NCAA – A indústria multi milionária dos amadores

Tiago MagalhãesAbril 2, 20187min0
O desporto nos Estados Unidos da América é um dos maiores negócios de sempre e a NCAA não foge à regra. Os dólares, o seu valor e porquê apostar nesta liga

O March Madness é a altura do ano em que todos os fãs puros de basquetebol se encontram agarrados ao telemóvel. Ver os resultados ao minuto de todos os jogos, actualizando os seus brackets com aplicações do torneio ou simplesmente trocando mensagens com amigos sobre as histórias que este mês nos vai dando. Mas já alguma vez pensou quanto dinheiro pode gerir, este que é, o mês mais lucrativo do ano nos desportos a nível mundial?

Para responder a tal pergunta é necessário tomar vários passos atrás para podermos contextualizar toda esta indústria que, pelo menos durante o mês do Março, acaba por se tornar a rainha em termos de capacidade de gerar dinheiro em relação a outras ligas norte americanas profissionais de topo como a NBA, MLB e NHL.

A NCAA como a conhecemos actualmente data de 1939, onde no histórico e rico percurso presenciamos dinastias como a de UCLA e John Wooden, nomes como Kareem Abdul Jabbar (ou Lew Alcindor, como quiserem), momentos totalmente marcantes como a da história da faculdade de Texas El Paso, de Loyola Marymount e como tentaram mudar o jogo, da rivalidade de North Carolina com Duke, das “vidas inteiras” que Coach K e Jim Boeheim passaram nas suas respectivas faculdades ou de Pat Summit em Tennessee.

Mas nenhum momento será tão marcante como quando as televisões, as corporações, o mundo industrial mas sobretudo as marcas desportivas começaram a estar directamente relacionadas com instituições universitárias, quer de forma directa quer de forma indirecta (sim, sobretudo de forma muito indirecta).

Falando sobre números reais e que foram revelados de forma pública em 2017, as corporações Times Warner’s e a CBS (que detêm os direitos completos de transmissão do March Madness) assinaram um contrato com a NCAA no valor de 1,1 mil milhões de dólares anuais (um aumento sobre os 770 milhões do contrato anterior) onde podem lançar todo o conteúdo do torneio em várias formas de streaming ou canais televisivos. Isto incluí a aplicação March Madness Live, canais de cabo como a TBS, TNT e a TruTv.

A nível de informações lançadas a público pela própria NCAA, é sabido que no ano de 2017 a nível fiscal foram obtidos 1,06 mil milhões de dólares de lucro, que incluem contratos de broadcasting, vendas de bilhetes (equivalentes a 130 milhões) e cerca de 60 milhões a nível de acordos de marketing (com marcas como Capital One, AT&T, Coca Cola, entre outros sendo os gigantes deste mercado.)

Se acham que uma competição, que nem profissional é, gera uma enormidade de dinheiro que por nós era totalmente imaginável ainda falta realçar a presença das marcas desportivas e o quão importante este torneio é para elas. Nike, Adidas e Under Armour são as três marcas presentes neste torneio e geram cerca de 8 mil milhões de lucro com todo o equipamento desportivo que as universidades usam e expõe ao público em geral (com sapatilhas, equipamentos, fatos treino, logos nas arenas, etc etc.)

Traduzindo todos estes números para aplicações práticas, o dinheiro que as faculdades “geram” com cada atleta (usando as 5 maiores conferências como referência), este número ronda uns incríveis 1,9 milhões de dólares. Se excluirmos tudo o que seja relativo a instalações e relativizarmos o número a apenas a bolsa de estudo oferecida ao atleta, cada jogador tem um “custo” de cerca de 50.000 dólares anuais para a universidade. Surreal não? E aqui entra a maior controvérsia dos últimos 30 anos no basquetebol universitário.

Se a imagem de um atleta é usada pela universidade como forma de lucro completamente astronómica, estes recebem alguma compensação monetária por tal, certo? Errado.

