O fim do Mito: a Selecção do Peru nos Jogos Olímpicos de 1936

João Ricardo PedroAgosto 6, 20194min0

O fim do Mito: a Selecção do Peru nos Jogos Olímpicos de 1936

João Ricardo PedroAgosto 6, 20194min0
Um dos maiores mitos da história dos Jogos Olímpicos é explicado aqui no Fair Play, com a desmistificação de um suposto grande feito do Peru. Conhecias este episódio de 1936?

Na história do futebol peruano existe, desde os Jogos Olímpicos de 1936, o mito da conspiração nazi que afastou a seleção nacional da final Olímpica. Alguma imprensa local chegou mesmo a afirmar que o próprio Adolf Hitler esteve envolvido na mesma. No entanto, uma investigação do jornalista Luis Carlos Arias Schreiber, que agora faz parte do livro “Ese gol existe”, chegou à conclusão que nunca houve qualquer tipo de interferência do governo nazi para afastar o Peru da final contra a Itália.

Segundo o jornalista e investigador Luis Carlos Arias Schreiber, a lenda que o próprio Hitler tivesse dado ordens para anular a vitória peruana começou em 1946, quando este já estava morto e as atrocidades cometidas pelo governo nazi já eram conhecidas. Mas o sentimento de injustiça já existia entre os adeptos peruanos desde o final dos Jogos Olímpicos. E no dia 17 de Setembro as ruas da cidade de Lima estavam cheias para receber e ovacionar os seus “campeões de facto”.

À medida que os anos iam passando, os “invencíveis de 1936” iam-se tornando cada vez mais lendas no futebol peruano, e a narrativa que o Peru foi despojado da medalha de ouro pelo governo nazi foi ganhando cada vez mais força.

NARRATIVA PERUANA VS EUROPEIA

Na memória peruana, a fabulosa equipa do Peru, de 1936, foi vítima do maior “roubo” da história do futebol. Na primeira eliminatória venceram de forma brilhante à equipa da Finlândia por 7-3.

Na segunda eliminatória enfrentaram a Áustria, uma das melhores equipas do mundo na época, e a quarta classificada no último Campeonato do Mundo (1934). O Peru estava a perder por 2-0, faltavam apenas quinze minutos para o final da partida e a equipa estava reduzida a dez jogadores. Mesmo com pouco tempo para jogar, consegue recuperar e empatar o jogo, forçando a Áustria a jogar o prolongamento. Ainda durante o jogo, o Peru teve três golos anulados pelo árbitro norueguês Thoralf Kristiansen.

No tempo extra a equipa do Peru voltou a superiorizar-se ao conjunto austríaco e estava a vencer já quase no fim do prolongamento por 4-2. Mas após o quarto golo do Peru (aos 118 minutos) ocorre uma invasão de campo e o jogo é suspenso. A imprensa alemã escreve que mil adeptos do Peru invadiram o campo com facas, bastões e até uma pistola.

O Peru por seu lado tentou defender-se ao dizer que foi uma invasão de fascistas que não suportaram ver uma equipa de brancos europeus a ser derrotada por uma equipa de mestiços. Os protestos do Peru são ignorados pela organização, e a FIFA coloca-se ao lado dos austríacos, ordenando a repetição do jogo. A decisão foi rejeitada pela delegação peruana que abandonou a competição.

A TERCEIRA VERSÃO DOS FACTOS

Segundo os documentos publicados por Luis Carlos Arias Schreiber, a equipa austríaca que participou na competição não foi a famosa “Wunderteam” de Mathias Sindelar, mas sim uma equipa amadora de uma qualidade muito inferior em relação aquela que jogou o Campeonato do Mundo de 1934. Existe exagero nas duas versões, tanto na versão sul-americana quanto na europeia. Na verdade não houve mil adeptos peruanos armados com facas e pistolas a invadir o campo como foi escrito na imprensa alemã e também inglesa. O tabloide inglês “Daily Sketch” relatou o incidente da partida entre austríacos e peruanos da mesma forma.

Sim, ocorreu uma invasão de campo, e também houve agressões entre adeptos e jogadores e, de facto, um jogador da equipa da Áustria ficou impossibilitado de continuar em campo. Como na época as regras do futebol não permitiam substituições, os austríacos ficaram a jogar em inferioridade numérica devido ao comportamento incorreto do público.

O comité Olímpico Alemão lançou uma nota onde está escrito:

“Houve eventos que impediram o desenvolvimento normal do jogo… Foi impossível evitar a entrada de espetadores no campo e um deles agrediu um dos jogadores.”

Contrariamente à narrativa peruana, quem tomou a decisão de repetir o jogo foi a FIFA, e não houve qualquer pressão do governo nazi para que esta decisão fosse tomada. Nenhum dos membros do “Tribunal de Apelação” da FIFA era alemão. Tomando em conta os incidentes e o protesto da Áustria, a FIFA ordena que o jogo seja repetido para o dia 10 de Agosto e sem público nas bancadas. Esta decisão contraria o mito patriótico peruano, de que a FIFA usou como pretexto para repetir o jogo o facto de as dimensões do campo serem irregulares.

CONCLUSÃO

Apesar do mito ter sido desfeito tanto por Luis Carlos Arias Schreiber como, anteriormente, pelo jornalista norte-americano David Wallechinsky, autor do “Complete Book of the Summer Olympics”, no imaginário dos peruanos ainda existe o sentimento do roubo de uma possível medalha de ouro e o sentimento anti-alemão quando se fala de futebol.


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS