Brasil, milhões de jovens sonham em jogar futebol profissionalmente. Afinal, no país pentacampeão, muitos veem no esporte uma oportunidade única de ‘vencer na vida’. Para isso, treinam, abdicam de inúmeras coisas e viajam o mundo. Este é o caso de Jorge Fellipe, defesa central do LC Sailors, de Singapura.

Atualmente titular no time asiático, o atleta teve um início de carreira instável. Marcado por lesões e diversas trocas de time, rodou o mundo em busca de concretizar o sonho de ser jogador. Sobre isso, Jorge Fellipe falou, com exclusividade, ao Fair Play, explicando como foram seus primeiros anos no esporte.

Meu início de carreira não foi diferente dos demais jogadores. Para se tornar um jogador, o sacrifício é muito grande. Temos que abdicar de muita coisa. Com 15 ou 16 anos comecei na base do Santos e encontrei diversos jogadores que fizeram sucesso no futebol. Após a passagem pelo Santos, joguei no São Bernardo e, depois, tive uma passagem muito curta pelo Vilavelhense e fui pra Ucrânia. Assinei um contrato de três anos, mas, devido a uma lesão, tive de voltar. Quando retornei, passei apenas dois meses no Jabaquara. Nessa época, os clubes do Sul tinham uma equipe B, aí, com a ajuda de um amigo, fui ao Juventude, para um período de observação de uma semana. O treinador me chamou e disse que eu estava aprovado. Assinei o contrato de seis meses com renovação automática de outros seis. E lá eu fui integrado ao profissional.

Depois de anos no Brasil, o central viu na Europa uma oportunidade para ter estabilidade. Com propostas de diversos times, viu no Aves, de Portugal, o time ideal para adentrar no ‘Velho Continente’. Posteriormente, passou também pela Arábia Saudita antes de chegar ao Sailors. Ele, no entanto, vê a escola portuguesa como fundamental em seu desenvolvimento.

Eu evoluí muito em Portugal. Tive um período para adaptação por opção do treinador e foi algo bom para mim. Óbvio que o jogador quer jogar, mas a disciplina tática no futebol português é muito grande. Não há surpresa nisso. Foi um processo de amadurecimento muito grande na minha vida como jogador profissional. Quando deixei Portugal para explorar outros mercados, senti o quão diferente era o futebol nesses outros países (Arábia e Singapura). Falo sobre disciplina tática, rapidez em perceber as instruções, a dinâmica do jogo, intensidade. São coisas que tive muita dificuldade. Deixei um futebol muito dinâmico, intenso, para vir para um futebol menos veloz. Penso que, com a vinda de profissionais de outras nacionalidades, de países com ligas de destaque, isso agrega muito valor ao futebol local e aos jogadores.

Por fim, o atleta revelou os planos que têm para o futuro. Com o desejo de se manter ativo no meio do futebol, o central afirmou que pretende ser empresário. Por isso, o central busca estudar e se preparar, visando ser um bom profissional quando pendurar as chuteiras.

O futuro começa agora. Não tenho perfil para treinador, não tenho essa intenção. Deixei o Brasil em busca de estabilidade. Buscava um mercado que me desse estabilidade para o futuro. Sabia que o mercado europeu poderia me proporcionar isso. Eu tinha outras possibilidades, mas decidi ir para Portugal. Minha intenção no futebol é trabalhar como empresário. Isso exige toda uma preparação, não só voltada para o futebol, mas para a gestão. Para tudo na vida, precisamos nos preparar. Existe esse processo. Um fator importante é saber lidar com pessoas, principalmente com jogador. São sonhos, famílias envolvidas. O jogador brasileiro joga por amor, mas também por necessidade. Ele vislumbra a possibilidade de se tornar um jogador para proporcionar ao familiar uma condição de vida melhor, uma vida boa para os filhos, para comprar um lar para os pais. São sonhos de uma família. Há muitos profissionais despreparados no mercado, isso atrapalha muitos meninos que têm qualidade.

Atualmente, Jorge Fellipe disputa a S League pelo LC Sailors. Com o campeonato paralisado por causa da pandemia da Covid-19, a equipa ocupa a segunda colocação na tabela, com 26 pontos. No dia 14 de julho, o time voltará a campo contra o Albirex Nigata, líder do torneio.

Confira toda a entrevista em exclusivo no Fair Play

Como foi a mudança de posição de médio defensivo para defesa central?

Jorge Fellipe: Eu já havia jogado em outras posições, mas, aos 17 anos, mudei de posição. Isso se deve a dois treinadores. Um foi antes da minha ida ao Santos, mas preferi ir para lá como médio defensivo. Quando cheguei lá, o Lino, que foi ex-jogador, me chamou e disse: “Eu fico com você, mas quero que você jogue como central”. Eu aceitei a experiência e passei a jogar como central.

Você já atuou em países com culturas diferentes, a linguagem é um grande empecilho?

JF. Num primeiro momento, a linguagem é algo que torna as coisas difíceis. Principalmente quando você tem pouco conhecimento em outros idiomas. Para mim, não foi muito difícil. Eu já tenho conhecimento de coisas em inglês, inclusive ainda faço o curso. Isso facilita o ambiente de trabalho. Não encontrei tanta dificuldade, mas alguns companheiros de equipe não falam praticamente nada – e completou – temos um tradutor brasileiro, do Paraná. Ele mora em Singapura há 20 anos e nos ajuda bastante. Eu já entendo bastante coisa, tenho percepção de tudo que se pede, mas algumas situações isoladas não consigo compreender. Principalmente neste momento de alteração no comando, o novo técnico não fala inglês e também precisa de um tradutor. Com o australiano (treinador anterior) as coisas eram mais perceptíveis, compreendíamos muito melhor. Agora é um pouco difícil, porque a informação é passada para o tradutor, que repassa para nós, e temos dificuldade de entender a tradução dele.

Você convive com algum brasileiro em Singapura?

JF. Eu tenho um companheiro de equipe brasileiro, chamado Diego. Ele jogou em Portugal por muito tempo e foi o maior investimento da história do clube. Isso é importante. Eu sou casado, quando fui para Portugal já fui com minha família. Esse é um período muito difícil. Singapura é um país muito rigoroso e, por causa da Covid-19, o país não está autorizando a entrada de estrangeiros. Eu já estava na Arábia sozinho e, quando vim pra Singapura, enquanto esperávamos pelo visto da família, o governo de Singapura deu a ordem para não autorizar a entrada de estrangeiros.

Já teve algum atacante que você enfrentou e te deu ‘pesadelos’?

JF. De dormir e pensar “ele não” não me recordo, mas óbvio que alguns me deram um pouco mais de trabalho. O Guerrero, para mim, foi um cara que deu trabalho, que sabe se movimentar, fazer os movimentos e explorar os espaços. Isso dificulta a gente. O Jonas, eu já havia enfrentado ele pelo Juventude, e tive a oportunidade de enfrenta-lo contra o Benfica. Ele não precisa tocar muitas vezes na bola para fazer gols. Tenho uma experiência com ele na Luz. Nós o anulamos no jogo todo, mas nos últimos minutos ele fez dois golos e perdemos de 2-0. Alguns jogadores dão mais trabalho, mas não enfrentei nenhum que “fez chover” – e completou – o Fred é muito inteligente também. Ele joga no ponto cego do central, não conseguimos ver onde ele está. Ele se posiciona muito bem.

Como está o futebol em Singapura? Quais as restrições por causa da Covid-19?

JF. O campeonato parou devido às restrições. Para mim, é uma situação nova. Nunca vi um campeonato parar por dois meses. Você tem que fazer uma nova pré-temporada. Isso é muito ruim. Você vem de uma boa sequência de jogos e precisa parar, é muito ruim para um jogador de futebol. Nosso próximo jogo é contra o Albirex Nigata (segundo colocado), é uma extensão da equipa japonesa, eles jogam com o Sub-23. É uma equipa boa para o futebol local. Posso dizer que é uma das melhores. A liga tem oito equipas, mas só duas ou três brigam pelo título. É uma equipa bem qualificada, a escola japonesa é referência. Eles têm volume de jogo, intensidade disciplina tática. Não vemos isso no futebol local.

Nos tempos de Santos, você conviveu com grandes nomes do clube, como Neymar ou Diego?

JF. Nós convivíamos com o Neymar no dia a dia, no refeitório. Ele era muito pequeno. Eu não tive uma relação de amizade com ele. Sempre vi ele ali, mas ele era muito pequeno. Andava com os jogadores da categoria dele. Eu contei com a amizade do Lucas Rios, que jogou no Palmeiras, do Ganso, com quem convivi, do Anderson Salles, central que jogou por Ituano e Vasco. Tive o prazer de conviver com eles. Foi gratificante para mim, pude crescer como jogador de futebol. Foi uma passagem de grande importância, apesar de curta. A gente passa por lugares e precisamos absorver os ensinamentos. Conhecimento a gente leva para sempre. Procuro ter essa mentalidade.


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