Crónicas do Sr. Ribeiro: Carta aberta aos pais dos jogadores de rugby

Fair PlayJaneiro 31, 20185min0

Crónicas do Sr. Ribeiro: Carta aberta aos pais dos jogadores de rugby

Fair PlayJaneiro 31, 20185min0
O Sr. Ribeiro, enquanto árbitro, deixou algumas recomendações aos pais dos atletas da Oval em Portugal. Ideias e pontos importantes para ler e reler!

Caros pais,

Antes de mais, deixem-me dar-vos (nos) os parabéns. Não é fácil, como pais, deixar os nossos filhos praticarem um desporto como o rugby.

Sabemos que vão magoar-se mais vezes do que os miúdos que não jogam, mas confiamos que aprendam também a levantar-se mais vezes.

Queria apenas chamar a V. atenção para a segurança dos jogadores, pequeníssimas coisas. Não vou dar aqui qualquer lição, vou partilhar a minha opinião, apenas e tão só para que, com isso, parem um bocado para pensar neste assunto, mesmo que, com toda a legitimidade, discordem por completo.

Começando de fora.

O rugby é uma batalha. Dentro de campo. É um desporto muito complexo, técnica e tacticamente falando, que implica um rigor enorme, precisamos então de confiar inteiramente no que os treinadores dizem e deixar esse trabalho para eles.

Gritos de “passa a bola”, “placa“, e outros conselhos, por melhores que sejam, só vão atrapalhar os nossos pequenos guerreiros, retirando-lhes concentração aumentando o risco de se magoarem.

Já que falamos no incentivo, tenham em atenção que cada placagem enorme que é feita há um jogador que a sofreu. Se calhar, mesmo que esse jogador seja da equipa adversária, nesse momento quem precisa de incentivo é o placado, que vai precisar de toda a coragem para se levantar e voltar a jogar.

Procurem guardar os parabéns ao placador para o fim, onde, com mais calma até saberá melhor o elogio pela exímia fruta.

Agora, sobre o equipamento, dos pés para a cabeça.

Em relação a chuteiras, a maior parte dos campos onde jogam as escolas são sintéticos. As chuteiras do futebol são uma porcaria, podem ser mais giras e utilizadas pelo Cristiano Ronaldo, mas aqueles pitons altos e em linha, com o peso dos miúdos, não furam a relva, por isso só desequilibram.

Há uns sapatos, próprios para futebol em sintético, menos engraçados, é verdade, mas achatados na parte de baixo, mas que funcionam muito melhor e são muito menos perigosos nas pisadelas e outros azares.

As meias. De acordo com todos os jogadores dos 4 aos 11 anos, as meias servem para guardar a protecção dos dentes…

Expliquem-lhes que estão errados. As meias servem para tapar as pernas, a protecção dos dentes funciona melhor na boca.

Evitem acessórios de pulso. Uma coisa é uma pulseira de pano, outra coisa são relógios, pulseiras com conchas, missangas e qualquer outro objecto rígido ou que se parta. Tudo isso aumenta o perigo de cortes e pancadas mais chatas.

Nas camisolas, peço encarecidamente que não deixem os miúdos entrar para o campo com camisolas de capucho. Há outras soluções para o frio. E é um perigo ter um babete que esvoaça para trás quando eles correm para a frente, é que está mesmo à mão para puxar.

Também facilmente, quando um miúdo se baixa, o capucho tapa-lhe os olhos que o medo já dificulta em manter abertos.

Sobre as ombreiras, tenho a mesma opinião que o capacete.

Os meus filhos não utilizam. E as razões são simples.

Em primeiro lugar, nem as ombreiras, nem o capacete têm a densidade ou espessura suficientes para evitar as coisas graves, como os ombros deslocados ou os traumatismos cranianos. Consultem, porque existem vários, os estudos sobre essa matéria.

Mas tanto as ombreiras e o capacete dão ao utilizador uma falsa segurança. Porque não dói colocar a cabeça. Não evita o traumatismo, mas evita o velho galo.

Eu prefiro que os meus filhos saibam o que dói, para poderem aprender a placar e entrar de forma correcta. Pô-los de armadura não lhes vai ensinar a entrar, pelo contrário.

É como a coragem. Coragem não é ausência de medo, isso é irresponsabilidade, coragem é agir, mesmo com medo. Porque só assim vamos conseguir agir com consciência do que estamos a fazer e com o devido cuidado.

Por fim, a protecção dos dentes.

Para mim, o mais importante objecto de segurança na modalidade. É fundamental que aprendam a usar desde o primeiro dia. Porque se não o fazem, mais tarde também não vão conseguir fazê-lo.

Os mesmos estudos que apontam para a ineficácia do capacete nos traumatismos cranianos, indicam que ter uma borracha na boca para morder e absorver o impacto pode ser mais eficaz na prevenção.

Ou seja, a “boqueira” não protege apenas os dentes, mas a cabeça.

Além de reduzir, drasticamente, aquelas feridas do lado de dentro da boca, que os miúdos se queixam imenso e que doem a sério.

Creio que não existe uma panaceia.

Mas estou convencido que a maior dificuldade é nossa. Como pais, vermos os nossos filhos magoarem-se. Mas, quando o mal está feito, tentem celebrar a lesão. São marcas de guerra, o importante é ficar bom e voltar ao combate. É que mesmo de lesão em lesão, que é como se contam as épocas no rugby, não vai haver outro desporto que eles queiram tanto praticar, nem outro em que façam tantos amigos ou que ganhem tanto respeito pelo adversário.

Confesso que no rugby das escolas estou sempre pelas duas equipas em campo.

Foto: Luís Cabelo Fotografia

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