Luís Pissarra. “Tenho saudades do balneário, do respirar a relva e a pressão do jogo.”

Francisco IsaacFevereiro 12, 201811min0
O Fair Play falou com o seleccionador sub-20 de rugby e visitámos os momentos mais importantes da carreira. Luís Pissarra em exclusivo para o nosso site!
Luís, tu tens tido “direito” (ou, melhor, conquistado) de participar em grandes momentos de rugby na tua vida… Mundial em 2007, Campeão da Europa, todos os títulos a nível de clube e, agora, Campeão da Europa e Vice-campeão Mundial “B” como treinador… há algum segredo para atingir este patamar?

LP. Olhando para trás tenho estado em algumas conquistas importantes do rugby nacional, como tantos outros jogadores e treinadores. Não tenho dúvida que para qualquer uma dessas vitórias há alguns fatores que são comuns, dedicação, espirito de sacrifício, capacidade de trabalho e, no meu caso concreto uma boa capacidade de organização.

Tive a sorte e privilégio de ter jogado com grupos fantásticos onde, o mais importante de tudo foi sempre o grupo juntamente com o estabelecer um objetivo comum concreto!! Nas equipas que tenho treinado tenho privilegiado estes princípios e, felizmente, têm sido sempre bem aceites e tudo o resto vem com alguma naturalidade. 

A conquista que significou mais para ti e porquê?

LP. A maior conquista (não querendo parecer politicamente correto, mas sim porque sinto mesmo isso), vai para além dos títulos obtidos……. foi a sorte e prazer que tive em ter treinado, jogado, e vivido emoções enormes com uma serie de excelentes jogadores/pessoas, que fizeram crescer o rugby português, não só em campo, mas principalmente fora dele!

E acima de tudo as memórias e ligações que ficam para a sempre!

Guiar esta geração a estas conquistas e feitos atribui um sentimento especial? Consegues contar-nos o momento mais gratificante e o mais complicado nos sub-20 entre 2016/2017?

LP. Os momentos mais gratificantes com este grupo passam pela facilidade que é treinar atletas com o nível de interesse e vontade que este tem. Desde os primeiros dias que passamos juntos, em competição, que me apercebi do “profissionalismo” da maior parte destes atletas…. eles querem competir e fazem tudo para estar ao melhor nível. São sérios na recuperação e descanso, são sérios na forma como abordam o jogo, como querem e gostam de analisar os adversários e a nossa forma de jogar e acima de tudo têm um orgulho e uma intensidade em campo capaz de provocar inveja a muitos jogadores mais velhos.

O mais complicado foi claramente a noticia de que o jogo tinha terminado aos 66m na final com o Japão, no WR Trophy. Gerir a equipa, o misto de sensações e a tristeza que o grupo sentiu com a injustiça que a WR cometeu vai ficar como uma das memórias mais tristes da nossa vida desportiva. Quando recebemos a noticia, a equipa estava muito motivada para os últimos minutos do jogo (altura onde fomos sempre muito fortes) porque sentimos que os japoneses estavam cansados e estávamos a crescer em campo.

Gostavas de continuar a trabalhar com este último patamar por mais uns anos? A pressão de coordenar, treinar e ter tudo pronto é algo que te dê ainda mais vontade de continuar?

LP. Gosto muito de treinar esta faixa etária. O jogo já é muito sério e já têm capacidade de gestão de grande parte da vida deles…. já têm de ser responsáveis e começam a ter alguma independência dos pais o que permite uma gestão de grupo diferente!

No registo actual da minha vida profissional este patamar é o que se pode adaptar melhor a minha relação disponibilidade de tempo vs prazer em treinar uma equipa competitiva. Tenho muita dificuldade em poder fazer uma época num clube, independentemente do escalão, ao passo que, com uma seleção, consigo organizar-me para estar disponível em períodos concretos do ano.

O que me motiva para continuar, para além do adorar este desporto tem muito a ver com a adrenalina da coordenação, do treino e da competição.

Como coordenaste tudo nestes últimos anos com um emprego quase “sem horas”, família, treinos nas escolas de Agronomia e na selecção Nacional onde vais muito para além de ser um simples treinador? É simplesmente vontade ou é um congeminar dos vários valores que aprendeste nestes anos?

LP. Desde a minha “vida de jogador” que a organização foi a chave para conseguir “ir a todas”. Tenho usado essa característica como sendo essencial ao sucesso e a uma vida equilibrada.  Muitas vezes dizem-me que o meu dia tem mais horas que os dos outros, mas passa tudo pela organização, mas nem sempre é fácil conseguir um equilíbrio, principalmente quando envolve a vida familiar.

Tenho a sorte da minha mulher ter sido criada no ambiente do rugby e muitos assuntos deste desporto serem abordados em conversas na nossa família e no nosso grupo de amigos. Por vezes há uma compreensão maior do que é querer dar o nosso contributo neste desporto.

Foto: António Lamas Fotografia
Agora indo ao passado… tens saudades de estar dentro de campo a jogar? Recordas-te do teu primeiro jogo a nível sénior?

LP. O primeiro jogo sénior foi nas Olaias num Agronomia vs Tecnico em que tinha 16 anos e não foi uma grande estreia…. entrei como suplente e parti uma costela no fim do jogo!!

Saudades de jogar…. não tenho mesmo…….tenho saudades do balneário, do respirar a relva e a pressão do jogo, mas essas emoções consigo obter como treinador!

Tens lembranças do que era a Agronomia na altura? Melhor memória e a equipa que mais te marcou nestes anos todos como jogador?

