O que pode o sucesso dos sub-19 de Portugal ensinar?

Francisco IsaacJulho 30, 20189min0

O que pode o sucesso dos sub-19 de Portugal ensinar?

Francisco IsaacJulho 30, 20189min0
A Portuguesa ouviu-se alto no Campeonato da Europa de sub-19 e o orgulho é de todos. Mas o que deve ser recordado a todos perante este feito dos sub-19 de Portugal?

Portugal é o novo campeão da Europa de sub-19, com a mesma geração que tinha levantado o título de campeões do mesmo Continente em sub-17 em 2016. Uma combinação de gerações fenomenais e de uma equipa técnica inteligente e dedicada, que para o bem e mal soube conduzir os jogadores na direcção certa, permitiu às Quinas assinar o livro das Honras de campeões da Europa.

Mas a vitória, glória e honra vêm com um aviso sério e que deve ser reflectido por todos: dar espaço para os jogadores crescerem e que não se exiga em excesso nem que se menospreze de menos. O que queremos dizer com isto? Mais facilmente, conseguimos exemplificar com exactidão.

O FANTASMA DO PASSADO ASSUSTA O PRESENTE?

Recuemos quase 30 anos, mais precisamente ao ano de 1989… Portugal, liderado por Carlos Queiroz, levanta o título de campeão do Mundo em Riade com um 2-0 frente à Nigéria, depois de terem ultrapassado, Republica Checa, Arábia Saudita, Colômbia, Brasil durante todo o trajecto. Será que os adeptos sabem quem jogava lá por exemplo? Hélio Sousa, o seleccionador Nacional agora bicampeão europeu em diferentes escalões. Mas quem mais?

Para a memória, aqui fica a convocatória: Fernando Brassard, Abel Silva, Paulo Sousa, Paulo Alves, Mário Morgado, Jorge Couto, Tózé, Hélio Sousa, Xavier, Paulo Madeira, Filipe Ramos, José Bizarro, António Resende, João V. Pinto, Valido, Fernando Couto, António Folha e Amaral.

Destes 18 jogadores, só 7 jogadores atingiram um patamar alto a nível nacional,  e apenas 4 a nível internacional: Fernando Couto, Paulo Sousa, João V. Pinto e António Folha. E quantos jogaram por Portugal “A”? Sete. Mas pode ter sido só uma excepção que esta geração não tenha ganho o protagonismo que mereciam, sem dúvida. Avancemos até 1991… em plena Lisboa, no Estádio Luz, Portugal arrecada o bicampeonato com Carlos Queiroz e Nelo Vingada.

E quem era o elenco? Fernando Brassard, Gil, Luís Figo, Emílio Peixe, Rui Costa, Jorge Costa, Abel Xavier, Paulo Torres, Luís Miguel, Nélson, Rui Bento, Tó Ferreira, Capucho, João V. Pinto, Tulipa, Cao, João Oliveira Pinto e Toni.

Geração de Ouro, a magnifica equipa que jogava um futebol ágil, equilibrado, de apoios rápidos e de lançamento de jogo em profundidade no terreno, com um meio-campo não só de músculo mas também de inteligência, ainda munido com uma defesa elegante. Destes 18 atletas quem acabou por ser no mínimo 15 vezes internacional pela equipa “A”? Luís Figo, Rui Costa, Jorge Costa, Abel Xavier, Capucho e João V. Pinto.

Rui Bento, Tulipa, Paulo Torres, Nélson e Emílio Peixe foram internacionais entre uma a doze ocasiões, jogando por clubes como o FC Porto, Sporting CP ou SL Benfica e, alguns até actuaram lá fora a um nível baixo-médio. De resto, João Oliveira Pinto, Toni, Cao, Tó Ferreira, Luís Miguel, Paulo Torres, Gil e Fernando Brassard não tiveram sorte após esse ano de 1991.

Aliás, a história do guarda-redes é daquelas complicadas, pois retirou-se aos 29 anos, sem que conseguisse actuar ao mais alto nível internacional… esteve duas épocas do SL Benfica e alinhou somente em dois encontros. Foi forçado a abandonar o futebol devido a uma lesão na mão, numa altura em que já estava bem longe do seu melhor. Mas aqueles momentos como campeão valeram por tudo,

Foi um momento indescritível. Para mim, então, foi a cereja no topo do bolo: venci o Mundial no meu estádio e na sua maior enchente de sempre, frente ao rival Brasil. E, ainda por cima, defendi a penalidade decisiva do Marquinhos. Que mais poderia ambicionar?

No meio disto tudo, vários atletas que se sagraram campeões “desapareceram” do radar dos Grandes, passando ao lado de uma carreira que supostamente ia ser inesquecível e com abertura para os grandes palcos internacionais. Eram gerações rotuladas como de Ouro, com um brilhantismo único, tão forte que ia derrubar o “remoinho” negativo do futebol português a nível de selecção.

A verdade é que… Portugal melhorou largamente (desde 2000 que não falha uma fase-final) com sucessos internacionais, a começar pelos apuramentos, o ganhar contra adversários titânicos até ao título Europeu de 2016. Contudo, quantos lingotes de ouro ficaram pelo caminho? E porque é que ficaram por esse “caminho”?

Uma duplicidade de problemas levaram a este fim, sendo que o mix entre o de se imporem a nível sénior, a falta de paciência dos seus clubes, até às constantes lembranças por parte de todos do que conquistaram e portanto que tinham-no de voltar a fazer a certa altura criaram um problema mental nocivo.

