O renascimento de André Silva segundo a lei sevilhana

Francisco IsaacOutubro 1, 20187min0

O renascimento de André Silva segundo a lei sevilhana

Francisco IsaacOutubro 1, 20187min0
7 golos em 10 jogos pelo Sevilha FC têm levantado questões do sub-rendimento de André Silva nos tempos em Milão. O renascimento como e porquê?

Mudanças de cenários por vezes salvam carreiras e recolocam “diamantes” em bruto no sentido de atingirem o seu máximo como atletas. Caso de Gonçalo Guedes que no Paris-Saint Germain teve 6 meses de autêntico “terror”, para depois despertar em Valência; Kevin de Bruyne que estava “encostado” no FC Chelsea para depois rumar à Bundesliga onde teve a possibilidade de dar o salto; ou Nemanja Matic que aos 21/22 anos estava sem jogar no FC Chelsea e acabou por seguir para o SL Benfica onde atingiu o máximo da sua qualidade.

Existem mais casos mas hoje falamos de André Silva, o internacional português de 22 anos, que mudou de clube no defeso, saindo de um dos históricos da Serie A para ingressar na difícil La Liga ao serviço do Sevilha FC. Uma mudança que surgiu através de um empréstimo oportuno para um jogador que se sentia não só relegado para uma posição de suplente, como desconectado do futebol praticado pelos rossoneros.

AS CONSEQUÊNCIAS DE SE JOGAR NO NOVO E DECADENTE AC MILAN

O avançado luso vai com 7 golos em 10 jogos pelos sevilhanos, contando-se um golo por jogo na La Liga, um feito para já de elevada qualidade. Em Milão actuou em 40 jogos acertando por dez ocasiões no fundo das redes para além de ter assistido por duas vezes. No total desses encontros só foi titular por dezoito ocasiões, passando a maior parte da época como suplente, algo que foi levando a um estagnar da sua qualidade com o passar do tempo.

Porquê uma mudança tão drástica na qualidade de jogo de André Silva, especialmente no que toca à produção de golos e pendor ofensivo dentro da área? As explicações não se ficam só por uma mudança de cenários ou de reposicionamento táctico, pois há muito mais para explicar e compreender nesta evolução de acontecimentos na carreira do jovem goleador.

Comecemos pelo AC Milan, clube que já foi considerado um dos maiores a nível Mundial mas que hoje em dia é um clube sem força e sem poder dentro do contexto internacional ou mesmo em Itália. André Silva chega numa leva de reforços extraordinária, numa tentativa de repor o clube na direcção certa dos títulos e crescimento auspicioso. André Silva (38M€), Leonardo Bonucci (42M€), Andrea Conti (24M€), Hakan Calhanoglu (22M€), Mateo Musacchio (18M€), Lucas Biglia (17M€), Ricardo Rodriguez (15M€) e Nikola Kalinic (25M€, cinco pagos a pronto e os restantes vinte no final da época) foram as principais contratações custando um total de 191M€ aos cofres dos novos donos multimilionários dos milaneses.

No meio de todos estes nomes só Calhanoglu, Mussachio, Biglia e Kalinic funcionaram e garantiram boas exibições no decorrer da época, mais numa vertente individual do que em termos de conexão colectiva. No caso do português a falta de consistência em termos de produção ofensiva e a chegada de Gennaro Gattuso ao clube foi-lhe tirando espaço, relegado cada vez mais para o banco de suplentes.

André Silva deixou de produzir e de ser uma peça minimamente credível num AC Milan em extremas dificuldades para se reerguer. Gattuso impôs um futebol agressivo, muito de lógica de contra-ataque em que o que realmente importava era o músculo no meio-campo, a frieza no eixo-defensivo e de um trabalho multifacetado na frente de ataque.

Gattuso não apreciava as qualidades de André Silva, um avançado que gosta de entrar e sair da área em busca de bola e de criação de linhas de ataque, optando então por Patrick Cutrone e Nikola Kalinic na frente de ataque, o croata a ser um atleta mais multiposicional enquanto que o italiano se mostrava letal no espaço circunscrito da grande-área.

