Rita Ferreira. “A ginástica ensina muita coisa a muitos níveis”

Sofia GoulartMaio 3, 201911min0

Rita Ferreira. “A ginástica ensina muita coisa a muitos níveis”

Sofia GoulartMaio 3, 201911min0
A ginasta do Acro Clube da Maia foi entrevistada pelo Fair Play e falou da carreira, dos pódios e da paixão pela modalidade. Fica a conhecer a atleta melhor no Fair Play

Hoje o Fairplay veio falar com uma jovem atleta de ginástica acrobática do Acro Clube da Maia, a Rita Ferreira, que também integra a seleção portuguesa da modalidade há cerca de 5 anos, sendo também, no panorama da acrobática portuguesa, a ginasta mais medalhada de sempre em competições internacionais

Fala-me um pouco do teu percurso desportivo: Quando e como começou o percurso na ginástica e com que idade começaste? Tinhas alguém na família ligado à ginástica (ou no desporto em geral) ou foi iniciativa tua pedir aos teus pais para experimentares?

RF: Comecei a praticar ginástica acrobática por volta dos 6 anos, primeiro no Ginásio Clube da Maia, mas não era ginástica de competição. Foi depois a minha professora de Educação Física, na altura, achava que eu tinha jeito e falou com os meus pais. Como eles já andavam à procura de uma atividade extra-escolar para mim, viram na ginástica uma boa oportunidade. Com o tempo comecei cada vez a gostar mais da ginástica e adorava ver as competições e queria fazer igual. Assim, com cerca de 8 anos, fiz a minha primeira competição. Continuei a melhorar e depois decidi que o melhor clube para realizar aquilo que eu queria era o Acro Clube da Maia. Fui para lá aos 10/11 anos por iniciativa própria e desde aí tenho competido em nome deste clube e pela primeira vez em 2014 pela Seleção Nacional.

Porquê a ginástica acrobática? O que tanto te fascina nesta modalidade e o que ela já te ensinou? Preferes os elementos de equilíbrio, de dinâmico ou o exercício combinado? Par ou trio?

RF: O porquê é uma boa pergunta. Nem eu sei ao certo. Acho que nasceu um bocado comigo este gosto e fascínio pela modalidade e o facto de com o tempo conseguir sempre fazer exercícios novos e evoluir ajuda na motivação dos atletas de ginástica além de, a meu ver, ser um desporto lindíssimo de ver, tanto em competições como espetáculos.

A ginástica ensina muito coisa a muitos níveis. Desde o compromisso com algo, a disciplina e rigor necessários não só nos treinos como fora deles, gestão de tempo, organização e saber que com trabalho e persistência conseguimos realizar tudo aquilo que queremos.

Quanto aos elementos, depende muito do grupo com que fazes e o que fazes. Em geral, prefiro equilíbrios quando faço par feminino e dinâmicos quando estive em trio, mas como disse depende muito das características do grupo com que faço, principalmente do volante.

Par ou trio é outra boa questão. Acho que prefiro par, se bem que a exigência para o fazer é muito maior do que trio na minha opinião, principalmente no escalão sénior.

Durante o ano letivo, descreve-me a tua rotina do dia-a-dia (escola, treinos, etc.)? Sei que estás na faculdade de Medicina. É muito difícil conjugar a vida escolar/familiar e amigos com os treinos, por vezes bi-diários?

RF: Durante a semana treino cerca de 24h. Às terças e quintas-feiras, faço treinos bi-diários (das 6:30 às 7:45), para depois às 8:30 estar na faculdade. Depois volto ao ginásio às 15:30 e termino às 19:30. Às segundas, quartas e sextas treino das 16:30 às 21h e ao sábado das 9:20 às 13h. Nos “tempos livres”. tenho aulas e não dá tempo para muito mais. Este ano tenho sentido mais dificuldade em conjugar as duas vertentes: faculdade e desporto, pois os níveis de exigência são altos em ambas as coisas, mas é preciso estabelecer prioridades a meu ver e tentar fazer o máximo que conseguir. Quanto à minha família e amigos, já estão habituados à minha rotina. Todos eles já sabem que ao fim da tarde ou à tarde tenho treino e que às vezes não posso ir a festas ou assim, mas são super compreensivos todos e tentam me ajudar ao máximo.

