Portugal falha Jogos Mundiais de Praia: E agora?

André CoroadoMaio 14, 201911min0
A equipa das quinas acabou arredada da primeira edição dos Jogos Mundiais de Praia, no seguimento de duas derrotas no torneio de apuramento do continente europeu. O Fair Play vem por isso analisar o que falhou em Salou e procurar identificar pontos chave a corrigir para que o resto da temporada seja mais risonha.

A selecção portuguesa de futebol de praia falhou no passado fim-de-semana a qualificação para os Jogos Mundiais de Praia, fruto do modesto 7º lugar alcançado no torneio europeu de apuramento realizado em Salou, na Catalunha (Espanha). Perante o desaire averbado neste primeiro momento crucial da época, importa analisar a prestação de Portugal através de um olhar crítico, identificando as causas do insucesso lusitano, mas sem desvalorizar o que de bom foi demonstrado nas areias do Mediterrâneo.

O trajecto de Portugal em Salou

Em primeiro lugar, analisemos o percurso da equipa orientada por Mário Narciso. Embalados pela conquista da CFA Belt and Road Beach Soccer Cup em Haikou, na China, duas semanas antes, a selecção nacional iniciou a qualificação com uma goleada frente ao Cazaquistão por 10-2, nos oitavos de final. Pese embora a menor experiência dos cazaques, equipa da divisão B europeia, a formação de leste tinha vindo a evoluir a passos largos nos últimos dois anos, pelo que a vitória portuguesa é meritória, num encontro que se tornou muito mais fácil na sequência da entrada forte de Portugal no 1º período (parcial de 5-0).

Contornos semelhentes teve o início do encontro dos quartos de final diante da Suíça, cujo vencedor teria entrada directa nos Jogos Mundiais de Praia. Uma entrada fulgurante de Portugal seria responsável pela construção de uma liderança sólida a meio do 1º período, com destaque para o desempenho do quarteto de campo formado por André Lourenço, Madjer, Belchior e João Gonçalves (Von). A segunda linha da selecção assinou 3 tentos em outros tantos minutos, confirmando o maior desenvolvimento de jogo que se tinha vindo a verificar por comparação com a época passada. Porém, o 4-1 no marcador acabaria por dar lugar a um 4-5 final, contra uma Suíça particularmente inofensiva, que se limitou a aproveitar as falhas de Portugal. Foram evidentes os erros defensivos da equipa portuguesa, mas também a ineficácia do processo ofensivo nacional, que, atipicamente, não produziu qualquer golo durante os 2º e 3º períodos.

Restava ainda uma derradeira esperança para Portugal, que se prendia com a obtenção do 5º lugar que daria acesso ao play-off de apuramento diante do 3º classificado do apuramento sul-americano. O adversário no primeiro confronto seria a Ucrânia, a única equipa do continente europeu contra a qual Portugal apresenta um histórico desfavorável (mais derrotas do que triunfos nos últimos 10 anos). Tratava-se, pois, de um desafio difícil, ao qual uma equipa portuguesa desequilibrada emocionalmente pela derrota do dia anterior não soube responder da melhor maneira, averbando nova derrota, desta vez por 5-3. Nesta partida, Portugal pode queixar-se da falta de sorte, em virtude do número avultado de remates que embateram nos ferros da baliza ucraniana ou contaram com desvios traiçoeiros na areia. No entanto, naturalmente, tal não constitui justificação para uma derrota clara de Portugal, num jogo em que a Ucrânia soube controlar os momentos do jogo e foi, por isso, superior.

Já no último dia de competição, sem quaisquer chances de apuramento, Portugal desfeiteou a França por 6-3, num jogo de sentido único, ainda que algumas desatenções em momentos chave do jogo tenham permitido que os gauleses equilibrassem as contas da partida. Apesar de tudo, sendo certo que ainda não vimos Portugal na sua máxima força, a resposta da equipa foi globalmente positiva atendendo ao contexto do torneio.

Avaliação da prestação lusa

Uma análise crítica tem de recair sobre os motivos das derrotas somadas contra helvéticos e ucranianos. Neste ponto, existe matéria para discussão e reflexão nos 10 golos sofridos. Muitos destes tentos corresponderam a situações de bola parada, sejam livres/grandes penalidades concedidos por uma equipa portuguesa mais faltosa do que o habitual, sejam lançamentos laterais/cantos em que as falhas de posicionamento de Portugal foram notórias. As bolas paradas defensivas e a disciplina emocional no sentido de não cometer faltas (mesmo perante decisões injustas da equipa de arbitragem) são por isso aspectos a rever.

