Os desafios da arbitragem no futebol brasileiro

Marcial CortezFevereiro 9, 20206min0

Os desafios da arbitragem no futebol brasileiro

Marcial CortezFevereiro 9, 20206min0
A implementação do VAR no Brasil ainda resulta em muita polêmica. Mas estariam preparados os árbitros para usar a ferramenta sendo que existem inúmeros outros problemas com estes profissionais?

Começou a época 2020 nas terras canarinhas. E com ela, começaram também os erros de arbitragem: expulsões desnecessárias, cartões que foram aplicados mas não deveriam ser e vice-versa, gols mal anulados e por aí vai. Até quando os brasileiros fãs do futebol viverão com esse problema? A resposta a essa pergunta é mais difícil do que se imagina. Para solucionar esta questão, temos que resolver situações estruturais, assuntos de legislação trabalhista e organização.

Comecemos então pela organização. Apesar de ser reconhecido mundialmente pela sua qualidade, o futebol brasileiro é extremamente desorganizado. Há poucos anos, os regulamentos das competições mudavam época a época. Cada ano tinha o seu próprio regulamento. Felizmente, isso mudou nos últimos tempos e desde 2005 o Brasileirão (principal competição do país) repete a mesma fórmula. Apesar disso, os campeonatos regionais que ainda insistem em sobreviver, continuam a sofrer mudanças a cada época, e isso prejudica as equipas, os planejamentos e, por consequência, as arbitragens.

Thiago Duarte Peixoto deu cartão a um jogador errado no derby Palmeiras x Corinthians antes do VAR ser implementado (Foto: Estadão Conteúdo)

A segunda questão é a legislação trabalhista. No Brasil, árbitro de futebol é uma profissão regularizada, mas não conta com o vínculo empregatício comum nas demais profissões. Em outras palavras – o árbitro de futebol é um profissional, mas não está vinculado a nenhuma entidade ou empresa. Ele recebe por partida apitada e nada mais. Não conta com as garantias trabalhistas que os demais trabalhadores brasileiros tem por direito assegurado pela constituição. Na prática, isso significa que um juiz pode receber um bom dinheiro num determinado mês, e depois ficar a ver navios nos meses seguintes caso não seja escalado para uma partida. Se ele comete um erro e é afastado, por exemplo, sua família pode sofrer estas consequências. Esse quadro faz com que a maioria, ou praticamente todos os árbitros de futebol brasileiros tenham que se dedicar a outras atividades e utilizam-se da profissão de árbitro apenas como um complemento da renda. E finalmente partimos para as questões estruturais, aquelas nas quais se fundamenta o futebol brasileiro. Como vimos, a desorganização impera por aqui.

Sem VAR na fase de grupos do Paulistão 2020, Flávio Roberto Mineiro Ribeiro cometeu quatro erros cruciais em São Paulo x Novorizontino (Foto: Reprodução)

Vejam só como funciona a questão do VAR, que é outra polêmica sem fim nas terras descobertas por Cabral: no campeonato carioca, para citar um exemplo, o VAR não está disponível em todos os jogos, somente nos clássicos (jogos que envolvem as equipas Vasco, Flamengo, Botafogo e Fluminense). Ora, onde está o princípio da equidade? Então as esquipas consideradas “grandes” (estas quatro citadas acima) tem mais direitos que as demais? Que critérios escusos são esses que priorizam umas equipas sobre as outras? No campeonato paulista a situação é um pouco melhor, mas igualmente ilógica – o VAR só será utilizado nos jogos eliminatórios de uma ou duas mãos. Na fase de grupos não vai ser usado. Nos demais regionais essas barbaridades se repetem em maior ou menor grau. O campeonato brasileiro, por sua vez, repetirá 2019 e contará com o VAR em todas as rodadas. Porém diferente da época passada, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) está a sinalizar que o VAR será operado a partir de uma central única, e não mais no estádio onde se realizam os jogos. Se isso vai ou não dar certo é uma questão a se pensar.

Mas há uma luz, ainda que distante, no fim do túnel. Se compararmos 2019 (ano da implantação do VAR no Brasileirão) com 2018, houve uma redução significativa dos erros de arbitragem. Consequentemente, menos árbitros foram punidos e desse modo os juízes trabalham com mais tranquilidade, porque sabem que eventuais erros graves podem ser corrigidos com a tecnologia. Em recente entrevista ao portal Globoesporte.com, o presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, Leonardo Gaciba, declarou que “Eu não tenho dúvida que o Campeonato Brasileiro de 2019 será lembrado, além de ser o primeiro da era do VAR, como o Brasileirão com menor número de erros capitais da arbitragem brasileira. Computamos 35 erros em 2019 contra 185 erros em 2018”. Estes números impressionam, pois representam uma redução de quase 80% no número de erros. Gaciba continua ao dizer que “Não se discutem mais golos impedidos ou mal anulados, não existe mais golo de mão no futebol brasileiro. Erros claros e óbvios de arbitragem foram praticamente erradicados. Essa é a mudança do patamar de discussão”.

Leonardo Gaciba deixou de ser comentarista em emissoras para assumir a chefia de arbitragem da CBF (Foto: CBF/Reprodução)

Ainda existem outros pontos a se discutir. No Brasil, o jogador não pode exacerbar na comemoração de um golo, porque corre um sério risco de levar um cartão amarelo. Em partida recente do Corinthians, o médio avançado Janderson foi expulso de campo pelo árbitro Luís Flavio de Oliveira porque comemorou o segundo golo na vitória sobre o Santos em partida vállida pelo Campeonato Paulista. O jogador já tinha levado um cartão amarelo e somou o segundo cartão pela comemoração excessiva. Nesse caso específico, não houve erro do juiz, pois ele apenas seguiu o que diz a recomendação da CBF, no livro “Regras do Futebol 2019/20”: “Os jogadores podem comemorar os gols, mas as comemorações não podem ser excessivas”. Ora, não é o golo o grande momento do futebol? Não é exatamente o auge da alegria de uma equipa, do jogador e de seus adeptos? Não é certo punir um atleta por este motivo. Mas isso é assunto para outra coluna. Foquemos aqui nos erros e acertos da arbitragem…Sem dúvida, o VAR veio para ficar. E a arbitragem brasileira está a evoluir. O caminho é árduo, mas vamos chegar lá.

Janderson comemora com adeptos e recebe segundo cartão amarelo, levando o vermelho na sequência (Foto: Reprodução)

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