A pressão excessiva, a falta de treinadores que conseguissem potencializar as qualidades destes atletas (e acreditassem nesses mesmos jogadores) e o momento do futebol português tirou esse futuro a vários destes nomes.

Por outro lado, há jogadores que também não tinham tanta qualidade assim para chegar a um patamar mais elevado… nem sempre o melhor dos juniores é o que se vai desenvolver melhor ou que se adaptará com mais eficácia ao futebol senior e essa situação já aconteceu com centenas de atletas a nível mundial.

O QUE MUDOU…E TERÁ REALMENTE MUDADO?

Iturbe é um caso, Anderson outro, sendo que Paulo Torres, um jogador vibrante (foi o melhor marcador em 1991) da altura da Geração de Ouro apagou-se por completo, apesar de ter jogado durante uns anos no Sporting CP. Mas o que isto nos diz sobre estes sub-19 de 2018?

Ao contrário da pressão depositada nos ombros dos jovens de 89′ e 91′, os clubes nacionais e, principalmente, os adeptos e agentes, têm de ter paciência e deixar estes atletas surpreendentes e de alta qualidade crescer e evoluir com calma, sem pressas, nem urgências, abrindo-lhes espaço nos plantéis para se afirmarem em Portugal. Rui Costa, Luís Figo, Paulo Sousa, Jorge Costa, Fernando Couto, João V. Pinto, Capucho foram os atletas que sobreviveram a essas pressões, urgências e às vicissitudes de uma altura tumultuosa para os mais jovens no futebol nacional.

Na segunda década do século XXI, os jovens em Portugal têm tido um melhor palco para se lançar, com o FC Porto (um clube que teve sempre dificuldades em deixar os mais novos assumir os holofotes, apesar de quando o faz obter quase sempre bons resultados), SL Benfica (a Academia do Seixal tem produzido grandes pérolas nacionais), Sporting CP (continua a ser o clube que produz a “espinha dorsal” da Selecção principal), SC Braga (o espectacular Trincão veio das escolinhas dos bracarenses), entre outros símbolos nacionais que têm influenciado positivamente o futuro das selecções nacionais.

Há outra questão importante também, que deve ser recordada por todos: a profissionalização das estruturas federativas nacionais. Entre os anos 80 e 90, o caos na FPF era tal que os despedimentos de treinadores eram uma normalidade, assim como as constantes mudanças nos cargos mais altos da instituição. Isto criava um sério problema entre processos de crescimento e evolução dos mais jovens, passando de fundamentais a prescindíveis num par de anos.

De lá para cá, as equipas técnicas das selecções jovens tornaram-se mais experientes, cultas e profissionais, operando com outra consistência e consciência que tem ajudado a esse trabalho entre as academias/escolas dos clubes e a subida às selecções de formação. Um exemplo na altura das equipas nacionais de formação estarem algo “isoladas” era a forma como os treinadores os protegiam de tudo e tentavam formar uma verdadeira família… Nelo Vingada, que fazia parte do staff técnico liderado por Carlos Queiroz lembra numa entrevista no DN,

Encarávamos os atletas como nossos filhos. Eu e o Queiroz éramos de uma geração mais velha, ainda assim percebíamos os problemas, anseios, as dúvidas próprias da idade. Por isso até íamos com eles para as discotecas, quando o momento o justificava», recorda, com nostalgia. «Em comparação, a vitória em Lisboa foi muito mais fácil do que na Arábia Saudita, dois anos antes. Aqui estávamos em casa e naquele país árabe só dava para ligar para casa de dois em dois dias, através de uma cabina telefónica. Outros tempos que ficam, marcam e não se esquecem…

Uma prova perfeita que Portugal cresceu realmente passa pela quantidade de títulos e finais conquistadas desde 99: campeão da Europa em sub-17 por três ocasiões (2000, 2003 e 2016), de sub-19 por uma vez (1999, mais três finais perdidas em 2003, 2014 e 2017), vice-campeão Mundial também (2011). Juntar a isto a vitória no Euro 2016, a final no Euro 2000, as meias-finais do Campeonato do Mundo de 2006 e do Euro 200 e o 3º lugar na Taça das Confederações em 2017, isto no patamar máximo.

O que o futebol português deve a atletas como Diogo Costa, Ruben Vinagre, Florentino Luis, Diogo Queirós, Miguel Luís, Dominogs Quina, João Filipe, José Gomes, Francisco Trincão, Ricardo Benjamin, Francisco Moura, Diogo Teixeira, Elves Baldé, Pedro Correia, Thierry Correia, Romain Correia, David Carmo, Nuno Henrique, Nuno Santos, Mesaque Dju?

Tempo e paciência. Espaço e oportunidade. Se há algo que as gerações de 88 e 91 sofreram com, foi a loucura de todos em querer que esses jogadores, na altura miúdos, assumissem logo um lugar a titular e mudassem os destinos das suas equipas no imediato. Quando a situação não corria da melhor forma possível… os atletas começavam a duvidar de si, os treinadores aplicavam logo mudanças e os adeptos rapidamente esqueciam esses campeões do Mundo.

As glórias de hoje, não podem servir para exigir que sejam já os líderes do futuro. À lista acima de jogadores acresce-se ainda nomes como de Diogo Dalot, Diogo Leite, Rafael Leão, Gedson, João Félix ou David Tavares. Que os adeptos festejem o Europeu de 2018 e deixem o sonho do Mundial de sub-20 de 2019 para outra altura.


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