O regressar ao Rugby Europe Championship: vantagens e problemas

Francisco IsaacJunho 13, 20199min0

O regressar ao Rugby Europe Championship: vantagens e problemas

Francisco IsaacJunho 13, 20199min0
Portugal entra em campo às 13h00 de sábado para tentar voltar ao Rugby Europe Championship. Mas será este objectivo fulcral para o futuro da modalidade?

Depois de uma longa época, em que decorreram eleições para a Federação Portuguesa de Rugby, de sucessivas paragens na Divisão de Honra (o principal campeonato em Portugal esteve parado quase 2 meses, quebrando com o ritmo das equipas participantes), de polémicas e volte-faces disciplinares e jurídicos que lançaram uma névoa de dúvida em relação ao “profissionalismo” de vários membros dirigentes da FPR, chega finalmente o Portugal-Alemanha,encontro que poderá colocar as Quinas na principal divisão da Rugby Europe.

Portugal já tentou por duas ocasiões voltar à principal divisão de rugby de selecções séniores mas registou sempre derrotas (Bélgica em 2017 e Roménia em 2018) e ficou arredado ao Trophy, um campeonato que está claramente vários níveis abaixo da qualidade actual do rugby nacional.

O retornar ao convívio com as maiores nações europeias (não contabilizando aqui os “reis” das Seis Nações) é visto pela actual direcção da FPR e vários membros da comunidade de rugby portuguesa como fundamental para o futuro da modalidade. Todavia, o fundamental não significa que se limite ou prejudique o apoio e investimento às áreas do desenvolvimento, expansão do jogo, crescimento no número de atletas, desenvolvimento de uma maior rede de apoio aos clubes e de preocupação em fornecer melhor formação a árbitros e técnicos nacionais. Estes “pormenores” é que têm de ser entendidos como fundamentais para o futuro da modalidade.

Não há dúvida alguma que a valorização da selecção sénior é fulcral para dar outra dimensão à modalidade, mas veja-se… para o público em geral será mais importante ter a selecção no Rugby Europe Championship ou de ver mais atletas com a bola oval nas mãos? Para quem avançaria com a primeira resposta, alertamos que cairia desde logo num erro que passa pelo facto do público geral desconhecer sequer se Portugal joga no escalão A, B ou C, sendo claramente mais importante o crescimento das outras componentes do jogo a curto, médio e longo prazo.

O caso do andebol é singular na demonstração que aumentar o número de atletas e no desenvolver de melhores condições (infraestruturas, equipamentos locais, formação de treinadores e árbitros, aposto no desporto escolar total) foi o caminho certo para repor a modalidade noutro patamar, que vai muito para além das conquistas europeias dos clubes (o ABC por exemplo levantou o título da EHF Challenge em 2016) ou até da selecção nacional (voltou ao Campeonato da Europa depois de 14 anos de seca).

Não significa isto que Portugal não deva conquistar a subida de divisão, pelo contrário, uma vez que daria outra imagem interna à modalidade e dar um carácter mais interessante a possíveis investidores e mesmo à World Rugby, oferecendo aos atletas séniores um desafio mais “duro” e estimulante.

O que se quer dizer é que o optar por sermos só grandes nos séniores mas menos latos e proeminentes e com pouco interesse no investimento no desenvolvimento do rugby escolar é o caminho errado, nocivo e que vai acabar por “matar” a modalidade em pouco tempo. Para quem possa estranhar este cenário caótico apresentado aqui, as actuais reformas internas colocadas em execução estão precisamente a iniciar um processo minimamente preocupante para o futuro do rugby de formação e escolar, um assunto que vai ser acompanhado nos próximos tempos.

Veja-se o que se passou com o rugby alemão ou belga, que conseguiram garantir nos últimos anos uma posição (in)estável no Rugby Europe Championship, mas não tem uma presença minimamente aceitável nos escalões de formação, tendo falhado o Europeu de sub-20 em 2019 (e esta não presença devia incorrer em sanções, uma vez que é grave não existir este escalão que fornece atletas aos séniores) e com problemas singulares na expansão no rugby escolar, apesar de ter 15 mil atletas registados no caso belga, contra os 5270 em Portugal. Todavia, e apesar de só estarem registados estes atletas em território nacional o sucesso da formação portuguesa nos últimos 6 anos é demonstrativo do franco sucesso conseguido por cá, graças também ao desenvolvimento de bons técnicos nacionais.

Existe outro ponto interessante, Bélgica e Alemanha efectuaram o “truque” de registar os atletas das escolas como jogadores federados, naquilo que pode ser considerado como um “esteróide” de aumento dos números sem existir uma franca evolução do seu rugby interno. Mais curioso é a situação da Alemanha, país que detém cerca de 83 milhões de pessoas no seu território mas só cerca de 10 mil praticam rugby, números também ajudados por pormenores similares ao do caso belga.

Ou seja, ambos os países atingiram o “topo” europeu sem sequer terem conseguido qualquer centelha de sucesso na formação ou no colocar de atletas nacionais nas principais divisões europeias (a Alemanha tem um atleta no Top14 e os restantes na FED1)… então como têm conseguido?

