Nike: A cultura por trás do consumismo
Todas as marcas possuem um motivo para se rentabilizar, trata-se de uma questão de sobrevivência. Os artistas necessitam de uma plataforma para mostrar o seu trabalho a uma audiência mais ampla — não apenas para mostrarem a sua capacidade de inovação e singularidade, mas também para conseguirem ter sucesso artisticamente.
Tudo se resume às etapas finais do capitalismo e classe ao nível máximo (observação, ostentação e compra). Nós vemos, absorvemos e compramos para nos tornarmos parte de uma subcultura, para mostrar não apenas o que possuímos, mas os valores em que nos revemos, para integrar uma comunidade — comunidade essa que se insere num sistema que apela ao consumismo, mas que ao mesmo tempo tenta que nos tornemos individuais.
O melhor exemplo disto é a Nike, e dentro do desporto esta é a melhor marca para ser dissecada em todos os aspetos que a completam como um dos nomes mais dominantes a nível mundial.
A Nike apresentou-se ao mercado e iniciou a sua comercialização com uma linha de produtos direcionados para a performance, sobretudo na área do calçado desportivo. Tal foi tão bem aceite pela comunidade que esta começou a usá-los não apenas para praticar desporto, mas também para situações mais casuais — abrindo um segmento de mercado que não havia sido explorado previamente.
Face à aceitação dos produtos para utilização fora do segmento profissional, a “fashion hype” começou a tornar proporções surreais, com “lutas” entre puristas, atletas, “sneakerheads” [fãs e colecionadores de sapatilhas] e outras subculturas. O descontrolo cultural no início do milénio foi de tal forma abrasivo que criou uma nuvem negra sobre a marca (mortes nas ruas em dias de lançamentos de novos modelos, burlas online, etc), que acabaria por fazer com que esta mudasse de direção.
A marca apostou novamente nos seus atletas de performance nas várias modalidades, numa tentativa de, desta forma, moldar a visão da sociedade. No entanto, o contexto era favorável às “streetwear brands” e, sendo assim, tomaram o risco de assinar o seu primeiro não atleta: Kanye West, em colaboração com Jun Takahashi, um fashion designer.
O risco calculado de criar uma sapatilha para um não atleta, era o maior, por parte da Nike, desde que a marca assinou com Michael Jordan, em 1984. Apesar de alguma popularidade, o sucesso não foi o desejado. Kanye acabou por deixar a marca e assinou com a Adidas, e a situação tornou-se exemplo do que a Nike não deveria de fazer no futuro, caso desejasse manter-se no topo da pirâmide no que toca a performance desportiva — lançar poucos modelos da mesma sapatilha, tornando-a virtualmente impossível de obter.
A Nike, assumindo o seu erro, pegou no conceito de “sports lifestyle” e transfigurou-o no final do ano de 2013. Criando o “Nike.Lab” e dando as chaves a Jun Takahashi, Tinker Hatfield, entre outros designers que cooperam com a marca em todo o mundo nestes “laboratórios”. Atenção, estas colaborações não são novas para a marca, porém tomaram enorme proeminência nos últimos anos, sobretudo com a cultura Off White onde existem lançamentos de modelos retro e de roupa simplista com um toque inovador e específico, com destaque em Virgil Abloh. Não só em calçado, mas em tudo o que seja roupa casual.
Enquanto a marca americana continuava a descolar neste sentido de entrar a fundo na cultura “hype”, a Adidas sentia já estar sólida neste nicho. Porém, a aposta Nike com o lançamento de linhas “retro” dos seus modelos, dando-lhes pequenos acréscimos, mudaram completamente um dos mercados que mais dinheiro gere atualmente, o do “reselling”).
Os poucos modelos disponibilizados pela Nike num segmento “retro”, urbano e de luxo criaram a ideia de que onde toda a gente poderia adquirir esses itens, algo que não foi tomado de ânimo leve pelos colecionadores.
O colecionismo também mudou muito nos últimos anos: enquanto os colecionadores anteriormente desejavam tudo o que fosse raro e difícil de obter, atualmente a cultura do colecionismo foca-se na forma mais fácil de obter o maior número possível de itens relativos a um nicho ou uma marca em específico.
A Nike tinha criado a táctica perfeita.
Manter a marca enormemente valorizada ao nível da percepção do consumidor, levando as pessoas a achar que estavam “acima do hype”, quando estão precisamente dentro dele.
Objetivamente, ter toda a gente gostar da mesma coisa não é bom. No entanto, é isso que mantém a Nike acima de tudo e de todos, sendo que a marca viu as suas receitas aumentarem 13% no mercado de calçado e 10% em vestuário – segundo o relatório trimestral que lançaram recentemente ao público. Graças à sua estratégia genial de marketing a empresa consegue fazer-nos desejar algo mesmo que esse algo não corresponda às nossas necessidades.
A Nike, no final de contas, consegue estar em cima e acima de tudo. A marca continua a liderar todos os rankings de vendas físicas e online a nível de calçado e vestuário atirando para as posições seguintes marcam concorrentes como Adidas, Puma, Under Armour e Skechers. Destaca-se ainda tecnologicamente, com o lançamento oficial da primeira sapatilha “self lace”, socialmente e politicamente, com a aposta em histórias como a de Colin Kaepernick, Serena Williams, LeBron James, e a nível de consumismo. Não é só uma marca — como aliás acontece com outras marcas de diferentes segmentos — é um reflexo das escolhas que fazemos, dos valores que defendemos, das posições que temos e da imagem que desejamos passar no nosso quotidiano.