Treinador-Jogador: sim ou não?

André CoroadoJulho 28, 20205min0

Treinador-Jogador: sim ou não?

André CoroadoJulho 28, 20205min0
Ozu Moreira, capitão da selecção japonesa e Bola de Ouro no último mundial, foi recentemente anunciado como sucessor de Ruy Ramos no cargo de seleccionador nipónico. Será esta uma boa ideia? O que nos diz a História sobre outros jogadores que orientaram a equipa a partir do campo?

No seguimento da saída de Ruy Ramos como seleccionador nacional japonês, o capitão nipónico Osmar Moreira, mais conhecido pelo seu nome adoptivo Ozu, foi anunciado como seu sucessor no cargo. Poderia parecer insólito ver o melhor jogador do último mundial (Ozu foi galardoado com a Bola de Ouro no Paraguai em 2019) transitar para as funções de treinador, quando ainda se encontra na plena posse de todas as faculdades que o convertem num dos jogadores mais valiosos à escala global. No entanto, os adeptos de futebol de praia poderão continuar a vibrar com a intensidade competitiva de Ozu nos areais, uma vez que o atleta acumulará as funções de treinador com as de jogador.

Esta prática, comum até certo ponto no futebol de praia desde os primórdios da modalidade, é continuamente alvo de discussões controversas: será ou não positivo que o treinador seja também um dos jogadores da equipa, orientando os colegas a partir do campo? E será que este fenómeno ainda frequente no futebol de praia lhe pode conferir uma conotação de amadorismo, ou constitui antes uma particularidade da modalidade que em nada a descredibiliza?

Sendo certo que as opiniões divergem, na nossa perspectiva a questão deve ser avaliada com base nos exemplos mais ou menos bem sucedidos que podemos encontrar no futebol de praia internacional. O caso mais recente, amplamente bem sucedido, trata-se da campanha vitoriosa do SC Braga tanto nas provas nacionais como nas competições internacionais, tendo por timoneiro o capitão Bruno Torres, que se mantém como uma peça fundamental da equipa dentro de campo.

O carismático jogador da Póvoa de Varzim montou uma estrutura de alto nível no clube minhoto, no qual conta com o auxílio do irmão António Torres como treinador adjunto, e consegue acumular as duas funções através de uma dedicação metódica e da cooperação entre os elementos dessa rede. Contando com uma presença forte no banco, de alguém que o conhece bem, sabe interpretar as suas ideias e compreende a realidade do futebol de praia, Torres pode concentrar-se no seu jogo quando entra dentro das quatro linhas com plena confiança de que não perderá o controlo do rumo dos acontecimentos. Esta cadeia de comando bem definida, aliada à natural qualidade do plantel, leva a que o SC Braga seja neste momento tri-campeão europeu e nacional, bem como bi-campeão do Mundialito de Clubes e líder do ranking mundial.

Um outro caso paradigmático consiste na ascensão meteórica da Suíça ao estatuto de superpotência europeia e mundial, ainda na primeira década do século XXI, que teve como ponto culminante o segundo lugar no Mundial FIFA Dubai 2009, onde os helvéticos liderados pelo treinador-jogador Angelo Schirinzi apenas perderam para o Brasil. Sendo certo que Schirinzi deixou de desempenhar um papel central como jogador da selecção suíça nos anos anteriores, não é menos verdadeiro que continuou a integrar o seu próprio nome na lista de convocados com frequência até 2016, ainda que com menos minutos do que os demais colegas.

O acumular de funções nunca representou, porém, uma barreira ao êxito desportivo helvético, já que Schirinzi era também o grande organizador e impulsionador do futebol de praia suíço, participando em todas as fases de montagem da estrutura que possibilitou a ascensão de um pequeno país sem praia aos primeiros lugares do ranking mundial. Na selecção, as suas ideias eram do conhecimento de todo o grupo, fruto de um trabalho continuado ao longo dos anos e um forte investimento no treino, de tal forma que nada mudava quando Schirinzi entrava em campo: simplesmente, as ordens vinham do treinador em adjunto, em sintonia com as ideias do veterano número 11 que continuava a espalhar magia. A cadeia de liderança contava ainda com Moritz Jaeggy, eterno capitão de equipa, que ao cabo de mais de 12 anos desempenhou um papel fundamental na articulação entre Schirinzi e o plantel.

No caso de Ozu, acreditamos que a situação não seja distinta destes casos de sucesso, uma vez que o número 10 nipónico contará com a preciosa ajuda do antigo colega de equipa, o também histórico Teruki Tabata, como treinador adjunto em permanência no banco da selecção do leste asiático. O entendimento duradouro entre ambos os jogadores, juntos na selecção na última década, permitirá certamente que as ideias de Ozu continuem a moldar o jogo nipónico mesmo quando o próprio estiver em campo (o que tende a verificar-se durante a quase totalidade dos 36 minutos de jogo).

Naturalmente que não podemos afirmar com certezas que a solução funcionará, mas atendendo aos antecedentes parece-nos que o acumular de funções de Ozu não tem por que constituit um obstáculo ao bom funcionamento da selecção japonesa. Tratando-se da pessoa mais qualificada para o cargo, pelo conhecimento da realidade do jogo aquém e além-fronteiras, e existindo possibilidades de montar uma estrutura de comando eficaz com Tabata, a escolha de Ozu como treinador-jogador afigura-se-nos como uma opção natural, porventura tão promissora como a liderança de Bruno e António Torres no SC Braga.

Em conferência de imprensa, Ozu demonstrou ambição ao visar o título mundial que lhe fugiu por pouco em 2019. Quem sabe se não o alcançará agora simultaneamente como jogador e treinador?


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