Perfeição vs Excelência – Coluna de Luís Supico

Fair PlayJaneiro 2, 20194min0

Perfeição vs Excelência – Coluna de Luís Supico

Fair PlayJaneiro 2, 20194min0
Uma jogada sensacional na NFL acaba por ser "comum" no rugby e Luís Supico explica a diferença entre a Perfeição e Exclência no desporto

Passou no outro dia em grande plano no futebol americano: “O milagre de Miami”.

Na bola de jogo e numa jogada completamente inesperada, os Miami Dolphins venceram por 34-33 os New England Patriots, finalistas vencidos do último Super Bowl e vencedores do antecessor. O milagre? Foi o primeiro jogo ganho, na bola de jogo, com dois passes laterais. De sempre. Na NFL.

Fui obviamente ver a jogada, milagres não há muitos… Senti-me enganado e não foi pela jogada em si (fraquinha por comparação com rugby, inimaginável em futebol americano), mas por ver que os standards americanos, tão precursores da perfeição, são muito mais baixos do que possamos pensar.

Vejamos a coisa pelo prisma americano: treinam, pensam, vivem para a perfeição – os movimentos dos jogadores, os passos dados e o virar, saber onde vão estar e meter lá a bola quase sem olhar, antecipação da defesa, compassos de espera, etc.. Tudo estudado ao mais ínfimo pormenor com uma pequeníssima porta para pequenas variações, dependendo do pressentimento do momento, mas onde a manobra de erro é escassa e um passo a mais ou a menos é sinónimo de cataclismo apocalíptico.

Daí que uma jogada final, onde o menor erro é o suficiente para se perder o jogo (e, quem sabe, a hipótese de se ir às finais) e onde aparecem três oportunidades para erro em forma de passe, que tem tudo para não funcionar bem, ganha o jogo. Claro que se exacerba o acontecimento! A mesma, a tentar ser repetida vezes sem conta, nunca mais irá dar certo – mas esta deu.

Sou sincero: gabo a genialidade dos americanos. Quando a coisa corre bem, futebol americano é um espectáculo, onde cada equipa é melhor que a outra e o trabalho de uma vida (anos e anos de pesquisa, conhecimento de jogo, intuição e trabalho) se juntam numa ou outra jogada completamente infalível. Continuamente. Mas esta busca da perfeição limita, também, a evolução de todos – porque a perfeição fecha-se nela própria, ou seja, se não é perfeito, então não serve, nada é adaptável: ou existe (perfeição) ou é o descalabro. E as pessoas são humanas, logo, se estão num dia mau… as hipóteses de vitória são quase inexistentes.

Havendo tanta busca pela perfeição o jogo começa-se a fechar em si próprio, já que o que se procura é, por norma, a perfeição e o seu contrário; isto é, à falta de ideias originais, o objectivo é impedir que os outros consigam pôr em prática o seu modelo de jogo. Mas para isso também há (felizmente) quem tenha ideias originais, tal como Pete Carroll, treinador dos Seattle Seahawks que apostou na técnica de placagem de rugby (inexistente no futebol americano) para ganhar uma vantagem sobre todos os outros. Tanto que acabou por ganhar um Super Bowl há um par de anos, bem como presenças quase obrigatórias nos playoffs.

Dependendo das épocas aparecem-nos, nos treinos, jogadores de outros desportos, seja por estarem cansados das exigências de onde vêm ou com vontade de aprender outras coisas e, tendo em conta os anos que já levo de treinador, dá para começar a perceber de que desporto são quando aparecem: os futebolistas lêem o jogo muito mais facilmente que qualquer um, porque jogam de cabeça levantada; os basquetebolistas são os mais completos no que toca ao manuseamento da bola, já que a nossa bola parece de brincadeira a comparar com a borracha laranja; os andebolistas os mais preparados para o contacto, perdendo pouquíssimas bolas no meio da confusão; os judocas péssimos placadores (usam o corpo dos outros para os desestabilizar, logo, fogem do contacto como o que pedimos na placagem) mas excelentes no contra-ruck.

Esta miscelânea de conhecimentos são, do meu ponto de vista, o que fazem um jogador de rugby e o diferenciam de todos os outros desportos: na busca pela perfeição, encontra a excelência. Porque o humano é imperfeito e o jogo de rugby um constante evoluir de situações inesperadas, todo e qualquer momento que apareça tem de ser bem interpretado e executado; a sua leitura (e consequente técnica a usar) certas são, para mim, perfeição.

O que podemos então retirar do futebol americano? Perfeição sim, mas não no objectivo final: perfeição na leitura de jogo, na técnica a uso (placagem, limpeza de ruck, passe, offload, etc.), na continuidade do jogo, perfeição na adaptabilidade ao que aparece à frente – mas excelência no resultado final.


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS