FK Obilic: um pormenor nacionalista sérvio com toques “imaginários”
Os nacionalismos balcânicos estiveram em voga durante este mundial, gerando-se um debate em torno da história e cultura desta região do sul da Europa. Por conta da prestação seleção croata e dos comportamentos de alguns elementos da sua equipa e torcida, a maioria das atenções incidiu nesta forma de nacionalismo étnico.
Quer o nacionalismo croata quer o nacionalismo sérvio começaram a ressurgir com força durante a crise económica da fase final da Republica Socialista Federativa da Jugoslávia – que se inicia na década de 80 e se agrava com as sanções económicas impostas a este país – e atingiram o seu ponto máximo na Guerra Civil Jugoslava (1991 – 2001). Sendo que o nacionalismo croata e as suas relações com os Ustase foram bem debatidas durante este verão, seria interessante falar do nacionalismo sérvio.
Se o nacionalismo croata tem nos Ustase grande parte da sua base ideológica e simbólica, o nacionalismo sérvio encontra essas bases nos Chetniks. Os Chetniks nada mais foram do que uma brigada paramilitar ultra-nacionalista e integralista – o seu pensamento aproxima-se do de uma figura como Plínio Salgado e da Ação Integralista Brasileira, por exemplo – que combateram ao lado dos Nazis e dos Ustase contra os Partisans e o Exército Vermelho.
Não só receberam armas das forças do Eixo (Itália fascista e Alemanha Nazi) como participaram ativamente na limpeza étnica de comunidades romani (ciganos), bosniaks (bósnios muçulmanos) e judaicas. A narrativa típica do nacionalismo sérvio oculta a colaboração entre Nazis e Ustase com Chetinks, alegando que estes combateram os Nazis, Ustase e os Partisans – a base desta argumentação assenta num pequeno grupo de dissidentes dos Chetniks que de facto combateu todos as forças, mas omite, deliberadamente, que a maior parte deste grupo colaborou com todas as forças fascistas presentes na península Balcânica.
Em 1945, com a conquista do poder por parte dos Partisans, o líder Chetnik (Draza Mihailovic) é preso e condenado à morte por alta traição e crimes de guerra. Durante anos, a simbologia Chetnik e Ustase, a sua literatura e a sua apologia foram consideradas proibidas e crime, mas na década de 80 houve um fim dessa proibição, abrindo portas para o revisionismo histórico e para uma oposição política que defendia abertamente o papel destas duas brigadas paramilitares.
A braços com uma crise económica brutal, a oposição política ao projeto multi-etnico jugoslavo usou e abusou dessa revisão do passado para ganhar espaço como uma alternativa política viável. Obviamente, que toda esta simbologia e ideologia começou a entrar na sociedade jugoslava e no futebol tornou-se especialmente visível nos grupos ultras. Inclusivamente, aconteceu o ressurgir de um clube ligado à mitologia do nacionalismo sérvio, que conquistou um titulo de campeão jugoslavo (aqui já era só composto pela Sérvia e polo Montenegro) em 1998. Essa equipa era o FK Obilic.
O FK Obilic foi fundado num bairro de Belgrado, em 1924, por um grupo de jovens nacionalistas sérvios. Com a criação da Republica Socialista Federativa da Jugoslávia, as autoridades obrigaram o clube a mudar de nome, passando a chamar-se Cubura (o nome do bairro onde se fundou). Mas com o arranque da guerra civil jugoslava a primeira medida foi recuperar o nome anterior Obilic. Mas quem foi Obilic?
Milos Obilic é um guerreiro medieval sérvio, que lutou na batalha do Kosovo (1389) e que o nacionalismo sérvio idolatra, pois segundo a lenda foi o guerreiro que assassinou o Sultão Otomano Murad I. Ele era um dos grandes mitos do movimento Chetnik (recordemo-nos que foram responsáveis pelo genocídio de população Muçulmana na Bósnia). Atualmente, a igreja ortodoxa sérvia venera Obilic como um dos seus Santos.
Quem estava a frente deste clube como presidente era Arkan Raznatovic, que fora o líder da brigada paramilitar ultra nacionalista sérvia “Guarda Voluntária Sérvia – Tigres de Arkan”. A sua atuação ocorreu essencialmente na região de Vukovar (Croácia) e na Bósnia Herzegovina (essencialmente muçulmana). Durante a época de 97/98, o Obilic conquistou o titulo de campeão, num campeonato marcado por muitas polémicas.
Quando Arkan foi assassinado num hotel de Belgrado, quem assumiu a presidência do clube foi a sua companheira Svetlana “Ceca” Raznatovic, uma antiga cantora de turbo-folk e que fez muitas atuações para grupos paramilitares sérvios durante a guerra.
Ceca seria afastada do clube quando foi detida pelas autoridades sérvias, a acusação foi posse de armamento de guerra e utilização do clube para lavagem de dinheiro, tendo cumprido uma pena de 3 meses de cadeia durante o ano de 2011.
O casamento entre Ceca e Arkan foi narrado pela imprensa nacionalista sérvia como “um conto de fadas sérvio” e por conta da ação de Arkan durante a guerra foram apelidados de “O Guardião e a Mãe número 1 da Sérvia”.
Atualmente, o FK Obilic arrasta-se pelas divisões inferiores da Sérvia.