Vamos recuar umas épocas desportivas:
– Em 2014, estavas no escalão Juvenil (11-16 anos), eras base da Joana Moreira, e ganhaste a medalha de bronze no Mundial.
– Em 2015, no mesmo escalão, foste ao teu primeiro campeonato da Europa e ganhaste a medalha de ouro.
– Em 2016, novamente no palco mundial mas no escalão 12-18 anos, subiste ao topo do pódio.
– Na época 2016/2017, continuaste com a mesma volante mas passaste a integrar um trio no escalão 13-19 anos, com a Beatriz Carneiro. Foram ao Europeu e saíram de lá não com uma, nem com duas… mas com três medalhas de ouro! Um feito inédito na história da ginástica portuguesa e do qual poucas seleções de elite se podem ‘’gabar’’…
– Na época seguinte, continuaste em trio mas a volante mudou, passando a ser a Bruna Gonçalves. Nesse mesmo ano, foram ao Mundial na Bélgica e saíram de lá com a medalha de ouro, numa categoria muito disputada e com uma nota altíssima (29,050 pontos obtidos – Refira-se que o máximo que se pode alcançar são 30 pontos).
A pergunto que te faço é: Quando olhas para trás e pensas em tudo o que já conquistaste, o que sente a atleta que é a ginasta mais medalhada de sempre no panorama da acrobática portuguesa?
Como é ser ‘’coroada’’ campeã do mundo e ouvir o hino nacional a tocar?

RF: Para mim é um grande orgulho representar o meu país e acima de tudo representá-lo bem, com a consciência de que treino muito e que tenho os melhores treinadores para me ajudar a alcançar tudo o que alcancei. Para dizer a verdade, em 2016 quando ganhei o campeonato do Mundo, foi para mim um pouco inesperado, pois a época não tinha sido a mais fácil nem para mim nem para a Joana, que era a minha volante na altura, mas para ambas tinha sido um sonho tornado realidade e conseguir repetir o mesmo feito em 2018 ainda foi mais inesperado pois a concorrência estava altíssima e o meu trio teve 5 meses para se preparar para a competição pois mudei e volante em novembro de 2017 e na altura não foi nada fácil para mim e para a Beatriz, mas tudo compensou e festejamos MUITO quando vimos que tínhamos ganho aquilo que 5 meses antes nos parecia impossível.  Ouvir o hino é sempre um momento arrepiante e quando cantado por todos os portugueses presentes no pavilhão ainda mais. É mesmo um orgulho e nesses momentos sentes que todas as horas a treinar, as dores e todos os momentos menos bons são compensados.

Durante vários anos, fizeste par com a Joana Moreira e depois foi 1 época com a Bruna. Atualmente, competes pela primeira vez no escalão elite sénior e com um volante nova, a Rita Teixeira, também estreante neste escalão. Mais uma vez, volante nova, um escalão diferente e mais exigente. Vocês foram a três taças do Mundo este ano e ganharam todas, tendo trazido a taça do Circuito das Taças do Mundo para casa… Este novo desafio correu bem desde o início ou houve momentos mais complicados?

RF: Para mim, ficar com a Rita no início foi um desafio enorme. Estávamos em patamares diferentes, a Rita era um volante muito inexperiente, veio do escalão 11-16 anos, mas rapidamente nos adaptamos uma à outra. A nível de treino, sempre foi fácil, a nível de competições no início da época não estavam a correr como queríamos, de todo. Mas continuámos a treinar e a confiança foi aumentando e isso refletiu-se nas últimas competições. Claro que há sempre momentos mais difíceis, como em tudo na vida, mas esses momentos vão continuar a aparecer mesmo agora e ao longo da época, o importante é dar a volta por cima e continuar a treinar.

Enquanto par feminino sénior, quais são os vossos próximos objetivos? Já estão apuradas para o Europeu de 2019, que vai decorrer em Israel em Outubro… Vão tentar ir ao campeonato do Mundo de 2020 ou até mesmo os Jogos Mundiais de 2021?

