Todos os ciclos terminam e não há rácio que os salve

Pedro AfonsoOutubro 27, 201811min0

Todos os ciclos terminam e não há rácio que os salve

Pedro AfonsoOutubro 27, 201811min0
Rui Vitória chegou ao final do seu ciclo no Sport Lisboa e Benfica. Que se desenganem aqueles que crêem que os treinadores vivem de glórias passadas: no futebol apenas conta o presente. E o presente do SLB é absolutamente desastroso.

Quatro anos se passaram desde que o técnico ribatejano assumiu o comando do SL Benfica. Dois anos de sucesso, um ano e meio de tremendo insucesso. Como diria a personagem de banda desenhada da DC Comics, “Ou morres como herói, ou vives tempo suficiente para te tornares um vilão”.


Rui Vitória chegou ao final do seu ciclo no Sport Lisboa e Benfica. Que se desenganem aqueles que crêem que os treinadores vivem de glórias passadas: no futebol apenas conta o presente. E o presente do SLB é absolutamente desastroso. Após mais uma derrota, desta feita no Jamor contra a Belenenses SAD, mais uma exibição absolutamente vergonhosa, a equipa da 2ª Circular parece mais partida, mais desligada, mais abatida que nunca. E quais as razões que levam a este paradigma?

O Modelo de Jogo

Ponto prévio: ser crítico de Rui Vitória não é ser apoiante nem defensor de Jorge Jesus. Ser adepto de futebol é amar o jogo pelo jogo e, com Rui Vitória, a única coisa que faz os adeptos ir ao estádio é o seu amor ao clube. O grande mérito de Rui Vitória foi pegar num modelo excepcionalmente trabalhado, o mesmo modelo que fez com que o Benfica fosse a duas finais europeias e deslumbrasse com o seu fio de jogo, mesmo que não ganhasse todos os títulos (em boa verdade, os rivais também apresentavam outro nível e outro tipo de jogadores), e aproveitá-lo para ganhar o campeonato. Aliás, o único campeonato cujo mérito poderá ser atribuído a Vitória é o primeiro, uma vez que demonstrou a sua inteligência em não mexer em algo que o transcendia.

A Grande Mudança de RV (Fonte: SAPO Desporto)

O segundo ano trouxe mudanças: e começou aí o início do fim. Um campeonato vencido mais por demérito do rival direto do que por mérito próprio, deixava já antever as dificuldades coletivas que os encarnados apresentavam. As mudanças operadas por Rui Vitória aproximaram uma equipa apaixonante do equivalente ao Xanax mas em forma de equipa de futebol. A insistência nos corredores laterais, o total desrespeito pela bola no pé e jogo central, eram apenas contrariados pelo génio de Pizzi e Jonas, jogadores muito acima dos seus colegas.

O terceiro ano foi provavelmente a época mais vergonhosa desde que Quique Flores saiu do comando encarnado. Não há palavras que descrevam a pobreza de jogo do Benfica, os resultados humilhantes (6 derrotas em 6 jogos da Champions, 5-0 contra Basileia e Young Boys, entre muitos outros resultados que provocavam muita revolta no plantel ou eram fruto da crueldade do jogo), o mesmo discurso insípido de um treinador agastado. No entanto, há que dar o desconto devido ao treinador encarnado: vender metade da equipa principal e não contratar alternativas viáveis é receita para o insucesso.

E o quarto ano? Começa por ser uma sequela do terceiro ano, a todos os níveis e não apenas ao nível da cronologia. O Benfica joga mal e, desta vez, a culpa não é da falta de jogadores de qualidade…

A saga dos adversários com nível semelhante

Estabelecida agora a certeza de que o futebol que Rui Vitória imagina para a sua equipa não está sequer ao nível de uma distrital (basta ver os jogos de Felgueiras e até dos juniores do Sacavenense esta semana), será de esperar que o Benfica se apresente com um rácio péssimo contra adversários de valia igual ou superior. E a verdade é que a teoria se comprova.

