Investimento Dúbio Estrangeiro

Francisco da SilvaAgosto 1, 20205min0

Investimento Dúbio Estrangeiro

Francisco da SilvaAgosto 1, 20205min0
O futebol português tem recebido ao longo dos anos inúmeros investimentos estrangeiros. Fique a conhecer alguns dos episódios mais marcantes e caricatos do investimento estrangeiro no futebol português.

O capitalismo português começou há mais de duas décadas a definhar intensamente e jamais recuperou deste estado letárgico que o mata lentamente. Numa economia dominada por uma maioria de pequenas e médias empresas com liquidez reduzida e dificuldades constantes para enfrentar a globalização, as últimas herdeiras do capitalismo português são as chamadas empresas “rentistas”, empresas que vivem de rendimentos ou benefícios atribuídos pelo Estado, e as empresas “monopolistas” ou “oligopolistas”, empresas com pouca ou nenhuma concorrência e com um elevado poder de mercado.

Assim, não surpreende que aos dias de hoje, o futebol português seja maioritariamente patrocinado por um conjunto reduzido de empresas, de telecomunicações, de bebidas alcoólicas ou de apostas desportivas, que ainda faz circular alguns euros de origem nacional.

Paralelamente, existe uma enorme polarização dos adeptos português cada vez mais acentuada, isto é, se até ao final do Século XX continuava a fervilhar uma certa cultura “bairrista” que alimentava os emblemas nacionais mais pequenos, a emigração e o crescente fluxo para as principais metrópoles portuguesas descapitalizaram as cidades mais pequenas que por sua vez deixaram de sustentar com aficionados os clubes da cidade.

Face à decadência do capitalismo português e à baixíssima capacidade dos clubes nacionais em gerar receitas através de merchandising e bilheteira, os emblemas nacionais têm-se voltado incessantemente para parceiros de negócio externos. Infelizmente, capítulos negros na história do futebol português como o que estamos a assistir na Vila das Aves não é uma exceção. A ingerência de investidores estrangeiros completamente desligados do clube, da instituição e da cidade acabam por minar decisivamente o futuro dos emblemas.

O caso mais paradigmática remonta ao ano de 2008 quando o português Sérgio Silva, que clamava ter feito fortuna no estrangeiro, se apresentou no Estádio do Bessa como o investidor capaz de salvar o Boavista Futebol Clube da insolvência. Prometendo investir quase 40 milhões de euros no clube axadrezado, Sérgio Silva conseguiu durante algum tempo enganar os dirigentes e a comunicação social, porém, um maior escrutínio público e judicial levou à sua detenção por crimes de falsificação de documentos e burla.

Sérgio Silva à direita (Fonte: Correio da Manhã)

Mais a sul, corria o ano de 2011 quando um tal de Majid Pishyar chegava à “Veneza” de Portugal. Depois de uma experiência passageira, mas bem-sucedida no Servette da Suíça, o empresário canadiano-iraniano decidiu adquirir a maioria da SAD do Sport Clube Beira-Mar com a promessa de engrandecer o emblema aveirense e lutar por títulos. Ao longo de 2 anos, a liderança impulsiva e a gestão dúbia de Majid Pishyar foram extremamente criticadas pelos adeptos e associados do Beira-Mar, o que juntando aos resultados desportivos pouco entusiasmantes e às dívidas acumuladas levaram o iraniano a vender a sua participação ao grupo italiano Pieralisi. Os novos donos transalpinos também não foram capazes de recuperar financeira e desportivamente o histórico emblema de Aveiro e pouco depois a SAD do clube pedia proteção contra os credores lançando posteriormente o clube para as distritais.

Majid Pishyar (Fonte: RTP)

De Itália viajava também o investidor Igor Campedelli que adquiriu a maioria da recém-criada SAD do Sporting Clube Olhanense em 2013. O investimento italiano fez chegar a Olhão vários jogadores cotados de Itália, alguns em pré-reforma também, contudo, o plantel foi constituído em cima do joelho e, sem grande surpresa, no final da temporada 2013/2014 o SC Olhanense segurou a lanterna vermelha do campeonato. Depois desta queda, jamais o emblema de Olhão se reergueu e os salários em atraso a que se somaram inúmeras dívidas acumuladas forçaram o clube a renascer das cinzas.

O Centro Desportivo de Fátima é quiçá o caso mais problemático para a dimensão do clube. Desde 2013, a SAD do emblema de Ourém já teve investidores brasileiros, tunisinos, sauditas e até portugueses, no entanto, os gravíssimos problemas financeiros do CD Fátima são uma constante e deixam um enorme rasto de destruição económica e institucional no clube.

Outrora um dos clubes mais respeitados do país, a União Desportiva de Leiria SAD decidiu abrir as portas em 2015 ao russo Alexander Tolstikov na esperança de que este fosse capaz de reerguer o clube até às competições profissionais do futebol português. Contudo, as ambições desportivas desmedidas e o dinheiro que fluía novamente no Rio Lis tinha origens obscuras e esquemas altamente duvidosos que levantaram suspeitas. Depois de aberta a “matrioska” não havia margem para dúvidas, o histórico emblema de Leiria servia de fachada para lavar dinheiro ilícito.

Alexander Tolstikov (Fonte: Record)

O investimento estrangeiro provavelmente mais bem-sucedido no futebol português ficou a cargo da Traffic, uma empresa brasileira que desde 2010 liderou os destinos do Grupo Desportivo Estoril Praia. Ao longo de quase uma década de propriedade, a Traffic colocou inúmeros jogadores brasileiros no clube de Cascais e soube valorizar o seu próprio projeto desportivo. Para além de várias transferências milionárias, o emblema canarinho conseguiu participações bastante meritórias na primeira liga portuguesa de futebol, o que ajudou a legitimar este investimento brasileiro. Entretanto, em meados de 2019, a Traffic decidiu vender a sua participação a investidores norte-americanos.

A delicada situação financeira do tecido empresarial português não permite que os empresários de barba rija que durante o Século XX alimentaram o “bairrismo” e os emblemas locais com os seus escudos e a sua paixão incessante ressurjam no panorama futebolístico nacional. Pelo contrário, a globalização e a liberdade de circulação do capital transforma o futebol português num alvo fácil para investidores predatórios que procuram comprar paixão futebolística por catálogo e através dos seus múltiplos dólares de origem desconhecida.


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