Um atleta que assine a carta de elegibilidade da NCAA está automaticamente excluído de receber QUALQUER TIPO DE COMPENSAÇÃO QUER MONETÁRIA, QUER EM GÉNEROS, QUER ATRAVÉS DE TERCEIROS pela sua imagem.

Será isto justo para um atleta que para além de representar a faculdade dentro do campo é uma imagem de marca fora dele?

Aqui a controvérsia chega a uma questão ética. Os atletas nestas conferências e em faculdades de topo possuem condições incríveis quer a nível educacional, quer a nível desportivo para serem estudantes/atletas de elite e muita gente argumenta que tal é suficiente, sobretudo devido à percentagem de pessoas com cursos universitários mas será que uma compensação monetária, nem que fosse mínima, não equilibraria mais a balança?

Shabazz Napier, actual base dos Portland Trail Blazers, foi uma das estrelas do torneio pela universidade de Connecticut e deu a cara sobre este tema numa conferência de imprensa durante um torneio argumentando

“É claro que somos privilegiados por recebermos estas condições, mas e quando queremos alimentar-nos fora do expediente escolar? Houve noites em que passei fome, vim de uma família pobre e este foi o meu bilhete para fugir aos bairros sociais, a minha família não me pode enviar dinheiro extra. Porque não darem-nos um salário também?”.

Estas declarações criaram um clima de ainda maior instabilidade e este ano tivemos o culminar de toda esta descrença na instituição NCAA quando surgiram escândalos relatados de forma sustentada sobre faculdades que aliciaram atletas de forma ilegal, compensações familiares de diferentes formas e actos cometidos que estão fora do âmbito desportivo em que estão inseridos. Esta é a nova forma de atrair atletas não tendo que lhes pagar, o que seria contra as regras de elegibilidade.

Esta forma de “contornar” a legalidade dos recrutamentos dos atletas ou de conseguir maiores fundos monetários por parte das universidades crê-se que data da década de 70, altura em que Sonny Vaccaro começou a criar uma vasta rede de conexões entre marcas desportivas e faculdades, que acabaram por traduzir num lugar na companhia Nike onde assim poderia assinar treinadores dessas universidades e fornecer todo o tipo de equipamento para as mesmas.

Começando na Nike, onde assinou o seu maior contrato e provavelmente o mais mítico da história – Michael Jordan, Vaccaro não só criou ligações dentro dessa corporação mas acabaria por representar também a Reebok e a Adidas, mudando completamente a realidade entre o marketing/desporto na NCAA.

Com todas estas formas de compensação quer em dinheiro real, quer em géneros as universidades continuaram a beneficiar de algo que lhes era bastante proveitoso mas onde a imagem dos atletas e consequente compensação continuaria a ser 0 e aí, o problema tornou-se demasiado grande tendo as universidades de encontrar vazios legais, que neste momento estão a ser postos a descoberto.

Estas formas de contornar a elegibilidade de compensação na NCAA podem ser descritas de inúmeras formas sendo que nos casos mais conhecidos recentemente contam (a título de exemplo) a contratação de um pai de dois atletas extremamente cobiçados por várias faculdades para USC para ocupar o lugar de treinador adjunto no staff; a criação de uma equipa no circuito AAU por parte da Nike para conseguir um dos top prospects em Marvin Bagley III apelidada Nike Phamily, onde teriam toda a roupa disponível, uma casa fornecida para a família/director da equipa na Califórnia e uma compensação monetária de 50 mil dólares de forma a que o pai de Bagley pudesse “gerir a equipa” e mais controversamente a relação com contornos ilegais que a marca Adidas possuía com a universidade de Lousville que levou mesmo a esta faculdade a perder o seu último título da NCAA.

O problema desta questão não está nos pagamentos “por debaixo da mesa”, nos pagamentos a treinadores e/ou universidades, boosters ou administradores. Nenhum deste dinheiro está a ser “perdido” e na verdade, está a ser implementado nas instituições que acolhem os atletas. O problema está…

…no amadorismo destes atletas que é uma indústria que gera milhares de milhões de dólares, sem que os atletas possam sequer receber uma compensação mínima apesar de serem a “marca” que na verdade é “explorada”.

Foto: NCAA

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