Ao contrário do que Rui Vitória gosta de clamar, não é o treinador com melhor rácio de vitórias na Champions, como ficou provado pelo excelente trabalho jornalístico feito durante a semana a propósito deste tema. E mesmo que o fosse, as suas “medalhas” (e já lá vamos) não seriam suficientes para justificar a época passada na Champions League.

A pior noite europeia. De sempre (Fonte: Público)

A vitória contra o FC Porto esta época, num dos clássicos mais pobres dos últimos 10 anos, apenas veio quebrar uma mala-pata com 4 anos e permitir ao ribatejano vencer, finalmente, o rival. A nível interno, e agora falando de jogos contra o Sporting, Rui Vitória tem 2 vitórias em 8 jogos, um registo muito, muito fraco, principalmente tendo em conta que o Sporting, antes da sua chegada, era incapaz de pontuar com regularidade na Luz.

Se apontarmos baterias para a Europa, devemos analisar as duas primeiras épocas de Rui Vitória e compreender que, mesmo aí, o treinador foi bafejado por uma sorte que Jorge Jesus, por exemplo, não teve. A equipa do Benfica apurou-se para os oitavos com 10 e 8 pontos, sendo que Jorge Jesus foi relegado para a Liga Europa pelos mesmos pontos. Humilhações frente ao Nápoles, Dortmund, Basileia e CSKA estão longe de ser sinal de que se pratica bom futebol. A não ser que se acredite muito no azar…

A política de comunicação

Pegando na famosa frase de Harvey Dent transcrita no início deste artigo, Rui Vitória começou por se apresentar como um indivíduo exemplar no seu discurso e na sua postura dentro e fora de campo. Um verdadeiro senhor contra os vis ataques de Jorge Jesus, Rui Vitória soube dar a outra face e mostrar dentro de campo que é aí que se ganham jogos.

No entanto, o tempo acabou por demonstrar que esse discurso não é mais do que uma mescla de termos chave que vão rodando em construções frásicas ligeiramente distintas. Neste momento, qualquer um poderá fazer um esforço de escrever um declaração de Rui Vitória. Ora experimentemos criar um discurso após uma derrota contra um clube de menor valia:

“O futebol tem destas coisas. É muito cruel… Passamos o jogo com uma dinâmica muito positiva, cientes do que precisávamos de fazer para contrariar o adversário, que nos podia causar danos. A bola não quis entrar e o adversário aproveitou muito bem os nossos poucos erros. Sim, há tristeza no grupo, mas muita revolta e crença. Vamos trabalhar e pensar no próximo jogo.”

Este exercício não tem nenhum motivo cómico, mas pretende demonstrar o quão vazio e desprovido de ideias Rui Vitória aparenta estar neste momento. E a relevância desportiva desta constatação é enorme: um treinador sem chama, sem vontade, que vive pelos mesmo dogmas há anos, mesmo perante a adversidade, não será um motivador de excelência para qualquer jogador. Porque se o que se passa dentro do balneário é diferente do que o que se passa cá fora, é impossível que os jogadores sejam imunes ao que lêem na imprensa e ao que ouvem da boca do seu líder.

Um bom líder começa na forma como discute o jogo, como fala dos desaires, como vive as vitórias e, acima de tudo, na forma como respeita o clube que representa. E neste momento, Rui Vitória não apresenta sequer respeito pelos adeptos encarnados que apoiam o clube incondicionalmente.

A Gestão de Jogadores

E se é verdade que a sua política de comunicação não é a melhor, a sua gestão de recursos humanos é, no mínimo, questionável. A Direção encarnada entendeu que necessitava de dotar o seu treinador de jogadores de qualidade para poder recuperar o título de campeão nacional. E foi isso que fez: manteve todos os seus ativos de maior qualidade, contratou Gabriel, Corchia, Conti, Vlachodimos, Lema, Alfa Semedo, Castillo e Ferreyra. Neste momento, o Benfica apresenta um plantel de altíssimo nível.

