Como um acórdão desvirtua o esforço de centenas sub-16 da oval lusa

Francisco IsaacMaio 19, 20198min0

Como um acórdão desvirtua o esforço de centenas sub-16 da oval lusa

Francisco IsaacMaio 19, 20198min0
O Campeonato Nacional "B" de sub-16 vai ter que ser novamente jogado mas o problema está na forma como o acórdão dessa decisão foi "elaborado". Desconsideração ou realidade do escalão?

No dia 17 de Maio de 2019 a Federação Portuguesa de Rugby, na sua pessoa do Conselho de Justiça, revogou uma das últimas decisões e despachos da Comissão de Gestão Provisória em relação ao encontro entre o SL Benfica e CR Setúbal do Grupo “B” do Campeonato Nacional de Sub-16, forçando a toda uma repetição de uma série da competição.

Comecemos então por descontextualizar um ponto do acórdão relativo ao tal jogo de sub-16 antes de saltarmos para a reflexão, críticas e “dramas”,

“Depois, também não pode deixar de ser sublinhado que estamos perante uma competição secundária de um escalão de formação, onde o principal objectivo é manter em atividade, até o mais tarde possível, os jovens atletas.”

É um chavão que podia ajudar a definir a postura da maioria dos grandes decisores do rugby português em relação à formação e desenvolvimento, quando não está a decorrer a luta por títulos europeus ou a conquista de medalhas, mostrando bem os “ideais” (e não confundir com ideias) de quem tem efectivamente o poder de julgar, decidir e fazer.

EMBRÓGLIO ADMINISTRATIVO COM CONSIDERAÇÕES DE JUÍZO

De um momento para o outro, o novo Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Rugby tomou a decisão de reverter (mais) uma decisão da Comissão de Gestão Provisória que governou os destinos da modalidade durante os últimos 10 meses, esta referente à 2ª Divisão do escalão de sub-16, num jogo entre SL Benfica e CR Setúbal. Para quem desconhece a os factos, explicamos que em Fevereiro deste ano deu-se o tal malfadado encontro onde não constava qualquer juiz de jogo oficial (como tantos outros), tendo se arranjado um árbitro da bancada para arbitrar.

No final dos 60 minutos, SL Benfica apresentou nos seus apontamentos uma igualdade a 38 pontos… porém, os sadinos aludiram que o jogo tinha terminado com a vitória do Setúbal por 38 pontos a 36, o que mudaria por completo a classificação final deste grupo da fase de apuramento da competição “B” do escalão. E o árbitro? O árbitro-convidado não se preocupou a anotar os resultados, até porque não era a sua obrigação naquele momento, tendo sido só um recurso final para uma situação escusada e que foi “fabricada” pela própria Comissão de Gestão.

Seguiram-se semanas de debate e rebate, com a Comissão de Gestão a ter que tomar uma decisão, que até num primeiro instante foi decidido em concordância com todas as partes envolvidas e restantes clubes do grupo. Estranhamente, e como consta no acórdão, a própria comissão terá mudado a sua decisão final que beneficiou a passagem das águias à fase seguinte, ficando por terra o Setúbal.

O agora acórdão do novo Conselho de Justiça (podem consultar todo o acórdão aqui: acórdão sub16), tornado agora oficial pela Federação Portuguesa de Rugby, reverte toda a decisão com uma série de considerações estranhas, que vão desde denegrir a Comissão de Gestão anterior (desnecessário) a usar das frases e expressões mais invulgares possíveis (igualmente desnecessário), como

“E nem se diga, “atirando o barro à parede”, como pareceu fazer a Comissão de Gestão, que as Fichas estavam assinadas pelo árbitro e pelos respectivos Directores das equipas, porquanto o árbitro declarou expressamente no respectivo Boletim que não apontara os pontos, deixando tal desiderato aos clubes intervenientes.”

Ou a tal frase inicial invocada, arremessada para o meio de uma reflexão larga que acaba por reverter parte da competição dos sub-16, forçando a não só que se realize toda a 2ª fase de apuramento de subida do Grupo “B” como ao impedimento de se jogarem as meias-finais da Taça de Portugal do escalão (e repetição dos vários encontros), quando estamos a aproximar-nos do mês de Junho.

A PIRÂMIDE INVERTIDA DO RUGBY PORTUGUÊS

Mas o que fica claro é que existem competições primárias e secundárias na opinião dos actuais membros do Conselho de Justiça, evocando que nesta idade o importante é manterem a actividade, como se tratasse de um hobby ou de uma prática em que estes atletas não investem 10 a 12 horas do seu tempo semanal (e estamos a falar dos mínimos) para se desenvolverem como jogadores e cidadãos.

Infelizmente, esta opinião não se fica pelo Conselho de Justiça actual, uma vez que a Comissão de Gestão teve exactamente a mesma ideia quando decidiu isentar a FPR da responsabilidade de designar e alocar árbitros a estas competições a partir de Fevereiro de 2019. A preocupação está e estará sempre nos séniores, na Selecção A, numa inversão total daquilo que devia ser a pirâmide de preocupações por parte dos dirigentes do rugby português.

Recapitulando, o problema começou na falta de árbitros; o problema adensou-se quando foi tomada uma decisão que agradava uma minoria (e dificilmente haveria alguma que fosse de encontro aos desejos e desígnios de todos); e o problema triplicou de dimensão quando a decisão tácita do Conselho de Justiça passa por repetir toda a 2ª fase com a integração do Setúbal, uma decisão necessária perante os argumentos e atitudes da antiga Comissão de Gestão; mas e afinal de onde adveio todo este problema?

Do assumir e olhar para o escalão sub-16 como se fosse um pormenor do calendário anual do rugby nacional, não tendo expressão na vida da oval lusa.

Mais uma vez, surge um problema legal da FPR porque os factos não foram bem apurados e a forma errada de como se tomou uma decisão vai acabar por desconsiderar todos os resultados somados entre Março e Maio de 2019.

Lembrar ainda que em Abril abriu-se a “caixa de pandora” da reintrodução do Clube Rugby do Técnico no CN2, que depois de ter sido ajuizado a exclusão deste emblema deste campeonato por ter colocado um jogador suspenso dentro das quatro-linhas afinal, conseguiram reverter graças a erros processuais. Incrivelmente os engenheiros admitiram a sua culpabilidade nessa acção, numa clara demonstração da ausência total de cultura desportiva e uma falta de noção de civilidade que começa a ser inerente ao rugby português. São portanto dois erros de juízo do anterior Conselho Disciplina e Comissão de Gestão, que forçaram a acção imediata do Conselho de Justiça, nos termos de remover uma equipa de uma competição.

Retornando ao tema “quente”, como explicar aos encarregados da educação de um atleta de formação do rugby português de que jogam numa competição secundária, sem árbitro (o que significa sem condições mínimas de segurança), com constantes problemas de oficialização de resultados, onde não há qualquer informação relativa aos seus jogos e resultados na comunicação da Federação Portuguesa de Rugby e que é visto por quem dirige como um esforço para “manter a actividade”?

Será que o investimento que os mais de 30 clubes fazem no escalão de sub-16 pode ser só visto como uma perda de dinheiro numa competição secundária com o objectivo de manter em actividade, até o mais tarde possível, os jovens atletas? Porquê fazer aquela consideração no acórdão quando não é só vista como desnecessária mas descaracterizada do teor de todo o texto?

Até quando os sub-8/10/12/14/16/18 serão tratados como parentes pobres da modalidade, servindo só para aliciar possíveis investidores e instituições públicas a apoiar o rugby? Até que ponto a conversa de voltar ao Mundial ou ao Circuito de 7’s da HSBC é mais importante do que a cativação e manutenção de jovens atletas que são o verdadeiro “sangue” que bombeia o rugby nacional?

Estamos em meados de Maio, o grupo “B” dos sub-16 vai voltar à estaca-zero (aparentemente) e o CN2 ainda está a alguns jogos longe do seu fim… até quando os casos polémicos e de profunda desconsideração para com os valores e espírito da modalidade vão continuar a acontecer?

“O manter actividade” (Foto: Luís Cabelo Fotografia)

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