A nível de bola corrida, parece-nos que Portugal tem de rever a resposta ao 5×4 adversário, na medida em que a pressão alta aos guarda-redes e alas adversários por parte de 2 elementos lusos tem deixado a defensiva portuguesa em contrapé, não sendo a rotação defensiva rápida o suficiente para anular uma jogada adversária rápida ao primeiro toque. Finalmente, e estabelecendo a ponte com a componente ofensiva, Portugal expôs-se demasiado a contra-ataques adversários, geralmente por ter arriscado passes demasiado difíceis em zonas perigosas, resultando em perdas de bola que por vezes se revelaram letais.

Plantel luso em Salou, antes do encontro contra a equipa cazaque [Foto: BSWW]

Passando à análise do ataque, há que reconhecer o bom trabalho realizado pela selecção nacional no desenvolvimento do jogo da segunda equipa. Se, nas duas épocas anteriores, tendia a existir um desequilíbrio claro entre os dois quartetos de campo, desta feita a produtividade ofensiva de ambas as equipas tem-se revelado mais uniforme. Belchior tem-se apresentado novamente numa boa forma e acrescenta qualidade à equipa, assim como Von, que denota uma evolução inequívoca e tem conferido maior profundidade e acutilância ao ataque português. Por seu turno, André Lourenço revela uma maturidade incrível e constitui-se como uma pedra fundamental no equilíbrio da equipa, tanto a defender (actuou como fixo) como em missão ofensiva, enquanto Madjer continua a ameaçar as redes adversárias com o seu remate.

Também Pedro Vasconcelos Silva marcou presença em campo, tendo o jogador do CD Nacional demonstrado a segurança defensiva e o cumprimento exemplar das tarefas que lhe são incumbidas, assim como Rúben Brilhante, que se estreou em competições oficiais pela selecção com alguns minutos em que ficou patente a sua assombrosa qualidade técnica. Ambos entraram por vezes no segundo quarteto de campo, que por vezes contava com Léo Martins no lugar de Belchior (o número 10 jogava então como pivô na primeira equipa). Todavia, existem ainda rotinas a trabalhar no âmbito deste segundo quarteto, por forma a tirar partido das potencialidades dos jogadores, tanto numa saída em 3:1 como a paritr do 5×4 montado por Elinton Andrade. Tendo jogadores com a qualidade técnica de Belchior (ou Léo Martins) na ala e Von a pivô, é imperioso criar condições para que estes jogadores recebam a bola no meio-campo adversário e disponham de mais oportunidades de golo. Nesse sentido, o jogo parece-nos permanecer um pouco lento e estático, apesar das melhorias relativamente à época passada.

Ao nível do quarteto formado por Torres, Jordan, Bê e Léo Martins (Coimbra esteve ausente por lesão e Torres jogou por isso ao lado dos colegas do SC Braga), continua a ser a equipa mais dominadora em termos de posse de bola e qualidade de circulação que Portugal apresenta, mas não conseguiu encontrar a sua melhor versão em Salou. Atendendo ao que se conhece do trio Jordan – Bê – Léo, podemos afirmar com toda a convicção que têm condições para produzir muito mais (conforme já o fizeram este ano quando se sagraram campeões do Mundialito de Clubes pelo SC Braga) e acreditamos que tenham apenas realizado um mau torneio em termos inividuais, em que o factor do abatimento psicológico terá obstado ao seu normal desempenho.

Parece-nos, no entanto, que faltou alguma objectividade ao ataque lusitano, que se desdobrava numa série de passes e combinações infrutíferas, perante um bloco defensivo baixo dos adversários que teimava em não se desmontar. Muitas vezes, Portugal acabava por perder a bola num passe demasiado arrojado ou na tentativa de colocação de bola num jogador muito marcado pela defesa adversária. Noutras ocasiões, não conseguindo desmontar a equipa adversária a partir do sistema 3:1, Portugal recorria ao 5×4 montado por Elinton Andrade (o que regra geral nos parece um deperdício quando estão em campo Jordan, Bê e Léo) e também assim não se revelava particularmente perigoso. A velocidade e as rápidas combinações que costumamos ver executadas por estes jogadores não foram, por isso, vislumbradas em Salou com a frequência habituais. Há que reconhecer o mérito das defesas adversárias, nomeadamente Suíça e Ucrânia, que não deram espaço aos velocistas lusos. Mas justamente por isso seria importante Portugal colocar em prática o campo longo, nomeadamente a partir do sistema 3:1, para chamar os defesas adversários e criar espaço nas suas costas que poderia então dar asas à criatividade das cinco quinas.