A pressão de fazer golos, de demonstrar que o AC Milan não tinha gasto quase 40M€ de forma desnecessária, de provar ao novo treinador principal que tinha lugar no seu onze e que conseguia despontar num emblema histórico, foram sendo elementos nocivos para o seu desenvolvimento e confiança. No final das contas, André Silva desistiu da carreira em Itália e apostou numa ida para outro campeonato.

O facto dos milaneses se terem tornado um clube disfuncional, com um princípio de jogo ultrapassado assente mais no físico e em contra-ataque atirado em profundidade, sem realmente conseguir pensar o jogo como se pede e exige, não ajuda à maioria dos jovens que aí surgem a jogar e Gattuso, neste momento, não é parte da solução mas sim do problema (a somar aos profundos problemas administrativos).

Foto: Gazetta dello Sport

A REAFIRMAÇÃO DO FUTEBOL DE UM AVANÇADO MODERNO

Por outro lado, André Silva não teve a força emocional e mental para aguentar na condição de um suplente que tinha de lutar pelo seu espaço, temendo que mesmo com boas prestações e golos fosse sempre segunda escolha atrás de Gonzalo Higuain, Patrick Cutrone, Fabio Borini ou Sam Castillejo. Perante o sucesso de André Silva em Sevilha, Gattuso foi questionado pela imprensa, respondendo,

“Todos sabem o que se passou com o André Silva. Quando um jogador quer sair, não o podes manter a todo custo. Podíamos falar a mesma coisa do Bacca que pediu para sair para o Villarreal”

Mas realmente, o que mudou em Sevilha para André Silva? Podem existir vários elementos para compreender este renascimento do avançado português, mas no geral as circunstâncias mantêm-se iguais.

A La Liga é um campeonato mais competitivo comparado com a Serie A, logo a maioria das jogos exige uma entrega total física, mental e técnica de ponta de forma a corresponder ao que se pede. O Sevilha, por outro lado, não tem a mesma história que o AC Milan, mas no século XXI tem mais conquistas europeias que os rossoneros esperando-se desde logo um certo nível de qualidade exibicional tanto na La Liga como na Liga Europa. Porém, o Sevilha não pagou um valor alto o que desde logo pode ajudar a tirar pressão do avançado.

O futebol deste Sevilha é claramente mais positivo que o do AC Milan, apresentando-se mais fluído, rápido e propenso a um desenvolvimento ofensivo desdobrado com o ponta-de-lança a assumir-se também como um movimentador de jogo, encaixando André Silva com perfeição nestes rojiblancos de Pablo Machín. A liberdade de movimentos conferida ao português tem facilitado o seu trabalho no assalto às redes, assumindo-se agora como o avançado que liderou o ataque do FC Porto nos primeiros seis meses de 2016/2017.

Os três últimos golos de André Silva foram similares, diferindo um pouco na forma como são concluídos… lançamento rápido pela ala do extremo (Jesus Navas na maioria das situações) ou do médio-interior esquerdo, aceleração do português que aparece no centro da área, indo de encontro à bola, desvio certeiro… golo.

Depois há que juntar aquele trabalho estupendo na saída rápida para o ataque ou na ajuda na construção de jogo, surgindo bem no exterior, arrastando um ou outro central dando possibilidade de se criarem outras situações de ataque para o Sevilha. É uma equipa que se vai compreendendo e apagando os maus anos iniciados pelo “revolucionário” Jorge Sampaoli e pelos não-sortudos Eduado Berizzo e Vincenzo Montella.

Sete jogos, sete golos na La Liga, dois hatricks (Rayo Vallecano e Real Madrid) e uma qualidade gritante em termos de decisão, desenvolvimento do ataque no último terço, consistência exibicional e categoria na hora de decidir. É um claro renascimento de André Silva para o futebol, mas segue-se a questão: conseguirá realizar uma temporada inteira sempre a marcar golos? Ou será como aconteceu na Invicta ou em Milão… muitos golos (ou relativamente os suficientes) nos primeiros meses para se dissipar a seguir.

Contudo, não é como alguns querem fazer crer: André Silva não é um avançado “fraco” ou que não tem qualidade para singrar nas grandes ligas. Precisa só das circunstâncias correctas para despontar no futebol… 28 jogos pela Selecção Nacional, 13 golos e isto com só 22 anos nas “pernas”. Falta agora só realizar uma época consistente ao mais alto nível.


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