Calcio, revolução e fascimo ou como um derby toscano mudou Itália

João FreitasDezembro 6, 20183min0

Calcio, revolução e fascimo ou como um derby toscano mudou Itália

João FreitasDezembro 6, 20183min0
Como é que um jogo de futebol acaba numa luta política? No início dos anos 20 do século XX um dérbi toscano meteu o Calcio a ferro-e-fogo e lançou várias sementes para o futuro em Itália

VIAREGGIO ENTRE LOUCURAS E REPÚBLICAS

De uma forma geral, o período pós I guerra mundial foi socialmente conflituoso em toda a Europa, com a revolução soviética houve uma vaga revolucionária por toda a Europa (1918-1921) – liga spartakista na Alemanha 1919, Revolução Hungara 1918, etc.

Em Itália, entre 1919 e 1921 viveu-se um período que se chamou de Biennio Rosso (Biénio Vermelho) em que devido à crise económica e social gerada pela primeira guerra (desemprego, falta de alimentos, etc) houve trabalhadores e camponeses que seguiram o exemplo da revolução soviética e organizaram greves em massa, ocupações de fabricas e de campos e mesmo em alguns momentos pequenas republicas soviéticas – uma das quais tem ligação direta ao futebol.

Em Abril de 1920, na costa Toscana, disputa-se um dérbi que opunha o Sporting Club Viareggio frente ao Lucca. O jogo foi muito disputado, acabando num 2-2, mas os adeptos do Viareggio sentiram-se prejudicados pela equipa de arbitragem – composta por 3 árbitros de Lucca – e invadiram o campo. No auge dos protestos, um policia mata um jovem adepto do Sporting Club Viareggio com um tiro no pescoço, disparado à “queima-roupa”.

Rapidamente, o que era um confronto por causa do futebol tornou-se num protesto contra o sistema. A cidade portuária de Viareggio tinha um forte movimento sindical (quer comunista, quer anarquista) que se mobilizou em massa. Cercaram a esquadra da polícia, assaltaram o quartel local, cortaram as linhas do comboio e de telegrafo e proclamaram a Republica Soviética de Viareggio. Convém referir que a Itália foi uma Monarquia Constitucional até 1945.

A República Soviética de Viareggio teria uma vida curta, passado pouco tempo três colunas militares chegaram pelo mar, reprimiram com uma violência brutal o levante que já durava à um par de dias.

Entre as várias prisões que se seguiram, vários jogadores do Viareggio pagaram o seu tempo nos cárceres italianos por suas atividades militantes comunistas ou anarquistas.

Seria também nesta cidade toscana que o governo do Partido Nacional Fascista (1922-1943) lançaria o documento que estabeleceria as bases corporativas do Calcio  – o corporativismo é a forma de organização social do Fascismo. Será, precisamente, com a Carta de Viareggio (1926) que surgiram um conjunto de medidas que deixariam marcas no futebol italiano até os dias de hoje: as famosas fusões societárias, que gerariam as Societá Sportiva ou Associazone Sportiva (S.S. Napoli, A.S. Roma e ACF Fiorentina); a profissionalização do futebol e a extensão da liga italiana até ao sul do país; a abolição da Associação dos Árbitros de Futebol e a proibição dos jogadores estrangeiros atuarem na nova liga de futebol.

A escolha desta cidade para lançar as bases fascistas do Calcio foi uma ordem direta de Mussolini a Leandro Arpinati e Lando Ferreti, os responsáveis pela pasta do Desporto no governo fascista. O objetivo era apagar da memória coletiva o episódio da Republica Soviética de Viareggio e das suas ligações ao Desporto Rei.

Atualmente, o clube da cidade é o FC Esperia Viareggio, que reclama a herança dos bravos atletas de 1920. O Gruppo Autonomo, os ultras do clube, são profundamente antifascista e exaltam o passado da sua cidade.

Curiosamente, o  avançado do clube é Mattia Lucarelli, o filho do mítico avançado Cristiano Lucarelli – militante do Partido Comunista italiano e membro fundado do grupo ultra Brigate Autonome Livornese em 1999.

Notícia à época dos acontecimentos (Foto, Arquivo)

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