Talento totalmente desperdiçado (Fonte: Correio da Manhã)

E, ainda assim, apresenta o futebol mais pobre dos últimos 4 anos. Com abundância de pontas-de-lança de qualidade, opta por jogar com um Seferovic que não apresenta o mínimo de qualidade para representar um clube da dimensão do Benfica (porque ser ponta-de-lança é mais do que correr e batalhar muito), tendo “queimado” Ferreyra ao ceder às pressões dos adeptos e relegando o melhor jogador dos últimos 20 anos do Benfica para o banco (que obviamente responde secamente à questão de não jogar com um simples “Estou disponível”), apenas para “reaproveitar” um dispensado. Opta por manter André Almeida na lateral direita, apesar de todas as exibições muito abaixo do nível exigido para um jogador profissional que se sucedem, relegando Corchia para os não-convocados, mesmo após o seu regresso de lesão. Opta por manter um Salvio em baixo de forma e com um pé fora do Benfica para sentar, durante muito tempo, o melhor jogador encarnado nesta época (Rafa) e, posteriormente, para deixar Zivkovic de fora. O sérvio não é opção nem para o meio-campo nem para a ala, sendo ultrapassado por Salvio e Cervi, que tem feito uma época paupérrima. Por fim, decide enviar Bruno Varela para os dispensados após ter apostado nele uma época inteira, subindo um Svilar que, até ao momento, mostrou ser mais incapaz que Varela.

Todas estas decisões questionáveis demonstram uma teimosia e dogmatismo que não são compatíveis com um treinador de clube grande e que levarão, incondicionalmente, ao desastre. A qualidade deverá prevalecer sempre perante a preponderância de balneário e as superstições. E Zivkovic, Félix, entre outros, a dançar entre banco e bancada não é jogar com os melhores…

A falta de exigência dos adeptos encarnados

Mas o mais chocante nesta situação toda não é Rui Vitória ser ainda o treinador de um clube como o Benfica: é o facto de a grande maioria dos adeptos não colocar o dedo na ferida e pedir a saída do treinador.

É verdade que a última vez que Luís Filipe Vieira despediu um treinador nada de bom veio para o clube da Luz. No entanto, muitos anos se passaram e, desde então, o Benfica apresenta uma estrutura e um plantel que não dependem, de sobremaneira, de um treinador de classe mundial. E foi esta retórica que LFV utilizou para convencer os adeptos de que o caminho era apenas e só com Rui Vitória, porque, entre muitas outras coisas, respeitava a dimensão europeia do Benfica.

Há muita nobreza em saber sair no momento certo (Fonte: Record)

O resultado: as más exibições sucedem-se, as humilhações acumulam-se e as derrotas aparecem. E o papel dos adeptos é o de desculpar com o azar, a crueldade (faz lembrar alguém?) ou até a influência dos rivais em putativas situações de corrupção. E o espírito crítico que sempre caracterizou a massa adepta encarnada desapareceu, a exigência desapareceu e é hoje normal uma derrota aos 92 minutos contra o Ajax. Derrota essa que foi motivo de orgulho para o treinador encarnado.

O Benfica apresenta-se hoje como um clube de 4ª ou 5ª linha europeia, num triste 22º lugar do ranking da UEFA, vem de uma época em que apenas conquistou a Supertaça, apresentou dificuldades em qualificar-se para a CL apesar da menor valia dos adversários e vê agora a possibilidade de passar para o 3º lugar do campeonato. Isto enquanto os seus rivais vêm de uma época em foram campeões mesmo intervencionados pela UEFA e com um plantel muito curto ou depois de um Verão onde os seus melhores jogadores rescindiram unilateralmente o contrato. Rui Vitória conseguiu transformar a exigência da massa adepta num conjunto de lugares comuns que atribuem responsabilidade ao destino, conseguiu diminuir a preponderância europeia do Benfica, apresentar um nível de jogo paupérrimo e desvalorizar jogadores de enormíssima qualidade. Todos os ciclos acabam e se Rui Vitória gostaria de ser relembrado pelos melhores motivos pelos adeptos, deveria pedir para sair pelo seu próprio pé. Porque nada é mais nobre do que se assumir as responsabilidades, e nunca é tarde demais.


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