RF: Para já, o foco é no Europeu 2019, ou seja, aumentar dificuldade sem diminuir na execução, fazer os melhores exercícios que conseguirmos nessa competição e esperar que seja o suficiente para sair de lá com alguma(s) medalhas. Depois do Europeu sim, o meu objetivo era ir ao Mundial e ir ao pódio nesta competição, desta vez no escalão sénior, o que é um objetivo muito alto, visto que Portugal até agora nunca alcançou uma medalha neste escalão m campeonatos do Mundo. Caso tudo isto aconteça e caso Portugal consiga um lugar para os Jogos Mundiais, é uma hipótese estarmos lá presentes, contudo ainda falta muito até 2021 e muita coisa pode acontecer.

Em toda a tua carreira de ginasta, qual foi o momento mais difícil que viveste? Já aconteceu algo que te fizesse questionar se valia a pena continuar na ginástica? Ou conseguiste superar tudo?

RF: Todos os atletas de alta competição passam por momentos bons e menos bons. É normal. Os meus momentos maus normalmente são quando estou lesionada e não consigo dar tudo o que quero nos treinos. Um dos piores momentos em que fiquei assim na indecisão, foi quando a Joana saiu e o campeonato do mundo era 5 meses depois. Foi difícil mas confiar nos nossos treinadores foi a melhor coisa que eu e a Beatriz (a base que altura estava comigo) fizemos.

Daqui a alguns anos, quando já não estiveres a competir, pensas manter-te ligada ao mundo da ginástica acrobática, seja no papel de juíza e/ou treinadora?

RF: Já tirei o curso de juíza e sem dúvida quero-me manter ligada de alguma forma à ginástica. Ser treinadora é algo que eu gostava mas dependerá muito do que a minha vida profissional se tornará.

Quem é a Rita Ferreira fora dos praticáveis? Que passatempos tens?

RF: Fora dos praticáveis tento fazer coisas que gosto, que me relaxem e que me divirtam. Adoro ir sair com os meus amigos, passear na praia com os meus cães, ver séries, ir ao shopping… Portanto, o comum para pessoas com a minha idade.

Quem acompanha o mundo da ginástica acrobática em Portugal, sabe que esta modalidade – entre outras gímnicas e não gímnicas – são negligenciadas, tanto do ponto de vista da sua divulgação e promoção pelos meios de comunicação (que em muito poderiam contribuir para lhes dar visibilidade), tanto do ponto de vista da quase inexistência de patrocínios aos atletas. Em muitos casos, são as respetivas famílias a custear as despesas com os fatos (maillots) de competição, as viagens para provas nacionais e/ou internacionais, alojamento, etc. Estamos a falar de despesas que podem ascender a centenas de euros… A Federação Portuguesa de Ginástica comparticipa algumas despesas com as deslocações dos ginastas seniores em provas oficiais, mas a ajuda – infelizmente – não chega a todos.

Como olhas para esta realidade, em que há mérito e resultados da parte dos ginastas, mas não há patrocínios nenhuns? Se pudesses dirigir algumas palavras a algum empresário/patrocinador, o que lhe dirias?

RF: É uma realidade que eu já me habituei um pouco, infelizmente. Até este ano, eu e o meu clube pagámos todas as despesas que a ginástica implica, que são muitas. Mesmo este ano, maillots de competição fui eu que os paguei e só aí já são centenas de euros. Apesar disso, sinto que ao longo dos anos se começa a falar mais da modalidade. o que já é um começo. Contudo, patrocínios ainda são muito poucos, quase inexistentes. Sendo a Acrobática um desporto com tantos resultados em Portugal, acho que se podia investir um pouco mais nela, ela merece isso e os atletas também, porque são mesmo muitas horas que nos trabalhamos e ter algum tipo de ajuda era essencial. E quem fala de ginástica, fala de outros desportos igualmente trabalhosos e dispendiosos que não têm apoio.

Rita, obrigada pela atenção e pelo tempo dispensado para esta entrevista. Desejo-te, a ti e à Rita Teixeira, um ótimo resto de época e estou a torcer para que tenham um desempenho excelente no Campeonato da Europa. Eu e muita gente esperamos ouvir novamente ‘’A Portuguesa” tocar.

RF: Obrigada! Vamos trabalhar para isso!

Rita Ferreira em vários planos (Foto: Arquivo da Atleta)

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