Nacionalizaram os melhores atletas (uma acção que não pode ser totalmente criticável, já que quando estes jogadores acrescentam qualidade ao produto interno deverá ser importante inclui-los no crescimento da modalidade), conseguiram “apaixonar” super-milionários que investiram profundamente em equipas, academias e activos (o caso da federação alemã que está refém das decisões de Hans-Peter Wild) acabando por saltar passos evolutivos importantes e que a médio-prazo serão letais para a estabilidade da modalidade.

Portugal tem sofrido constantes reveses a nível sénior, não há forma de esconder essa realidade com várias questões lançadas perante os constantes fracassos em regressar a um topo de forma vivido entre 2005 e 2014 ou do retorno aos World 7’s Series (este falhanço está adjudicado principalmente às direcções da FPR e clubes que nada fizeram para desenvolver um modelo competitivo francamente melhor desta variante, tornando-a num pormenor do calendário anual de competições).

Porém, é inegável que Portugal tem começado a voltar a ser uma modalidade praticada a nível escolar (vários clubes e associações começaram a lançar acções não só de captação de atletas mas de dar aos agrupamentos escolares as bases necessárias para crescerem), de afirmação preponderante a nível europeu e mundial na formação (dois bronze para os sub-18, três campeonatos europeus e uma prata e bronze nos Mundiais de Rugby sub-20 “B”) e com atletas a destacarem-se no Top14, English Championship, Liga Heyneken ou PROD2, naquilo que são provas mais que suficientes do sucesso da formação e desenvolvimento dos últimos anos.

E outra prova que pode ajudar a mostrar que a formação funcionou nos últimos anos é a convocatória para o jogo com a Alemanha…

Os tricampeões europeus (Foto: Luís Cabelo Fotografia)

O JOGO DE TODAS AS DECISÕES… OU NÃO?

13 dos atletas que passaram pelos sub-18 e/ou sub-20 dos últimos 5 anos foram convocados por Martim Aguiar, sendo que oito passaram também pelos escalões de formação em anos anteriores a 2015. Ou seja, 13 dos 23 estão acostumados a conquistar bons resultados a nível internacional de formação, tendo mesmo agarrado a batuta de serem destaque dos seus clubes na Divisão de Honra (ou no caso de Manuel Cardoso Pinto, na Holanda ao serviço do RC Diok), num claro crescimento rápido destas novas gerações do rugby português.

Não fosse o trabalho executado pelos clubes e seus treinadores, pelos treinadores da selecção nacional, e não havia sequer a “argamassa” actual para dar outra forma, competências e qualidade aos comandados de Martim Aguiar.

É óbvio que a não vinda dos atletas luso-descendentes (tinha sido badalado que Julian Bardy, Samuel Marques, Thibault Freitas e entre outros voltariam para este encontro, mas mais uma vez só surgiu um ou outro detalhe como o caso-actual de Anthony Alves, parecendo-nos estranho que as responsabilidades da não-vinda dos restantes fique só pela difícil relação do comando técnico nacional e estes atletas) e de os atletas portugueses a jogar em campeonatos estrangeiros (ausência sentida de José Conde ou Pedro Bettencourt) poderá ser a “linha” que separa a selecção alemã da portuguesa no final de contas, não sendo no entanto completamente definitiva ou final.

A Alemanha conseguiu contar com todo o seu melhor arsenal para o jogo frente a Portugal, com a convocação dos seus principais activos que actuam fora do território alemão sem grande dificuldade como Sebastian Ferreira, Toby Williams, Jonathon Dawe, Eric Marks, Tim Menzel ou Julius Nostadt, atletas profissionais e que acrescentam no imediato qualidade técnica e física a esta selecção.

Contudo, Portugal não parte derrotado e tem as mesmas possibilidades de vitória que os germânicos restando esperar que os 23 nomes escolhidos consigam conquistar a manutenção… todavia, caso não se consiga obter este objectivo é imperativo que a comunidade do rugby português não caia para num vórtice de apocalipse e olhe para o que tem sido feito na formação como o caminho para continuar a construir o futuro da modalidade.

Falta conseguir convencer os atletas a jogar no estrangeiro a confiar na Federação Portuguesa de Rugby, no dar voz e maior apoio à formação de árbitros, no garantir de modelos competitivos mais interessantes e menos duvidosos e de parar de se mexer onde está tudo a correr bem, sendo dispensável os discursos de salvamento nacional e de arrogância intelectual que têm sido registados nos últimos tempos.

De lamentar a saída de uma informação que pode criar alguma instabilidade antes do jogo frente à Alemanha, com vários órgãos de comunicação social a noticiar que a direcção actual da Federação Portuguesa de Rugby já escolheu o novo seleccionador de Portugal, na pessoa de Patrice Lagisquet adjunto de Phillipe Saint-André na selecção francesa até 2015, tendo nos últimos 4 anos tido um percurso longe dos maiores holofotes internacionais. Porquê foi divulgada esta informação na antecâmara para o encontro de 16 de Junho?

Portugal entra em campo às 13h00 (hora portuguesa) em Frankfurt para tentar regressar ao Rugby Europe Championship… um objectivo importante, mas não fundamental para o futuro da modalidade.

Foto: FPR

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