Edouard Suarez não é superior a Jordan Santos, mas vemo-lo aparecer mais fruto de um modelo de jogo mais simples [Foto: SEFutbol]

Extrapolando esta ideia, parece-nos que o modelo de jogo de Portugal peca apenas justamente por isso: perder em objectividade o que ganha em termos de posse de bola e domínio territorial do encontro. Provavelmente, mais nenhuma outra equipa na Europa à excepção da Rússia consegue circular a bola da forma que Portugal o faz, mas tal não se reflecte numa maior produtividade ofensiva da selecção, que não tira partido das suas principais armas. Comparando com as equipas da Espanha e da Itália, que na nossa perspectiva não são tecnicamente superiores a Portugal (pese embora a presença de jogadores de topo como Llorenç e Gori), verifica-se que estas equipas apresentam um plano de jogo mais simples, objectivo e centrado na utilização dos pontos fortes dos seus jogadores, nomeadamente a facilidade de remate e a velocidade das suas principais figuras. Além disso, sobretudo no caso da Espanha, quase não recorre a uma saída em 5×4, que acontece apenas de forma esporádica, impedindo assim um adormecimento excessivo do jogo e assegurando que os jogadores mais criativos recebem efectivamente a bola nos locais onde podem desequilibrar.

O ano mais preenchido de sempre

Estes parecem-nos ser os pontos que Portugal poderia melhorar tendo em conta o que resta da temporada. Porque corre ainda o mês de Maio e a época mal começou! Há tempo, por isso, para rectificar os aspectos negativos registados em Salou e preparar da melhor forma as competições mais importantes da época: os Jogos Olímpicos Europeus, a realizar no final de Junho em Minsk, a liga europeia, que se desenrolará ao longo do Verão, e, sobretudo, a qualificação para o Mundial FIFA, claramente o torneio mais importante da época e onde urge obter uma das 4 vagas de apuramento, custe o que custar, a fim de assegurar o estatuto de Portugal como potência mundial. A prestação menos conseguida neste torneio, devendo motivar uma reflexão acerca dos pontos a corrigir, não pode colocar em causa o exemplar plano de preparação da selecção nacional ao longo deste ano, que já conta com diversos estágios com um grupo alargado de 15 jogadores e seguramente dará frutos nas próximas competições.

Como nota final queremos ainda saudar a convicção com que Portugal tem abraçado o desígnio da renovação do plantel. Se já aqui defendemos que um voto firme e determinado na renovação tinha faltado em 2018, desta feita é com agrado que encaramos a aposta em André Lourenço, Von, Pedro Vasconcelos e Rúben Brilhante, bem como Ricardinho e Pedro Mano, que continuam a fazer parte do grupo alargado de preparação e são a imagem dessa aposta no presente a pensar também no futuro. Naturalmente, poderá faltar em certos momentos alguma experiência internacional a estes jogadores, principalmente se comparados ao núcleo da equipa, mas trata-se agora de continuar a tirar partido e a desenvolver o potencial destes talentosos executantes. Independentemente do que possa ser dito nas derrotas, há que valorizar a forma estruturada como o plantel tem vindo a formar-se e sublinhar o mérito quer dos mais novos, quer dos jogadores mais antigos, assim como da equipa técnica responsável pela construção de uma equipa que todos pretendemos mais equilibrada e apta para responder aos desafios da época.

Em tudo isto, há que manter em mente que os objectivos propostos são ambiciosos e a fasquia se eleva ano após ano, no ambiente altamente competitivo do futebol de praia europeu e internacional. Mas Portugal já demonstrou no passado capacidade para se regenerar e responder aos momentos mais difíceis. Resta à geração actual demonstrar o valor e a energia moral necessários para repetir os feitos do passado.


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