[Aqua Moments] A regra dos 15 metros

João BastosSetembro 17, 20175min2

[Aqua Moments] A regra dos 15 metros

João BastosSetembro 17, 20175min2
O Aqua Moment de hoje revisita os Jogos Olímpicos de Atlanta e o legado deixado por Denis Pankratov, um dos melhores nadadores de sempre

O Fair Play continua a sua série de artigos que recordarão momentos históricos (uns mais do que outros) da natação. O Aqua Moments olhará para o retrovisor e reviverá marcos incontornáveis da história da modalidade


A natação é, sem dúvida, um dos desportos mais dinâmicos ao nível das regras que a regulam e uma significativa parte desse dinamismo evolutivo da modalidade advém da introdução de processos ou prática inéditas por parte de nadadores com capacidades invulgares ou da perspicácia inventiva de treinadores visionários.

A incorporação desses novos processos tradicionalmente acontece por exploração de casos omissos nos regulamentos e nas regras, daí que quem os preconize seja necessariamente alguém que põe em prática um método que ninguém sequer idealiza. Veja-se, actualmente, a discussão em torno da “Lochte turn” e as dúvidas que surgiram no seio da arbitragem sobre a legalidade das viragens do americano Ryan Lochte nos percursos de estilos.

Lochte Turn

Contextualizando para os leitores que não estejam a par do que significa a “Lochte turn”: Ryan Lochte e o seu treinador David Marsh chegaram à conclusão que o nadador americano (um dos nadadores com melhores percursos subaquáticos de sempre) ainda é melhor executante na posição dorsal do que na posição ventral, mais concretamente, Lochte percebeu que num percurso subaquático de costas chega a ser 1 segundo mais rápido até aos 15 metros do que se fizer os batimentos de mariposa.

A explicação, aqui na primeira pessoa:

Nas regras da natação, no estilo de livres pode-se nadar qualquer técnica. Normalmente nada-se crawl por ser a técnica mais rápida, mas se numa prova de livres um nadador passar pelas quatro técnicas não é desclassificado, por isso, não há regra nenhuma que impeça que Lochte pratique o seu percurso subaquático nas provas de livres.

O problema é nas provas de estilos e nas estafetas de estilos (algo que passou à margem da discussão). A grande especialidade de Ryan Lochte, e a prova onde é recordista mundial, é a de 200 metros estilos e foi onde se questionou esta sua técnica de viragem. É que nas provas de estilos, a sequência é mariposa, costas, bruços e crawl, o que significa que o último percurso da prova não é nadado em estilo livre mas sim em crawl, tornando a sua viragem (de bruços para crawl) irregular.

No entanto, quando Lochte estreou a sua nova viragem, nos Mundiais de Kazan 2015, os juízes foram apanhados de surpresa e não só não desclassificaram o americano – campeão do mundo dos 200 estilos nessa edição – como consideraram que a regra 9.1 teria de ser clarificada. Nesse sentido a FINA emitiu uma nota interpretativa onde abolia por completo a realização da “Lochte turn” nas provas de estilos.

Nota interpretativa da FINA:

De acordo com a regra 9.1, cada técnica deverá ser nadada em 1/4 do percurso da prova. Estando o nadador na posição de costas no início do percurso de crawl, nas provas de estilos, significa que nadará mais do que 1/4 da prova na técnica de costas e incorrerá numa desqualificação. A técnica de costas define-se apenas por nadar na posição dorsal

O exemplo da “Lochte turn” é mais recente e vem na sequência daquele que mais pretendemos enfatizar neste artigo e um dos que mais revolucionou a natação mundial: a génese da regra dos 15 metros.

O submarino russo

Como é conhecido, nas regras respeitantes às provas de livres, costas e mariposa não é permitido romper a superfície aquática para além dos 15 metros depois da partida e de cada viragem. Esta foi uma regra introduzida depois dos Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996, quando o russo Denis Pankratov se tornou campeão olímpico dos 100 e 200 mariposa nadando boa parte das provas debaixo de água.

A sua extraordinária capacidade hidrodinâmica e aeróbica permitiu-lhe romper a superfície aquática aos 25 metros depois da partida para a final dos 100 metros mariposa. Quando começou a nadar levava cerca de meio corpo de avanço para os mais directos adversários e menos 7/8 braçadas realizadas. Veio a viragem e o russo voltou a fazer uso da sua principal (mas longe de ser a única) arma e foi debaixo de água até aos 15 metros e, apesar da aproximação do australiano Scott Miller nos últimos metros, o russo conseguiu vencer a prova estabelecendo um novo record mundial de 52.27.

Nos 200 metros mariposa “repetiu a dose”, apesar de não bater o máximo mundial que já era seu. Venceu o ouro olímpico contra adversários bem conceituados como Tom Malchow, Scott Goodman, Franck Esposito, Scott Miller (que nos 200 ficou em 5º), Denys Sylantyev, James Hickman e Peter Horvath. Na prova mais longa, o russo teve de gerir melhor a necessidade de oxigenação e foi mais comedido nas viragens, mas na partida voltou a sair muito perto de meio da piscina.

Apesar da impressionante inovação que Pankratov trouxe para a natação, corria-se o risco que a modalidade se tornasse predominantemente subaquática, atribuindo-se títulos aos melhores “submarinos” ao invés de serem atribuídos aos melhores nadadores. Assim, a FINA limitou os percursos subaquáticos aos 15 metros, coisa que os melhores nadadores do mundo da actualidade exploram até ao último centímetro e na qual os americanos têm, normalmente, o ponto forte do seu nado, já que treinam em piscinas de jardas. Veja-se o caso de Ryan Lochte, um dos mais fiéis discípulos de Pankratov.

Assista à final olímpica de Atlanta dos 100 mariposa, com Pankratov a nadar na pista 5:


2 comments

  • nataciocatalana

    Novembro 13, 2017 at 9:10 pm

    Não devemos esquecer-nos tampouco dos primeiros que demonstraram o nado submarino, os costistas Daichi Suzuki, japonés, e David Berkoff, norteamericano, ouro e prata nos 100m. costas dos JJ.OO. de Seul-1988, que nos “obsequiaram” com uns belos 35-40 metros submarinos de costas, nas eliminatòrias e na final. E acho que foi a partir de aí que se começou a falar em limitar os percursos de nado……
    Acho muito interessante dar a conhecer a história da natação, voces fazem uma boa pàgina.
    Cordialmente
    Guillem Alsina

    Reply

Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS