O Atletismo de hoje e de amanhã

Pedro PiresMarço 28, 202010min0

O Atletismo de hoje e de amanhã

Pedro PiresMarço 28, 202010min0
A atual pandemia relacionada com o COVID-19 tem-se comportado como um autêntico furacão, varrendo tudo o que pela frente encontra e o Atletismo não tem sido excepção. Mas como vai ser depois da tempestade?

A época 2020 (praticamente) condenada

Antes do ano começar, as expectativas eram enormes. A época começaria com Mundiais de Pista Coberta em Nanjing, que serviriam apenas de aperitivo para uma temporada que se previa de luxo ao ar livre. A nova – e polémica – Diamond League iria entrar em funcionamento e o que muitos atletas haviam demonstrado nos Mundiais de Doha no final do ano passado, permitia prever que algo especial estava reservado para este ano. Depois viria a cereja no topo do bolo, com os Jogos Olímpicos de Tóquio (na 1ª semana de Agosto para o Atletismo) e ainda uma diferente edição de Europeus ao ar livre em Paris (com a particularidade de ser após os Jogos).

Tudo mudou. Se é verdade que a temporada em pista coberta ainda permitiu excelentes momentos de atletismo, como os recordes mundiais na Vara por parte do jovem sueco Armand Duplantis ou o recorde mundial em pista coberta do Triplo pela venezuelana Yulimar Rojas; também é verdade que a grande competição indoor – os Mundiais – foram prontamente adiados para 2021, retirando um grande interesse do que restava do circuito. Ao ar livre, ainda houve tempo para boas marcas na estrada, mas as grandes Maratonas da Primavera já foram todas adiadas, pelo menos, até ao Outono e as principais provas e competições de estádio nem chegarão a ocorrer.

A principal delas – os Jogos Olímpicos – já viu confirmado o seu adiamento para 2021 (datas a confirmar, mas mantendo o nome Tokyo 2020) e o próprio circuito da Diamond League tem já as suas primeiras seis etapas adiadas para datas incertas, sendo que o panorama da situação mundial permite prever que o cancelamento é o desfecho mais provável. Os Europeus de Agosto adiados ainda não estão, mas a situação em Paris não está fácil e uma decisão deverá ser tomada nas próximas semanas. Além de algumas das mais importantes provas de estrada – a Maratona de Londres ou os Mundiais de Meia-Maratona estão entre elas – também competições jovens – como os Mundiais Sub-20 que se iriam realizar em Nairobi em Julho – foram adiadas.

Este esperado duelo fica adiado…indefinidamente (Foto: Youtube)

O impacto para o futuro dos calendários

Em termos de calendário parece certo que os impactos serão consideráveis para as temporadas que se seguem. O adiamento dos Mundiais de Pista Coberta, dos Jogos Olímpicos (e possivelmente dos Europeus) para 2021 irá, provavelmente, forçar o adiamento dos Mundiais de Eugene, nos EUA, que se deveriam realizar no verão de 2021. A World Athletics já está em conversações com os organizadores para alterar esses campeonatos para 2022, um verão que seria relativamente calmo para o Atletismo, o chamado year-off, sem grandes eventos globais. Outras competições anuais – como as Majors de estrada ou circuitos como a Diamond League – não serão tão impactadas em anos seguintes, pois caso não se consiga a sua realização este ano, a edição 2020 das mesmas será simplesmente cancelada, à semelhança do que se vai passando em outros desportos, como o Ténis.

Em termos de grandes eventos globais, é também curioso que o Atletismo poderá vir a ter cinco anos consecutivos com grandes campeonatos ao ar livre, facto inédito na história. Contando com os Jogos de Tóquio em 2021, resta apenas confirmar que Eugene alterará os seus Mundiais para 2022. Caso isso aconteça, teremos depois Mundiais em 2023 em Budapeste, Jogos Olímpicos em 2024 em Paris e Mundiais, de novo, em 2025 (sede a confirmar). Serão cinco anos em que todos os atletas quererão estar no topo, com a particularidade de existir um ciclo olímpico (entre Tóquio e Paris) de apenas três anos.