LP. Lembro-me de 2 jogos em particular que fiz por Agronomia, a meia final da taça Ibérica, em Dezembro de 2007 na Tapada, com o Madrid, foi dos melhores jogos que me lembro de jogar, quer individualmente quer colectivamente, e o outro foi a final do campeonato de 2006/7 em que Agronomia ganhou o seu unico titulo de campeão nacional, não só pelo jogo que foi mas, principalmente, pelos sentimentos e alegria  que essa vitória deu a equipa e ao clube.

Faltou-te fazer alguma coisa? Jogar fora de Portugal? Revalidar algum título?

LP. Felizmente não tenho muita coisa que me possa ter arrependido de ter ou não ter feito, mas não ter jogado, pelo menos uma época fora, apesar de ter tido algumas propostas, é realmente das poucas situações que me deixa alguma mágoa…..

Esta pergunta devia ter vindo primeiro mas… como “apareceste” no rugby? E a modalidade realmente era/é diferente comparada com outras?

LP. Realmente queria ter jogado futebol!(risos) Mas fui a um treino num clube e não gostei. O meu pai tinha jogado em Agronomia e dizia-me frequentemente para ir experimentar…. comecei e nunca mais parei!

Ser Lobo foi uma das maiores honras da tua vida? O jogo que te marcou mais qual foi? E um momento que definiu o sucesso daquela equipa que foi ao Mundial.

LP. Jogar por Portugal foi das maiores honras que vivi, por tudo o que representa para cada um vestir a camisola nacional e por todos aqueles que levava dentro de mim para dentro de campo.

Há 1 jogo que me marcou muito, a única vitória que Portugal obteve na Geórgia. Com um estádio  cheio de  adeptos agressivos  e contra uma equipa de gigantes fomos enormes e não demos um espaço em campo!!

A geração que foi ao mundial vinha a acreditar na possibilidade de conseguir o impossível há algum tempo, mas não tenho dúvida que após a vitória em Lisboa contra o Uruguai sentimos não iriamos desperdiçar essa oportunidade.

Treinar escolinhas pode ensinar algum skill básico a jovens treinadores? Recomendas que comecem por esse patamar?

LP. Para além de ensinar os skills básicos, obriga a que o próprio treinador os tenha de saber… e mais difícil de tudo tem de voltar atrás, á base dos princípios, desmontá-los e saber passar a mensagem! Acho essencial uma passagem por estes escalões e por estes princípios.

Este inicio de época tenho dado alguns treinos aos mais jovens jogadores de Agronomia (sub8-sub14) e o maior desafio que já tive como treinador surgiu a dar treino aos sub8!! Em primeiro lugar como agarrar a atenção dos mini atletas e, em segundo, como envolver os jogadores na nossa ideia e nos princípios a passar é necessária muita energia, paciência e capacidade de improviso!!

Uma Lenda de Agronomia (Foto: Arquivo Pessoal)
O quão foi importante para ti a tua família nestes anos todos?

LP. É a base da minha vida…… é em casa no dia a dia, ou a falar com a minha mulher e filhos que consigo ter um equilíbrio mental……….. nos momentos de stress desportivo são eles quem procuro para conseguir novamente a tranquilidade, bem como são os primeiros com quem quero estar/falar logo a seguir aos nossos jogos.

Compreendo que, por vezes, possa ser difícil que a minha família aceite este envolvimento e contributo ao rugby, para mais num carácter amador em que há alturas que tenho de fazer opções que possam por estar menos tempo com eles.

Umas questões mais divertidas: nº10 que mais gostaste de jogar com: Duarte Cardoso Pinto ou Martim Tomé?

LP. Foram grandes jogadores muito diferentes com características muito próprias. Juntamente com o Nuno Mourão e Gonçalo Malheiro os melhores organizadores com quem joguei!

Qual dos Clássicos: Agronomia-Direito ou Agronomia-Belenenses?

LP. Agronomia-Direito, por muitas razões entre as quais a familia!

Melhor nº9 que vista a jogar: George Gregan, Piri Weepu, Agustin Pichot ou Joost van der Westhuizen?

LP. Como jogador o Joost van der Westhuizen foi gigante, era um atleta acima de tudo…… incansável em campo e um defensor fora de série o que fez com que muitas vezes fosse colocado fora da sua posição para marcar adversários concretos. É um jogador que marca o rugby pela época em que se destacou.

No entanto o Agustin Pichot, para além da condição de grande jogador, teve um papel preponderante como líder da sua seleção, acreditou e fez acreditar um grupo de jogadores que conseguiriam superar as melhores nações de rugby.

Jogador mais “divertido” destes sub-20: José Sarmento, José Maria Sarmento ou Nuno Mascarenhas?

LP. Nenhum deles tem tem graça nenhuma!!! (risos)

Mas destes nomes o Zeze (Jose Sarmento) foi preponderante no grupo durante toda a época. Foi dos jogadores que teve menos minutos em campo, mas foi dos mais relevantes fora dele! Excelente elemento de grupo e muito activo e objectivo nas analises dos jogos.

O colega de equipa que te marcou mais pela forma como trabalhava? E com quem gostavas de voltar a partilhar um lugar no balneário?

LP. Joaquim Ferreira, colega de tantas batalhas e alegrias. Uma vida desportiva incansável, um poço de força na 1ª linha, uma capacidade de luta fora de série e acho que nunca o vi magoado! A capacidade que teve ao longo da sua longa carreira de se deslocar do Porto a Lisboa e voltar para fazer um treino.

Em três palavras consegues explicar o que foi e é o rugby para ti?

LP. Modo de vida

Uma mensagem aos teus jogadores, colegas, família e restante comunidade do rugby português?

LP. Temos de acreditar no rugby português, na capacidade que temos de voltar a conquistas importantes e, acima de tudo, nos princípios que este desporto transmite e que passamos aos jovens atletas…… mas que tantas vezes, nos últimos tempos, têm sido muito maltratados.

Foto: João Peleteiro Fotografia

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