O impacto para os atletas

Esta deverá ser uma questão que deverá preocupar todos os atletas, mas mais uns do que outros. À partida, os atletas mais velhos e que esperavam retirar-se após este verão, deverão forçar o adiamento desse final de carreira para o final dos Jogos de Tóquio, agora em 2021. Nenhum atleta quererá despedir-se do desporto num ano maldito como este, no qual nem sequer terão oportunidades de competir ao mais alto nível. Internacionalmente, atletas como o polémico norte-americano Justin Gatlin – que já havia afirmado que iria terminar a carreira após os Jogos de Tóquio – ou a velocista jamaicana Shelly-Ann Fraser-Pryce – que disse que iria terminar a carreira após os Mundiais de Eugene – terão que alterar os seus planos, sabendo que nas suas idades mais difícil é que o corpo responda da mesma forma.

A nível nacional, basta pegar no caso da nossa maior especialidade na atualidade, o Triplo Salto, para perceber que o impacto também pode ser grande. Nelson Évora pode parecer imortal, mas chegar competitivo a Tóquio com 37 anos (depois de todas as lesões que já enfrentou) será ainda mais heróico do que aquilo a que já nos habituou. Susana Costa estará também à beira de completar os 37, caso os Jogos sejam no verão de 2021 e mesmo Patrícia Mamona poderá chegar a Tóquio a pouco mais de três meses de completar os 33 anos. Todos eles podem, ainda assim, pegar em exemplos como o de Caterine Ibarguen que, aos 36 anos, continua ainda a dar cartas, mantendo-se na elite do Triplo.

Por outro lado, atletas como o sul-africano Wayde van Niekerk ou o queniano David Rudisha – que recuperam de longos períodos de ausência por lesão – podem agora ganhar uma vida nova, com um maior tempo de preparação para a competição rainha do desporto mundial. A nível nacional, atletas como Mariana Machado ou mesmo Etson Barros podem também ganhar um alento extra na procura pela primeira participação olímpica das suas carreiras, com mais um ano de maturidade e desenvolvimento. O referido Etson Barros entra também numa categoria de incógnitas no que diz respeito ao adiamento de competições jovens. Com a não realização dos Mundiais de Sub-20 este ano, Etson ficará impossibilitado de participar nessa competição em 2021, caso os mesmos critíerios sejam mantidos (completará 20 anos em 2021). Vozes há que defendem que esses atletas devem ser protegidos e devem poder participar na edição de 2021, mas outras há que defendem que isso iria prejudicar quem é, de facto, sub-20 em 2021 e que iria desvirtuar a competição. Uma decisão acerca dos critérios a utilizar deverá estar para breve.

Shelly-Ann tentará fazer mais história…para o ano
(Foto: Express & Star)

Por último, não podemos deixar de referir o impacto que a reclusão poderá vir a ter em todos os atletas. Nas últimas semanas, pelo mundo fora, vários atletas têm mostrado como se têm mantido em forma, seja a treinar em casa ou sozinhos em centros de treinos. Independentemente disso, é certo que não é exatamente a mesma coisa e muitos atletas podem vir a sofrer com isso durante e após o final da corrente situação.Ivana Spanovic é uma das atletas que partilha nas redes sociais a sua atual rotina

O peso e a forma física será uma preocupação para todos, mas a duração e a intensidade das cargas é algo que também preocupa todos os atletas e treinadores pelo mundo fora, que terão em 2021 que preparar os Jogos Olímpicos, após um longo período de ausência competitiva. É uma situação atípica que se vive e que se viverá nos próximos tempos. Sabemos que etapas se devem seguir quando se recupera de uma lesão, o que se deve fazer em tempos de suspensão, mas poucos têm respostas para atuar numa situação em que todos estamos limitados ao nível da liberdade de circulação, sem ainda juntarmos os aspetos psicológicos/mentais decorrentes do confinamento forçado. Novos tempos com os quais temos que aprender a lidar. O atletismo, esse, por cá continuará e quando ele voltar, a nossa fome do mesmo será maior do que nunca.

Ivana Spanovic é uma das atletas que partilha nas redes sociais a sua atual rotina


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